Com a expansão da educação básica e o percentual de crianças na escola acima de 99%, o desafio é assegurar que estudantes tenham acesso aos mesmos padrões de qualidade de ensino. Levantamento feito pelo Nupede (Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), porém, mostra que fatores como classe, raça e gênero afetam desempenho e acesso a diferentes padrões de qualidade na educação básica.
A pesquisa, feita com base nas edições da Prova Brasil entre 2007 e 2013, apontou que apesar de 99,2% das crianças estarem matriculadas no ensino fundamental, o número de jovens pobres matriculados no ensino médio era de apenas 39%.
Ainda de acordo com o estudo, isso ocorre devido à chamada exclusão intraescolar, “uma forma de negação do direito educacional, o qual deveria ser garantido a todos os alunos”.
A qualidade de ensino é desigual entre grupos raciais: no período analisado, estudantes autodeclarados pretos melhoraram o desempenho e agora se aproximam dos pardos, mas ambos os grupos ainda têm resultados inferiores ao dos alunos brancos.
A desigualdade também atinge gêneros: apesar de melhoria das habilidades de leitura entre estudantes do ensino fundamental, as diferenças de desempenho entre meninas e meninos aumentaram – meninos apresentam médias menores, segundo o estudo. Essa lacuna no ensino pode influenciar não apenas a qualidade da aprendizagem, mas também sua trajetória profissional.
“O número maior de homens que têm desempenho perto da base da pirâmide de distribuição em leitura e escrita também possui implicações nas políticas. Parece mais provável que indivíduos com baixo desenvolvimento de letramento tenham mais dificuldade para conseguir emprego em uma economia cada vez mais guiada pela informação. Alguma intervenção deve ser feita para permitir que eles participem de modo construtivo”, afirmam os pesquisadores da Universidade de Chicago, Larry V. Hedges e Amy Nowell, em estudo publicado na revista científica Issue.
“Existe uma desigualdade entre o número de candidatos homens e mulheres que, seguindo a tendência atual, pode encobrir a desigualdade entre ricos e pobres em menos de uma década”, constatou recentemente Mary Curnock Cook, presidente do serviço de admissão das universidades britânicas (Ucas), ao jornal The Telegraph.
“Os homens jovens estão se tornando um grupo em desvantagem em termos de acesso a universidades, e esse baixo desempenho precisa de um foco urgente no setor de educação”, completa.
Investimento na educação infantil deveria ser a parte mais importante de um programa educacional. Você concorda? ð¤Via Ideias
Publicado por Gazeta do Povo em Quinta-feira, 2 de novembro de 2017
As desigualdades de desempenho podem ser explicadas por disparidades na qualidade da educação ofertada pelas escolas brasileiras.
“Na educação, não podemos falar que a qualidade é homogênea. Temos diferentes instituições, de diferentes regiões, com diferentes famílias mandando crianças para as escolas”, diz Verônica Branco, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Não é possível comparar uma escola de um bairro periférico com uma de um bairro de elite. Não são os mesmos estímulos para as crianças por parte de suas famílias. E para aprender, crianças precisam ter um ambiente estimulante”, completa.
Diferenças na qualidade de ensino básico resultam em desníveis de acesso às demais fases de ensino: o menor número de matrículas no ensino médio, quando comparado à fase anterior, e índice de evasão escolar, são ocasionados pela baixa aprendizagem no ensino fundamental.
“A escola, em partes, determina a caminhada que a pessoa tem para o resto da vida. Em uma escola onde as crianças aprendem pouco, elas se sentem desestimuladas e não seguem em frente. Temos uma desistência muito grande dos jovens no ensino médio”, aponta Verônica. “A criança já está comprometida na base e não tem estímulo para ficar na escola. Se ela se sobressair, podemos pensar que é uma exceção”, segue.
As discrepâncias de acesso à educação, sobretudo no que se refere à qualidade de ensino, podem trazer consequências para o futuro profissional e qualidade de vida dos estudantes.
“As pessoas que não têm esse acesso à educação de qualidade têm uma dificuldade maior para ter acesso ao mundo digital e hoje isso é fundamental. Elas ficarão em um mercado de trabalho com os considerados subempregos ou fora do mercado formal. Elas não terão igualdade de competição em um concurso público ou em uma universidade”, diz Luciano Blasius, doutor em Educação e professor da Universidade Positivo.
Desigualdades de qualidade da educação nas escolas brasileiras persistem apesar da padronização do currículo escolar. Uma explicação para isso, segundo Verônica Branco, são as diferenças na formação dos professores – com qualificação inferior, docentes não conseguem ensinar os conteúdos curriculares da melhor forma para os alunos.
“É claro que o currículo é um só para todos. Mas o desempenho dos professores não é igual, temos profissionais que tiveram melhor ou pior formação. E também isso interfere no conjunto”, destaca Verônica. “A melhoria da qualidade da educação passa também pela melhor formação do professor”, completa.
O modelo de financiamento das escolas brasileiras é um fator para a desigualdade na qualidade da educação. Segundo Verônica Branco, não há uniformidade nos investimentos nas escolas.
“Como escolas são diferentes, as que têm menor desempenho deveriam ter mais estímulos e mais recursos para poder vencer as dificuldades. Dar assistência por igual às escolas é um principio democrático que está mais do que condenado, já que acaba reforçando a desigualdade já existente”, analisa.
Para remediar esse quadro, além de mudanças no modelo de ensino e gestão escolar, Blasius aponta a necessidade de políticas específicas para o acesso dos estudantes às escolas, sobretudo em áreas menos atendidas por escolas públicas.
“Creio em políticas públicas efetivas de acesso pleno à educação, no sentido básico, desde questões de transporte: há crianças que percorrem em torno de 10 km diários a pé para poder pegar um ônibus para ir à aula”, defende Luciano. “São questões básicas que o poder público precisa equacionar, criando políticas públicas específicas para situações específicas”, conclui.
Estima-se que apenas 16% dos profissionais de educação no Brasil tenham alto nÃvel de alfabetismo, de acordo com o Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa.#GazetadoPovo via #Educação
Publicado por Gazeta do Povo em Quinta-feira, 19 de outubro de 2017
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