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Confira alguns trechos da obra que geraram polêmica |
Confira alguns trechos da obra que geraram polêmica| Foto:

Literatura

Outros livros já foram alvo de reprovação

Em 2008, um material de reforço distribuído para alunos da rede paulista foi criticado por professores por trazer obras do pintor Jean-Baptiste Debret sobre a escravidão no Brasil sem contextualização. As figuras mostravam negros em situações de passividade.

No ano seguinte, também em São Paulo, foi ordenada a revisão de 800 livros do Programa Ler e Escrever. Alguns foram tidos como inadequados para alunos do ensino fundamental – um deles tinha referências à facção criminosa Primeiro Comando da Capital.

No Paraná, em 2009, o vereador Jair Brugnago (PSDB) pediu para retirar das escolas da cidade todos os exemplares de dois livros: Amor à Brasileira, compilação de contos de diversos escritores, entre eles, Dalton Trevisan, e Um Contrato com Deus, de Will Eisner.

Em 2008, a Associação de Preservação da Cultura Cigana entrou com uma ação na 3ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba contra a Secretaria de Estado da Educação (Seed), para pedir a retirada das bibliotecas de rede estadual de educação da obra O Caboclo e a Cigana, de Assis Brasil. De acordo com o presidente da Associação, Cláudio Iovanovitchi, há trechos no livro que a comunidade cigana julga pejorativa e que ajudam a reforçar mitos e crenças errôneas. Dois trechos citados por ele são: "a cidade vivia infestada por um bando de ciganos" e "crianças ciganas aprendiam a roubar antes de nascer os dentes".

Neste ano, pais de alunos e professores da rede estadual de ensino reagiram contra a distribuição, a alunos de 16 e 17 anos, de um livro de contos com um texto erótico do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que faz parte do livro Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Em Santa Catarina, o livro Aventuras Provisórias, de Cristóvão Tezza, teve sua leitura censurada para alunos de 15 a 18 anos, por conter sexo e palavrões.

(IR, com agências)

Acervo

Conheça algumas obras de Monteiro Lobato. As cinco primeiras são para o público infantil e as duas últimas destinadas ao público adulto:

- O Saci (1921)

- As Reinações de Narizinho (1931)

- Caçadas de Pedrinho (1933)

- Emília no país da gramática (1934)

- O Picapau Amarelo (1939)

- Urupês (1918)

- Cidades Mortas (1919)

A probabilidade de o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, um dos maiores autores da literatura infantil, ser barrado em escolas públicas desagrada a maior parte dos especialistas em educação ouvidos pela Gazeta do Povo. Para eles, trechos que eventualmente podem ser considerados preconceituosos devem ser usados para incitar discussão sobre o tema em sala de aula. Na semana passada, o Conselho Nacional de Educação (CNE), após aprovação unânime pela Câmara de Educação Básica, alegou que a obra é racista.

A discussão sobre o assunto começou após o servidor da Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal, Antônio Gomes da Costa Neto, fazer uma denúncia contra o uso do livro à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A pasta encaminhou a crítica ao conselho, que deu parecer contrário à obra. O argumento foi o de que o livro está em desacordo com a legislação e que deveria deixar de ser colocado como leitura obrigatória aos estudantes, ou, ainda, que a leitura tenha explicações posteriores sobre seu conteúdo. O livro já foi distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) a colégios de ensino fundamental pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE).

Para entrar em vigor, o parecer precisa ser homologado pelo ministro da educação, Fernando Haddad, mas o indicativo é de que a proibição não se concretize. O ministro declarou que vai ouvir opiniões de acadêmicos e educadores sobre o parecer do conselho.

Críticas

Segundo a professora do mestrado em psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, Denise de Camargo, que tem como tese de doutoramento em Psicologia Social pela PUC/SP o tema As emoções no processo de aprendizagem, nenhum tipo de literatura deve ser censurada às crianças. Se­­gundo ela, os trechos que soam agressivos, principalmente à personagem Tia Nastácia, são um pretexto para que o assunto seja colocado em sala de aula e a leitura seja feita contextualizando a época (o livro é de 1933). Denise ressalta que são justamente os personagens polêmicos e complexos que conferem riqueza para os livros de Lobato. "O que é ruim para a criança é um discurso monológico e autoritário dentro da literatura infantil."

O professor de literatura brasileira da graduação e pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Venturelli acredita que impedir a circulação da obra nas escolas é "partir para uma censura, uma atitude de retrocesso. Venturelli pontua que obras como a de Monteiro Lobato trazem um confrontamento entre o século passado e a atualidade e servem como parâmetro para se analisar os avanços nas áreas de igualdade e direitos humanos no país. "São um termômetro para verificar se essa igualdade ocorre ou só ficou em um patamar convencional."

Aprovação

A socióloga e diretora do Instituto de Pesquisa de Afro-Descendência (Ipad), Marcilene Gardia de Souza, concorda com o parecer do CNE e enfatiza que os livros que reforçam o preconceito e a discriminação racial não devem circular nas escolas. "Vivemos em uma conjuntura em que o negro é colocado de forma pejorativa em muitos momentos. Se tivéssemos professores muito bem qualificados para abordar o conteúdo com olhar crítico quando o livro chega, seria interessante. Mas não é o que acontece."

A diretora do Ipad frisa que todos os materiais usados na escola necessitam de uma análise criteriosa antes de chegar à sala de aula. "Há décadas o movimento social negro tem reivindicado isso. Justamente porque muitos livros ainda reforçam estereótipos sobre as populações negras e negam a importância de processos históricos de resistência na formação do Brasil." Marcilene crê que ações como a do CNE influenciam outros autores a terem um olhar "mais atento sobre as diversidades existentes no país e compromisso na produção de suas obras."

O frei David Raimundo San­tos, diretor de educação da ONG Educafro, sugere que a obra de Monteiro Lobato tenha rodapés nas páginas onde existam menções racistas. Isso deve ocorrer, cita ele, em livros que não estejam em sintonia com "o pensar de hoje".

"Será que os trechos são realmente preconceituosos ou estamos falando de um texto literário, que deve ser lido sob a ótica da época em que foi escrito?", questiona o diretor-editorial da Editora Aymará (especializada em livros didáticos), Júlio Rocker Neto. Ele lembra que Lobato foi um autor que usava uma série de figuras de linguagem para dizer o que queria, o que pode levar a interpretações errôneas. "Se trata de uma obra literária. Vejo com desconforto uma eventual censura."

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