A cada ano, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) premia o que considera ser as melhores teses de doutorado em cada área no Brasil, naquilo que o próprio governo federal define como “o Oscar da ciência brasileira”.
O resultado de 2023 acaba de sair, e mostra um sinal preocupante: além das ciências humanas e sociais, a militância política rasa se alastrou para áreas como Arquitetura, Saúde e Ciências Ambientais.
A nova lista traz 49 teses premiadas e outras 97 que receberam menção honrosa. Os vencedores (quase sempre, previamente financiados pela própria Capes ou outro órgão público) recebem uma bolsa de até um ano para um pós-doutorado no Brasil. Os orientadores recebem R$ 3 mil. Algumas entidades parceiras oferecem prêmios adicionais para algumas das categorias.
A Gazeta do Povo preparou uma lista com as dez piores teses premiadas pela Capes em 2023 — não só pela carga ideológica e os ataques sem fim ao “neoliberalismo” e o “patriarcado”, mas pelos cacoetes acadêmicos vazios, a falta de clareza e a fragilidade dos argumentos.
É bom reforçar: esta não é uma coletânea das piores teses de doutorado do Brasil. São as dez piores entre aquelas que foram consideradas as melhores teses pela Capes, um órgão do Ministério da Educação cuja missão é justamente promover a excelência no ensino superior.
1) Categoria: Ciência Política e Relações Internacionais
Título: Legitimating violence: military operations within Brazilian borders
Autor: David Paulo Succi Junior
Instituição: UNESP (Universidade Estadual Paulista)
Resumo: A tese, escrita em inglês, afirma que os militares brasileiros têm uma tradição de uso da violência à margem da lei, e que isso se reflete sempre que as tropas são empregadas dentro do território nacional.
Trecho: “O conjunto de ideias exclusionárias, militaristas, coloniais e não-democráticas que proveu tanto a matéria-prima para a legitimação dos discursos legitimadores a serem elaborados quanto o terreno social propício para que a mobilização interna do instrumento de letalidade fosse aceita e desejada no Brasil não é exclusiva deste tipo de prática de segurança ou dos casos empíricos abordados nesta tese. A mesma topografia ideacional, constituída tanto pelas expectativas sociais sobre as Forças Armadas quanto pela identidade militar, permeia a totalidade das relações das Forças Armadas com o Estado e a sociedade brasileira.”
2) Categoria: Linguística e Literatura
Título: Estudos Feministas da Tradução no Brasil: Percursos históricos, teóricos e metodológicos na produção científica nacional (1990-2020)
Autor: Naylane Araújo Matos
Instituição: UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo: Esse trabalho mapeia estudos feministas no campo da Tradução no Brasil, e carrega nas críticas ao “patriarcado”. Já no início, a autora faz questão de rejeitar qualquer expectativa de objetividade.
Trecho: “Tenho que advertir: este não é um texto neutro. A mulher que o escreve não é neutra, sua sexualidade não é neutra, sua classe social não é neutra, seu lugar não é neutro, seu corpo não é neutro, seu país não é neutro, seu continente não é neutro. A linguagem que escreve este texto/tese não é neutra, como também não o é a sociedade patriarcal capitalista de supremacia branca na qual ela se insere (...). Vivemos um cenário de retrocessos sociais e políticos agigantados nos últimos anos – especialmente desde o golpe jurídico parlamentar que destituiu a primeira mulher presidenta do Brasil Dilma Rousseff (2016) – que assolam os direitos das trabalhadoras e trabalhadores deste país e que se acentuaram drasticamente com a pandemia do Covid-19, cujas políticas de isolamento refletem marcadamente divisões raciais, de classe, de gênero e geopolíticas”
3) Categoria: Saúde Coletiva
Título: Tecnologias Biomédicas e Aborto em uma Maternidade Pública de Salvador: Estudo Etnográfico
Autor: Mariana Ramos Pitta Lima
Instituição: UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Resumo: A autora entrevistou 27 mulheres que abortaram. Embora o tema seja relevante, a perspectiva adotada por ela é a da agenda radical de esquerda, segundo a qual o aborto é um direito absoluto.
