Aproximadamente 40 doutores surdos pesquisadores das áreas de Educação e Linguística protocolaram uma carta (leia no fim da matéria) no Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira (10), solicitando a não derrubada da Política Nacional de Educação Especial (PNEE). No início de dezembro, Dias Toffoli deferiu a suspensão da política, em caráter liminar. O julgamento da constitucionalidade da PNEE teve início no STF nesta sexta-feira (11). A votação no plenário virtual ficará aberta até a próxima sexta (18).
"Sabemos que, de fato, não há segregação alguma em se estudar em escolas bilíngues de surdos se é neste espaço que há ganhos reais ao desenvolvimento que potencializam os sujeitos. O fato de os alunos Surdos e Surdocegos estudarem em Escolas Bilíngues de Surdos onde são considerados e aceitos como uma minoria linguística, não significa segregar, mas acolher, incluir, respeitar o direito de alguém ser humano na língua de sua comunidade linguística", afirmam, no documento.
Enquanto para Toffoli, que tem um irmão com Síndrome de Down, a política "contraria o modelo de educação inclusiva, ao deixar de dar absoluta prioridade à matrícula desses educandos na rede regular de ensino", os doutores surdos que assinam a carta defendem que classes bilíngues - como, pela primeira vez, defende uma política do MEC - são os melhores espaços institucionais para a aprendizagem e a inclusão curricular.
Um dos dilemas denunciados por pessoas com deficiência é o fato de que, no debate público, representantes de determinadas comunidades insistem em falar em nome de outras, como representantes dos alunos com espectro autista que querem falar em nome da comunidade surda.
Na prática, cada grupo tem singularidades e demanda diferentes adaptações. Para a maior parte dos alunos com deficiência, a inclusão em escolas regulares é, sim, a melhor opção. Mas parcela significativa não se beneficia da inclusão. Isso é, estudantes cuja deficiência é de grau moderado a severo não apenas não se beneficiam do espaço, mas tendem a serem prejudicados no sentido cognitivo.
"Séculos se passaram e as Comunidades Surdas de todo o mundo, alinhadas à Federação Mundial de Surdos (WFD), precisam repetir e demonstrar os mesmos discursos para requerer não apenas um direito a ser garantido, mas o dever do Estado em garantir o direito humano fundamental de se fazer cidadão na língua de suas comunidades", salientam
Em sua decisão, tomada no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6590, de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Toffoli também argumenta que a nova PNEE teria o objetivo de "discriminar e segregar alunos com deficiência". Os surdos que assinam o documento negam que haja segregação e criticam a posição do ministro.
"Dói-nos verificar que esses espaços de aquisição linguística e convivência mútua entre os pares sinalizantes da Língua de Sinais têm sido rotulados de espaços e ambientes “segregacionistas”, quando se verifica que a elite brasileira pode ter acesso às escolas bilíngues em língua estrangeira no Brasil, tendo o português como segunda língua. Um contrassenso se considerarmos que esse direito é praticamente negado, quando se eleva a dificuldade de acesso, aos estudantes Surdos que se valem de uma língua nativa (Língua Brasileira de Sinais), constituída ao longo de gerações em solo brasileiro e que, inexplicavelmente, ainda não reconhecida com língua oficial brasileira".
Carta aberta ao STF.
Eles acrescentam que "escola segregacionista e segregadora é aquela que impõe aos alunos Surdos e Surdocegos a obrigatoriedade de aprender junto aos demais alunos não-surdos, negando as mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento, ao currículo e a Língua Portuguesa falada".
O que é a nova Política de Educação Especial
O que o MEC pretende, com a nova política, é oferecer flexibilidade para a criação de alternativas educacionais além das que já existem aos alunos que necessitem - o que hoje não ocorre e, inclusive, é desaconselhado. O governo propõe um olhar individualizado e a promoção de práticas interventivas para que a pessoa com deficiência tenha ganhos em todas as áreas do desenvolvimento humano.
A PNEE apresenta duas principais mudanças: permite às famílias a escolha de onde desejam matricular alunos com deficiência - se em escolas regulares, especializadas ou instituições bilíngue - e dá maior flexibilidade aos sistemas de ensino. As escolas, pelo decreto, podem ofertar alternativas como classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos.
Em debate acalorado - muitas vezes tendo como pano de fundo razões político-partidárias e não evidências científicas -, especialistas e famílias se dividem com relação aos efeitos da inclusão total na educação. Há quem acredite que a inclusão, embora seja o modelo mais aceito socialmente, não permite a alunos com deficiência ambientes favoráveis para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Essa corrente defende que estudantes precisam estar em escolas que trabalhem em função das suas singularidades.
A nova PNEE continua a dar preferência à modalidade de educação escolar oferecida na rede regular de ensino a estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Também está em vigor o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 55, sobre a obrigação que pais têm de matricular filhos na rede regular de ensino. O MEC também se comprometeu a reforçar medidas para que escolas não proíbam matrícula de alunos.
O ideal de ter "todas as pessoas incluídas", com prevalência para a rede regular, permanece sendo um direito inquestionável e absoluto, amparado pela Constituição, em seu artigo 208: "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de […] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino".
Leia a íntegra da carta:
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