Nesses tempos em que os compromissos externos lotam cada vez mais a agenda dos pais, muito se fala sobre a importância da presença da família para o pleno desenvolvimento dos filhos. Além da disponibilidade de tempo, os especialistas são categóricos ao afirmar que educar as crianças em um clima que equilibre afeto e limites é fundamental para que os pequenos possam se desenvolver plenamente e, no futuro, se tornarem jovens seguros e capazes para atuar nas diversas esferas da vida social.
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Essa “educação presente” deve começar logo nos primeiros anos de vida da criança, incluindo a gestação, como explica o pediatra José Martins Filho, titular emérito de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Academia Brasileira de Pediatria.
Educar dá trabalho. Se os pais não estão tendo trabalho é porque não estão educando.
“A formação da personalidade e o desenvolvimento emocional tem muito a ver com esses primeiros anos. Em virtude da grande velocidade de reprodução dos neurônios e das novas sinapses cerebrais [nesta fase], qualquer falta de atenção, presença e cuidados aumentam a probabilidade [de a criança apresentar] dificuldades escolares, agressividade, angústia e ansiedade”, explica o pediatra.
Afeto
O afeto é um dos principais componentes para uma educação bem-sucedida. O fato de os pais estarem presentes acolhendo, brincando e mantendo a rotina de horários e cuidados com os pequenos (comida, troca de fralda, banho) fará com que a criança desenvolva o chamado “sentimento de pertinência”, a percepção de si mesmo (self), o que permitirá a ela, no futuro, se sentir relacionada à família e à escola. Tal fato, inclusive, pode ter reflexos sobre o processo de aprendizagem, como conta Ivan Capelatto, psicólogo clínico especialista em crianças e adolescentes e professor convidado do curso de Medicina da Família e da Comunidade da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
“Uma criança sem o sentimento de pertinência muitas vezes demonstra distúrbios de comportamento e/ou passa por mais de uma escola. A aprendizagem, que é uma espécie de entrega do sujeito a uma dinâmica fora dele, não irá acontecer de maneira adequada”, explica.
Tal afeto, no entanto, não deve ser direcionado apenas para o filho, mas compartilhado entre os pais e os irmãos, uma vez que as crianças se espelham nas relações dentro da família, como lembra Julia Manglano, diretora da Escola AeD e pós-graduada em Estimulação Infantil pela Escola Europeia de Educação.
Limites
Julia acrescenta, ainda, que a imposição de limites para os filhos é totalmente compatível com a afetividade. A diferença, segundo ela, está em fazer a criança respeitá-los não por medo (o que acaba não educando), mas porque percebe que aquilo é o melhor para ela.
“A criança que não tem limites fica insegura, não tem maturidade para decidir o que é melhor para ela, não desenvolve qualidades que ajudariam mais tarde, como foco, concentração, respeito e sinceridade”, diz. O contrário, segundo Capelatto, faz com que a criança construa o senso crítico suficiente para se cuidar, se sentir responsável e desenvolver a empatia.
Uma criança que joga o prato de comida longe pode ficar sem comer até a próxima refeição, ao invés dos pais lhe oferecerem uma guloseima algum tempo depois, por exemplo. As crianças nos ganham pelo cansaço. Então, a dica é trabalhar com poucas regras de cada vez.
Assim, é fundamental que os pais planejem o cuidado com os filhos e valorizem o tempo que podem estar com eles. “Fins de semana, por exemplo, têm que ser dedicados a passear, brincar e estar presente. Educar dá trabalho. Se os pais não estão tendo trabalho é porque não estão educando”, resume Martins Filho.
Saber lidar com as consequências
O sentimento de culpa ou a falta de paciência dos pais para com os filhos podem dificultar o estabelecimento de limites para as crianças. Isso ocorre porque, segundo Julia Manglano, diretora da Escola AeD, a imposição de regras envolve a aplicação de consequências ao seu descumprimento, o que nem sempre os pais estão dispostos a fazer.
“Uma criança que joga o prato de comida longe pode ficar sem comer até a próxima refeição, ao invés dos pais lhe oferecerem uma guloseima algum tempo depois, por exemplo. As crianças nos ganham pelo cansaço. Então, a dica é trabalhar com poucas regras de cada vez”, orienta.
A diretora acrescenta que os pais devem evitar consequências muito duras ou que eles não consigam ou não queiram cumprir, como dizer que a criança não terá festa de aniversário. Se o filho cumprir com as regras, por sua vez, o elogio é a forma adequada de se reforçar a atitude positiva com ele. “Aplicar uma consequência não impede os pais de darem um abraço cinco minutos depois na criança, de demonstrarem amor e afeto”, explica Julia.
Afeto como base da educação
O afeto é a base na qual a artesã Viviane Peijel e o agente de comércio exterior Durval Nascimento constroem a educação do filho João Miguel, de oito anos. Mesmo antes do nascimento do pequeno, o casal já planejava criar o filho em um ambiente de atenção e carinho.
“O João era nossa prioridade desde que estava na barriga. Meus pais sempre foram muito presentes e tenho ótimas lembranças da infância, então queria que ele tivesse isso também”, conta Viviane. Ela diz, ainda, que a personalidade carinhosa do filho ajudou a fazer com que o afeto se tornasse um hábito na família.
Isso não significa, no entanto, que o João Miguel tenha uma educação permissiva. Viviane conta que os limites fazem parte da rotina da família, seja em relação aos horários para dormir, estudar ou brincar, e que os pais estão sempre corrigindo as atitudes equivocadas do pequeno.
“Ele é nosso filho e o amamos acima de qualquer coisa, mas também vemos os erros dele. Temos que saber diferenciar as coisas, pensar que estamos criando um ser humano não só para nós, mas para a vida, e queremos que o João seja um ‘cara’ legal. Mesmo corrigindo-o, ele percebe que é por amor”, avalia Viviane.
Outro componente constante na educação do pequeno João Miguel é o tempo “gasto” em família. Durante a semana, como a prioridade é o estudo, o lazer fica por conta do jogo de videogame com o pai. Nos finais de semana, o roteiro é visitar os parques para andar de bicicleta e ter contato com a natureza. “Não é ‘propaganda de margarina’, pois somos cheios de defeitos como pais. Mas também somos muito presentes e prestativos um com o outro”, resume Viviane.
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