Trecho: “Como as teóricas feministas de gênero a exemplo de Scott (1995) nos levam a entender, existe uma dinâmica simbólica e prática enraizada, fundada na estreita relacionalidade das categorias e das pessoas, em que a vulnerabilidade específica das mulheres é produzida e reproduzida, por meio de conceitos generizados, sobretudo no campo reprodutivo em que tudo é associado à noção da ‘boa mãe’ e a maternidade é tida como destino. O aborto como prática e a mulher que aborta como categoria representam a antítese simbólica de tudo que é valorizado no regime de gênero vigente no Brasil.”
4) Categoria: Antropologia / Arqueologia (menção honrosa)
Título: Letalidade Branca: Negacionismo, violência anti-indígena e as políticas de genocídio
Autor: Felipe Sotto Maior Cruz
Instituição: UnB (Universidade de Brasília)
Resumo: São mais de 200 páginas afirmando que os brancos mataram indígenas e descrevendo a “letalidade branca”. A tese usa o termo “genocídio” de forma pouco precisa, e é repleta de referências em primeira pessoa.
Trecho: “Antropoceno, capitaloceno (Moore 2015) e tecnoceno (Holnborg 2001, 2015) são alguns dos nomes dados a esses múltiplos processos destrutivos, o primeiro nomeia o atual período geológico do planeta colocando no centro de sua definição a espécie humana e seus efeitos avassaladores sobre a Terra acelerados, sobretudo, a partir do aumento do uso de combustíveis fósseis no século XIX. Capitaloceno põe no centro da discussão o capitalismo, pautado na acumulação não-reflexiva, e a sua versão neoliberal globalmente mais letal e predatória que nunca, responsável pelo esgotamento do equilíbrio ecológico do planeta, nos conduzindo ao fim. Tecnoceno, por sua vez, enfatiza os efeitos da alta tecnologia, responsável pela degradação do sistema ecológico da Terra.”
5) Categoria: Arquitetura, Urbanismo e Design (menção honrosa)
Título: Linguagens e Corpos no Discurso do ‘Slam das Minas’:ambiências de resistência e ressignificação espacial por meio de mulheres nas batalhas de poesia urbana
Autora: Mariana Valicente Moreira
Instituição: UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Resumo: Aqui, o tema da arquitetura e do urbanismo parece ser apenas um pretexto para longas digressões sobre a opressão machista. A tese é repleta de palavras de ordem saídas do dicionário radical de esquerda.
Trecho: “Pensar em espaços públicos é pensar em diversidade. Diferentes corpos e necessidades, assim como diferentes contextos. No Brasil, essa complexidade e diversidade fazem com que muitas opressões históricas sejam naturalizadas, assim a diversidade se transforma em desigualdade, que pode ser reconhecida nos espaços públicos. Uma vez que a ideia de opressão pode ser territorializada e, de fato, demarcada tanto por ausências e abandonos quanto por planos e projetos de controle, é preciso regenerara ideia de um urbanismo inclusivo ao planejar espaços democráticos em nosso tempo.”
6) Categoria: Artes (menção honrosa)
Título: Uma perspectiva crítico racial da História da Música Brasileira (1926) de Renato Almeida
Autor: Jonatha Maximiniano do Carmo
Instituição: UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Resumo: A tese se propõe a procurar (e diz encontrar) trechos racistas em um livro sobre a música brasileira escrito 100 anos atrás. A principal acusação tem a ver com o fato de o autor do tal livro, Renato Almeida, ter defendido a miscigenação racial brasileira como algo positivo.
Trecho: “A tese aqui desenvolvida tem por objetivos identificar e descrever criticamente o discurso racista presente na História da música brasileira de Renato Almeida, publicada no ano de 1926, verificando de que forma o conceito de mestiçagem foi transposto para o conceito de música brasileira, se tornando importante justificativa para o ideal de limpeza racial, disfarçado de evolução civilizatória.”
7) Categoria: Ciências Ambientais (menção honrosa)
Título: Saberes e Fazeres de Mulheres Camponesas e Quilombolas nas Agriculturas: Produzindo Formas de Resistências e Existências
Autor: Renata Borges Kempf
Instituição: UFPR (Universidade Federal do Paraná)
Resumo: Embora o objetivo da tese possa parecer inócuo, o conteúdo é recheado de palavras-de ordem a favor do socialismo e contra as mais diversas formas de “opressão”. As palavras “capitalismo” e “capitalista” aparecem 74 vezes no texto.
