Alguns dizem que a maconha é porta de entrada para outras drogas, outros afirmam que ela só é porta de entrada se for da geladeira (por causa da fome que provoca). Uns afirmam que ela emburrece o usuário; outros, que amplia a criatividade. Ambos os lados têm opiniões prontas, e no meio desse debate, muitas vezes superficial, estão os adolescentes – cheios de dúvidas e da curiosidade própria da idade. Com o objetivo de reunir os vários lados das polêmicas sobre o consumo da maconha e de outras drogas, o psicólogo Raphael Mestres e o assistente social Marco Afornali lançaram no fim de novembro o livro Não dá nada. A publicação traz elementos para pais e professores que querem conversar abertamente sobre o tema com os jovens. Responsável por um trabalho de prevenção às drogas em escolas particulares de Curitiba, Mestres conversou com a Gazeta do Povo sobre a obra.
Como surgiu a ideia de escrever esse livro?
Meu trabalho hoje é com prevenção ao uso de drogas em escolas particulares de Curitiba, com alunos, principalmente, de 13 a 15 anos. Em conversas com os estudantes, eles acabaram levantando esses temas polêmicos, com perguntas sobre o que ouvem falar a respeito da legalização da maconha, da associação da maconha com a criatividade, da comparação da maconha com álcool e cigarro. Eu fui pego várias vezes de calça curta, com perguntas ligadas a temas sobre os quais eu não tinha esclarecimento. Daí veio um processo de reflexão, de buscar informações. Tenho 27 anos e na época da escola ouvi discursos muito conservadores em relação às drogas. Sempre tive a impressão de que esses discursos não convencem muito.
Vocês dizem no livro que o que mais se observa no trabalho de prevenção com adolescentes é o crescente número de jovens com atitudes positivas diante da maconha. Dizem que maconha não vicia e que faz menos mal do que o cigarro. O que existe de verdade e de mentira nessas afirmações?
Quando eu pergunto nas escolas “quem acha que cocaína vicia?”, a maioria levanta a mão. Eu conheço gente que não se viciou. A filha de conhecidos meus usou crack por um mês e parou quando a família descobriu, ela não chegou a desenvolver dependência química. Isso depende de mais fatores do que só da droga. Na época em que eu trabalhava com tratamento, fiz visitas a clínicas de reabilitação e o que me chamou a atenção é que havia dependentes de todas as drogas, de maconha, de álcool, de crack. A maioria dos pacientes relata ter experimentado várias drogas.
Quais são os outros fatores ligados à dependência das drogas?
O desenvolvimento da dependência está relacionado a cinco componentes: familiar, psicológico, biológico, espiritual e social. O biológico tem a ver com a tolerância do corpo à droga. Na primeira experiência com a droga, o corpo pode se dar bem com ela ou rejeitá-la. Algumas pessoas, por exemplo, usam maconha e passam mal.
O componente familiar é muito importante para o desenvolvimento da dependência, que pode ocorrer quando há ausência de autoridade, de limites para as transgressões do adolescente. O componente social tem a ver com meio que o jovem frequenta, com os amigos: é muito mais provável que ele resolva experimentar a droga se o amigo está usando. Já o elemento psicológico está relacionado à maturidade psicológica, à capacidade de pensar a longo prazo, e o componente espiritual tem a ver com a percepção de sentido para a vida. É muito menor a experimentação de drogas e a repetição do uso entre jovens que têm relação com a espiritualidade.
É comum também a crença de que o uso da maconha amplia a criatividade, traz inspiração...
Essa é uma questão muito polêmica, há artistas que usam maconha e dizem que ela ajuda. Há uma máxima que diz que “o gênio é 99% transpiração e 1% inspiração”. A capacidade de se inspirar está no indivíduo, que pode se inspirar com os efeitos de uma droga ou com qualquer outra coisa. Dizem que Salvador Dalí se inspirava com sonhos que tinha à noite após comer muito. Nenhuma droga fornece poder criativo a alguém, senão, com o número de usuários que temos, teríamos uma multidão de artistas.
O adolescente é mais suscetível ao uso de drogas? Por que isso ocorre?
Tem um conceito que é a “regressão da idade mental”. O dependente vai regredindo mentalmente e volta à adolescência. Isso ocorre com usuários de 40 anos que dependem dos pais e não trabalham nem estudam, pela imaturidade que a dependência gera. Quando converso com pais e professores, pergunto: “se algum colega de vocês começar a usar maconha hoje, ele será admirado de alguma forma?”. Todos dizem que não. Com o adolescente isso não acontece. O uso de drogas é uma transgressão, algo fora do comum, tem esse aspecto de atração para o jovem. Mas o que acontece com o adolescente que usa drogas? Ele começa a faltar às aulas, seu desempenho cai. Ele se destaca entre os colegas, mas fica parado nessa fase, não continua se desenvolvendo como os outros.