A palavra mais em voga no Brasil de alguns anos para cá é, sem dúvida, crise. Crise política, crise econômica, crise fiscal, crise previdenciária, crise das instituições, até crise moral. Nessa espiral de crises sem fim, toda a agenda nacional parece estar reduzida, restrita a buscar soluções para sairmos o mais rápido possível do buraco ou, ao menos, pararmos de cair.
Nesse sentido, medidas que contribuam diretamente para a recuperação são privilegiadas, enquanto medidas que não possuam capacidade imediata de impacto (especialmente econômico) são deixadas em segundo plano. Embora seja inegável a necessidade de atacar com urgência os problemas do cenário atual, não se pode deixar que esse imediatismo implique o sacrifício do desenvolvimento futuro. Um exemplo disso pode ser encontrado nas áreas de educação, ciência e tecnologia.
Em prol de uma agenda imediatista para tapar os buracos da economia, o governo – ou o que restou dele em meio à crise política em que está chafurdado – tem cortado verbas da educação (especialmente superior) e da ciência. As reduções são justificadas pela necessidade de ajustar as contas do governo. Mas é preciso avaliar as consequências dessas escolhas.
Paradoxo
Educação, ciência e tecnologia possuem um paradoxo comum: se, por um lado, estas são áreas onde é importante realizar investimentos no médio e longo prazos para obter os melhores retornos, por outro lado não se pode sacrificar o presente em prol das gerações futuras. Ou seja: nessas áreas, é preciso combinar uma dose de urgência com planejamento estratégico e estável.
O primeiro elemento está, como dito acima, excessivamente presente na agenda nacional, embora seja usado como desculpa para não se investir em educação, ciência e tecnologia. O segundo é precisamente o que está impossibilitado pelo cenário de crise: não importa onde se olha, não se vê estabilidade. Como, então, executar planos de investimento para os próximos anos quando mal sabemos ao certo se este governo chegará ao fim do mandato ou se seremos surpreendidos por (mais) denúncias de corrupção? – isso só para ficar em um exemplo.
As crises agravam a instabilidade e o imediatismo, mas há outro fator que contribui para o descalabro da educação e da ciência brasileiras: a falta de tradição em dar continuidade a políticas públicas. Numa expressão: nossas políticas de governo muito raramente se transformam em políticas de Estado. Nesse momento de virtual falência das instituições políticas do Brasil, está montada a tempestade perfeita para o descalabro da educação e da ciência no nosso país: imediatismo excessivo, instabilidade e falta de planejamento estratégico de médio e longo prazos.
A expansão irresponsável das universidades públicas, o investimento (na melhor das hipóteses) duvidoso que constituiu o Ciência sem Fronteiras, decisões erráticas e aplicações descontinuadas no financiamento científico foram erros ora agravados pelo panorama econômico brasileiro. Tomemos as últimas notícias sobre financiamento científico no Brasil.
CNPq
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vive um momento complicado, com orçamento comprometido. O orçamento anual do CNPq é constituído por duas fontes: o Tesouro Nacional e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). É verdade que o fundo poderia ter sido estruturado de maneira mais dinâmica, para proporcionar mais recursos ao CNPq, mas há outro fator importante a ser destacado: o CNPq assume compromissos que exigem mais do que o conselho é capaz de cobrir.
Há um problema de planejamento estratégico aqui, que torna o conselho refém de oscilações econômicas e eventuais reduções orçamentárias. A expansão (novamente, necessária) do financiamento de pesquisas científicas durante a explosão das commodities que beneficiou o Brasil na primeira década deste século chegou a tal ponto que o conselho não consegue mais bancar.
Como contraexemplo, temos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A Fapesp foi continuamente criticada pelo governador Geraldo Alckmin por não empenhar a totalidade de seu orçamento anual em bolsas de pesquisa, mas a fundação continuou sua postura de planejamento financeiro e, com isso, tem sido capaz de manter seus compromissos contratuais com bolsistas e instituições.
A lição a tirar desse cenário de crise é que a habilidade de planejar o futuro e ter estratégias de contingenciamento é essencial para garantir independência institucional e a estabilidade necessária para investimentos de médio e longo prazos, que cumprem um papel imprescindível no desenvolvimento nacional. Isso obviamente não exime o governo, cujos cortes prioritários refletem o desprezo pela educação, ciência e tecnologia em defesa dos privilégios seculares das castas políticas e do alto funcionalismo público. No entanto, é importante mostrar como a ausência de uma cultura de planejamento contribui para o descalabro da educação no Brasil.
Rafael Barros de Oliveira é Mestrando em Filosofia pela USP e colunista do Terraço Econômico
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