Trecho: “Compreendemos, portanto, que a exploração de raça, classe e gênero é a base da modernidade e do capitalismo, que se consolidou com base no patriarcado, no sexismo e no racismo. Nesta tese, analiso as intersecções das opressões e resistências em meio à diversidade das ruralidades camponesas, por isso as contribuições teóricas do feminismo negro e decolonial são fundamentais para esta análise na medida em que tecem reflexões acerca do ‘[...] profundo vínculo ideológico, entre racismo, viés de classe e supremacia masculina’, nas palavras da intelectual negra, feminista e marxista, Angela Davis.”
8) Categoria: Comunicação e Informação (menção honrosa)
Título: Conexão Atlântica: branquitude, decolonialitude e educomunicação em discursos de docentes de Joanesburgo, de Maputo e de São Paulo
Autor: Paola Diniz Prandini
Instituição: USP (Universidade de São Paulo)
Resumo: O texto, repleto de palavras inventadas, parece uma paródia. A linguagem passa longe do rigor acadêmico. Em vez disso, a tese traz frases como "O afeto é revolucionário" e um acróstico que combina palavras como "Ancestralidade", "Troveja", "Comunitariamente".
Trecho: “Sendo brasileira, sinto que sou parte de uma população que sobrevive (também) pelo consumo de infinitos memes (CALIXTO, 2017), que faz piada com a própria sorte, mas, que, ao fim do dia, só queria mesmo poder ter seus direitos básicos garantidos, mas que os vê sendo retirados, corriqueiramente, estruturalmente, visto o aumento de pessoas que vivem abaixo da linha da miséria ter se multiplicado, nos últimos anos, até a aprovação de medidas que visam garantir a manutenção de privilégios a quem historicamente os acessa. E quem são essas pessoas? Uma maioria de homens brancos cisgêneros, publicamente assumidos heterossexuais e cristãos, ricos, sexistas e patriarcais, velhos e herdeiros de um sistema colonial ainda vigente nas mentes e nos corpos de quem é oprimido por esse sistema.”
9) Categoria: Educação (menção honrosa)
Título: XI HÕNHÃ? E AGORA? VAMOS SER PESQUISADORES: um fazer pesquisa tikmũ’ũn entre múltiplos seres, saberes e fazeres
Autor: Paula Cristina Pereira Silva
Instituição: UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Resumo: A autora afirma ter identificado “metodologias de pesquisa indígena”, que ela própria classifica como mera “contação de histórias.” Paula critica a visão “eurocêntrica” e “ocidental” que diz prevalecer no ambiente acadêmico quanto às formas aceitáveis de se fazer pesquisa.
Trecho: “Presenciamos, atualmente, no Brasil, um trágico momento na história de sua democracia. O país está sendo governado por uma política autoritária, que não zela pela vida, tampouco pela diversidade e pela justiça social. Pelo contrário, um desgoverno que fomenta a violência e o desrespeito, que falha em suas obrigações legais para com os povos indígenas e diversas outras minorias (...). De certa forma, as crises reveladas pela pandemia de Covid-19 deram visibilidade a outras ciências, outras formas de viver e de nos relacionar com mundos outros que reforçaram a fragilidade do modelo de sociedade dominante. O considerado ‘homem moderno’, fruto de um passado imperialista, colonialista, de dominação de saberes, seres e fazeres, foi rendido e, por hora, vencido pelo invisível.”
10) Categoria: Interdisciplinar (menção honrosa)
Título: Agência feminina, terra e multissensorialidade: a mitopráxis Tikmũ’ũn no cinema.
Autor: Joana Brandão Tavares
Instituição: UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Resumo: O trabalho analisa a perspectiva de gênero dentro de uma tribo indígena na Bahia. O tema é válido, mas a autora se perde em devaneios sobre o “feminismo indígena”, que é um conceito estranho à própria cultura dos povos indígenas.
Trecho: “Portanto, com a construção do conceito de gênero, o feminismo busca mostrar como as diferenças nas relações sociais de sexo são construídas culturalmente e não possuem uma relação de causa e efeito com a natureza, ou com o sexo – para usar o termo cunhado na dualidade do sistema sexo/gênero que vincula a natureza ao primeiro, e a cultura ao segundo. O próprio conceito de relações de gênero já passa então a ser impregnado do social, em oposição a relações sociais de sexo, no qual, entretanto, a natureza social da elaboração do sexo ainda precisaria ser explicitada.”
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