Nos debates sobre ensino domiciliar, há uma parcela dos que se opõem à legalização que merecem receber mais atenção por parte dos defensores da modalidade, não por estarem certos – não estão –, mas sim porque o fundamento de sua posição é, de fato, nobre, embora a falta de informação sobre a realidade do homeschooling os leve a conclusões equivocada. Essas pessoas normalmente são vinculadas a ações sociais em comunidades carentes e, ao ouvir falar de crianças que não vão à escola diariamente, só conseguem pensar no pior. Para quem pratica ou estuda o ensino domiciliar, a fragilidade desse raciocínio é evidente, mas, para quem nada sabe sobre a modalidade, e é acostumado a lidar com aquilo de pior que a miséria gera, a tragédia tende a ser uma previsão automática ao reduzirem o assunto na sentença “criança fora da escola”.
Tais críticos, cujo espírito de caridade é admirável, estão certos ao apontar que a escola tradicional, apesar de todos os seus defeitos, continua sendo uma instituição indispensável para muitas crianças que vivem em permanente estado de vulnerabilidade social. Com essa afirmação, ninguém está colocando em dúvida o valor da família em relação ao Estado, mas apenas lidando com o triste fato de que, em muitas comunidades brasileiras, crianças convivem com pais, parentes e vizinhos que lhes fazem mais mal do que bem. Estamos falando sobre consumo de drogas, falta de condições mínimas de higiene, violência doméstica, sexo explícito e todo tipo de abuso.
Essas mesmas pessoas, contudo, erram de várias maneiras, e terrivelmente, ao achar que se opondo a uma lei que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil estariam combatendo esse tipo de problema. O equívoco mais notório é o de generalizar, equiparando famílias de perfis e realidades completamente diferentes. Com isso, igualam cruelmente – às vezes criminosamente – os pais zelosos e capazes com os negligentes e violentos. Por consequência, caem no segundo erro, que é o de achar que a escola – qualquer escola – sempre é um ambiente mais seguro e melhor para ensinar do que a família – qualquer família. São incontáveis os exemplos concretos que expõem o quão longe da verdade está essa tese, se for tomada como absoluta.
Há, no entanto, um erro de consequências ainda mais nocivas nessa linha de pensamento. Ao rejeitarem uma lei do homeschooling, esses opositores parecem partir da ideia de que a lei é que fará existir no Brasil famílias praticantes de ensino domiciliar. No entanto, elas já existem e aos milhares. Mesmo que as estimativas disponíveis apontem para algo em torno de sete mil famílias, o número real tende a ser muito maior.
Hoje, sem lei, o ensino domiciliar já é realidade no Brasil e continuará sendo, pois estamos falando daquilo que há de mais importante na vida desses pais e mães corajosos e dedicados: seus filhos. Eles sacrificam um salário maior, empenham horas preparando atividades e aceitam correr o risco de gastar tempo e dinheiro explicando à Justiça o que fazem. Estamos falando de pais e mães muito determinados, que morreriam por seus filhos sem pensar duas vezes. Não será uma imposição burocrática e desprovida de razoabilidade que os fará prevaricar.
Portanto, ao decidir se votam contra ou a favor de uma lei para o ensino domiciliar, os parlamentares, na verdade, estão decidindo se essas famílias passarão a ter acompanhamento do Estado ou não. Hoje, a ausência de lei faz com que aquelas que têm condições de oferecer um ambiente melhor e uma educação mais personalizada às suas crianças sejam colocadas na mesma conta de evasão escolar daquelas que, lamentavelmente, não estão minimamente preocupadas com o desenvolvimento ou a segurança de seus filhos. Com lei, essa distinção ficaria clara.
Convém ainda destacar que várias das propostas sobre homeschooling em tramitação, no Congresso Nacional e nas casas legislativas locais, trazem consigo uma série de dispositivos que pretendem adequadamente restringir a modalidade somente para pais “ficha limpa”, ou seja, que não respondam por nenhum dos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Maria da Penha, por exemplo.
Portanto, a preocupação com os mais vulneráveis justifica, sim, uma lei do homeschooling criteriosa, até exigente, que garanta o bem-estar das crianças e adolescentes que mais necessitam de cuidado, mas não justifica de forma alguma o rechaço total à existência de uma lei. Esse, aliás, é o comportamento que perpetuará a omissão do Estado em identificar e punir de forma mais eficaz quem realmente comete abandono intelectual.
*Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com.