Disciplina, cumprimento de horários e educação moral e cívica. A partir de segunda-feira (11), é assim que começa o ano letivo de cerca de 6,8 mil alunos em quatro escolas públicas do Distrito Federal. Por iniciativa do governador Ibaneis Rocha (MDB), será implementado nessas instituições um projeto piloto de gestão compartilhada entre Secretaria de Educação e Segurança - inspirado, parcialmente, em modelos que já existem, como o de Goiás. Se obter bons resultados, o programa poderá se estender para até 200 escolas do DF.
O projeto faz parte de um programa lançado no dia 11, o SOS Segurança. O Centro Educacional (CED) 1 da Estrutural, no CED 3 de Sobradinho, no CED 308 do Recanto das Emas e CED 7 de Ceilândia são as primeiras escolas onde o projeto piloto será realizado. Essas instituições foram escolhidas por critérios como baixo Ideb, baixo IDH, mapa de violência e questão estrutural, ou seja, se a escola tem espaço pra crescer ou terreno vazio que possa ser expandido.
Junto com funcionários que já atuavam nessas escolas, os militares devem contribuir com a administração das instituições e para a formação disciplinar de alunos do ensino fundamental e médio.
A ideia, contudo, é que não haja sobreposição de funções, como explica Mauro Oliveira, assessor de gabinete do secretário de Educação do DF, Rafael Parente. "Nós buscamos uma alternativa que colocasse diretor civil e militar lado a lado, e que garantisse que eles pudessem gerir a escola em conjunto, nos mesmos níveis". Isso significa que, enquanto os professores cuidam da parte pedagógica, os militares devem ficar responsáveis por questões burocráticas, de segurança e disciplina. Se houver algum tipo de divergência, terão de recorrer ao conselho escolar da instituição.
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Mesmas regras de escola militar?
O conteúdo pedagógico continua o mesmo, seguindo as diretrizes da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Algumas regras, no entanto, vão mudar, como a questão do uso de um novo uniforme, que será distribuído gratuitamente aos alunos. Meninos deverão ser instruídos a usar cabelo curto, enquanto as meninas, coque. Além disso, cerca de 25 militares estarão nas escolas diariamente, e eles também vão dar aulas de musicalização, ética e cidadania, no contraturno.
Mauro Oliveira salienta que o ingresso de alunos nos centros de ensino não se dará através de seleção específica, como provas, por exemplo. Os estudantes que já estavam lá, permanecem. De acordo com os resultados do programa, porém, as escolas podem passar a adotar um sistema de sorteio de entrada.
"A experiência nos diz que, escolas que adotam esse tipo de programa, acabam sendo muito procuradas por pais e alunos. Diante dessa demanda, a alternativa mais justa para seguir um critério de escola pública e gratuita, com acesso total, é por sorteio", explica. "No ano que vem, nós já vamos nos deparar com isso. Aliás, já nos deparamos agora, há escolas que tiveram que criar até três turmas adicionais. A procura é absurda".
Demanda
Além de contribuir para uma melhor conduta, disciplina e dedicação dos alunos, o objetivo, com a implementação da gestão compartilhada, é "tirar um fardo das costas do diretor e dos professores".
"Se o professor tem 50 minutos de aula, na prática, ele consegue dar 30. Ele tem muitas tarefas que o ocupam e fazem com que perca tempo de aula. Com o novo modelo, os próprios alunos passam a ajudar os docentes na aula. Fazem chamadas, são chefes de sala, responsáveis por setores diferentes, como o banheiro, o corredor. Isso estimula responsabilidade neles", diz Oliveira, que também relata que "o bullying nas escolas que adotam esse modelo de gestão é quase zero".
O assessor também citou o exemplo de um diretor que relatou que usava 90% de seu tempo para cuidar de questões administrativas. Apenas 10%, e em alguns casos 20%, são destinados à área pedagógica. “O cano que estourou, a luz que não funciona. Todas essas situações tomam o tempo deles”, conta.
Custo baixo
Segundo a Secretaria de Segurança, o custo para a implementação do programa foi estimado em R$ 200 mil ao ano. O investimento, considerado relativamente baixo, é previsto apenas para pequenas alterações nas escolas.
"Alguns professores me contaram que precisam pintar as salas a cada seis meses, porque os alunos picham as paredes. Eu perguntei se os estudantes invadiam a escola durante a noite, mas, na verdade, os alunos fazem isso durante a própria aula. É nesse nível de situação que estamos chegando. E é dessa forma que vamos investir o dinheiro", conta o assessor.
Consulta pública
Para ser implementado nas escolas, a proposta teve de passar por assembleia entre professores, funcionários, pais e alunos. Pela Lei de Gestão Democrática em Brasília, eles tiveram de responder "sim" ou "não" à ideia de gestão compartilhada das instituições.
"O desejo de boa parte dos professores é que haja a implementação do projeto, e da comunidade não é nem questão de boa parte, é questão de quase 100%", conta Oliveira. Em uma das escolas que passou por votação, o Centro Educacional 7 de Ceilândia, por exemplo, a proposta venceu com 58% dos votos. Entre os professores, 61 de 99 apoiaram a gestão compartilhada.
Resistência
Embora muitos apoiem, há quem não concorde com o modelo e o ache inadequado. O Sindicato dos Professores do DF (Sinpro) parece não ter entrado em consenso com o governo. Ao G1, o diretor do grupo defendeu que é melhor deixar os militares nas ruas, "para garantir a segurança da população".
Em oposição à proposta, no dia 12, líderes partidários da Câmara Legislativa do DF colocarão em votação um projeto de decreto que pode suspender o programa de gestão compartilhada nas escolas. O autor do texto, Leandro Grass, afirmou em nota que "o governo tem demonstrado que desconsidera completamente a participação social", e acrescentou que "neste caso das escolas militarizadas, mais uma vez, agiu sem ouvir o Conselho de Educação e sem observar a Lei de Gestão Democrática. Este tema deve ser amplamente debatido com a sociedade. Não é por força de uma portaria, sem escutar as representações democráticas, que se institui um modelo como este".
A Secretaria de Segurança do DF afirmou que não haverá nenhum tipo de ingerência a metodologia de ensino que os professores já adotavam. Para isso, Mauro Oliveira cita dois exemplos que presenciou nas reuniões:
“Haverá, para os professores, treinamento para saber se os alunos cantam o hino nacional afastados uns dos outros com um metro e meio ou um metro e vinte? Não faz sentido esse tipo de questionamento. Essa disposição de como os estudantes vão se acomodar para cantar o hino nacional, por exemplo, será responsabilidade dos militares. Da mesma forma que, se um professor quiser dar aula debaixo de uma árvore, não precisa pedir permissão para ninguém”.
“Durante uma reunião, um professor mais jovem, cheio de tatuagens e piercings, me perguntou se ele iria poder continuar dando usando seu brinco. Eu disse: “olha, as suas tatuagens fazem parte do senhor, assim como o seu brinco, e não há nenhuma intenção aqui em fazer com o que você deixe de ser você”.