Em 2009, quando teve início um dos primeiros cursos de pós-graduação em educação bilíngue do Brasil, 10 alunos se matricularam. A última turma, iniciada em 2016, recebeu 50 estudantes. O crescimento de 500% em menos de 10 anos reflete o aumento na demanda pelo ensino bilíngue no País. Cresce também o número de escolas que adotam esse tipo de prática - até instituições que antes eram regulares vêm se transformando em bilíngues para atender à crescente procura por esse ensino multilíngue. Mas será que vale à pena colocar os filhos para aprender outro idioma desde o início da vida estudantil?
Para a coordenadora do curso de pós-graduação em Educação Bilíngue do Instituto Singularidades, Antonieta Megale, o aumento da procura pelas escolas bilíngues se deve, entre outros fatores, à necessidade de uma segunda língua para a mobilidade dos sujeitos no mundo e ao encurtamento das distâncias proporcionado principalmente pela tecnologia. Ela ressalta, entretanto, que a proposta desse tipo de escola geralmente vai além da fluência em dois idiomas. “A escola bilíngue não existe apenas para ensinar a língua inglesa – ou a língua-alvo. Ela também tem uma proposta de formação do sujeito, que pode, em alguns momentos, ser diferente das escolas regulares, como, por exemplo, a formação de um sujeito sensível às diferenças interculturais”, destaca.
Segundo ela, a dúvida às vezes levantada de que a inserção no contexto bilíngue possa prejudicar a alfabetização não se sustenta, pois os conhecimentos aprendidos em uma determinada língua são transferidos para a outra. “Na verdade, o que temos visto é o contrário. As pesquisas mostram que as crianças que desde cedo têm contato com duas línguas têm algumas vantagens no que diz respeito à consciência metalinguística e à compreensão do que chamamos de arbitrariedade dos signos”, explica Antonieta.
Uma pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) concluiu que a criança inserida em contexto bilíngue pode apresentar vantagens em alguns aspectos do desenvolvimento cognitivo. Mas o estudo, realizado pela pesquisadora Elizabeth Flory, ressalta que “o que se constata em pesquisas (relacionadas ao bilinguismo) é uma aceleração do desenvolvimento, o que não significa que ele não acontecerá em outros contextos”. De acordo com a pesquisa, é importante que vários fatores sejam considerados, como tempo e frequência em que a criança é exposta à língua, a qualidade das interações bilíngues, o significado das línguas e das culturas na vida da criança e a valorização afetiva atribuída a cada uma delas.
Qual a idade certa?
Para o professor Gilberto Chauvet, do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB), o tempo de exposição à língua realmente é importante, bem como a forma em que se dá o aprendizado. “O que faz a criança aprender na língua nativa é que ela primeiro ouve, passa um tempão apenas ouvindo. É importante que o aprendizado na segunda língua seja assim também. Primeiro, ouve. Depois, fala. Depois, escreve. É o processo natural”, defende.
Nesse sentido, quanto antes a criança estiver inserida no contexto bilíngue, maior será sua exposição ao idioma estrangeiro. Com esse argumento, as escolas têm recebido alunos cada vez mais cedo. Existem até berçários bilíngues no Brasil, para bebês a partir de três meses.
Uma das maiores redes de ensino bilíngue presentes no país, a escola Maple Bear possui currículo para crianças a partir de um ano, assim como a Aubrick. “Não existe idade ideal. Quanto mais cedo a criança for exposta ao segundo idioma, melhor, porque permite o domínio completo da língua”, confirma a pedagoga e psicopedagoga, Erica Carvalho, que é coordenadora da educação infantil de uma escola bilíngue em Goiás.
Independentemente da idade em que a criança entra na escola, é importante que a vivência do segundo idioma se dê de forma lúdica e integrada ao aprendizado dos demais conteúdos. Na educação bilíngue, mais do que aprender uma segunda língua, os alunos devem aprender por meio dessa segunda língua. “O cérebro da criança está fresquinho, então, o que for bem feito vai ficar marcado, mas o que for mal feito, também”, alerta o professor Chauvet.
Vale a pena?
Para o pesquisador Marcello Marcelino, no artigo Bilinguismo no Brasil: significado e expectativas, a escola bilíngue deve ser vista como o desenvolvimento natural das escolas modernas. “A escola bilíngue deveria ser a nova concepção de escola, a partir de um mundo mais globalizado, o lugar onde a troca de conhecimento e rompimento de fronteiras ocorre”, escreve.
Contudo, é preciso ressaltar que esse modelo considerado pelo pesquisador como uma evolução da escola tradicional ainda é acessível a uma parcela bastante reduzida da população, pois essas instituições possuem mensalidades em torno de R$ 2 mil, nas mais baratas, e podem chegar a passar dos R$ 7 mil, além de taxas extras como de alimentação ou atividades de extensão. “Os pais devem levar em consideração o custo-benefício, pois, no mesmo espaço e tempo, a criança já tem uma proposta de ensino completa”, justifica Erica.
A coordenadora ressalta ainda que os pais devem acompanhar de perto a adaptação e o desenvolvimento do aluno na escola escolhida. “Toda criança, em qualquer proposta de ensino, deve ser acompanhada tanto pela escola quanto pela família. Deve ser levado em consideração não somente o aspecto cognitivo, se ela está aprendendo, como também o aspecto emocional, se ela está feliz naquela escola. O encantamento por aprender é fundamental”.
Diferentes tipos e métodos
Para a professora Antonieta, também é importante que, antes de decidirem pela escola dos filhos, os pais avaliem se a proposta da instituição atende aos anseios familiares. “Como qualquer escola, bilíngue ou não, tem que refletir um pouco dos posicionamentos e valores que a família tem, aquilo em que a família acredita”. Ela ressalta ainda que, como muitas escolas bilíngues trabalham com período estendido, os pais devem avaliar se desejam que as crianças passem a maior parte do seu dia na escola e não apenas um turno como ocorre na maioria das escolas regulares.
Como não há legislação específica para as escolas bilíngues de idiomas estrangeiros (há para as de Libras e línguas indígenas), elas têm liberdade para organizar o currículo dos estudantes, desde que cumpridas as exigências mínimas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Em geral, as chamadas escolas bilíngues cumprem apenas o currículo brasileiro, e as denominadas escolas internacionais, normalmente, além do currículo brasileiro, cumprem o currículo do país de origem, o que permite que o estudante valide o diploma fora do Brasil e facilita o ingresso em uma universidade estrangeira.
É interessante observar também que algumas escolas tradicionalmente regulares têm se transformado em escolas bilíngues, seja adotando um método terceirizado, seja desenvolvendo sua própria metodologia. Já existem inúmeros métodos terceirizados no Brasil que prometem transformar qualquer escola em uma instituição bilíngue. Por isso, é importante que os pais saibam qual a metodologia utilizada pela escola e pesquisem sobre ela antes de matricular seus filhos.