Entrevista
Ana Paula Viezzer Salvador, psicóloga, mestre em Educação, professora de Psicologia e doutoranda em Educação pela UFPR.
O termo criança rebelde é aceitável?
Crianças que costumam ser chamadas de pequenas tiranas ou de rebeldes são crianças com comportamento birrento. Elas não obedecem ou se opõem àquilo que é colocado pelos pais de forma muitas vezes agressiva. Esse comportamento não aparece de uma hora para a outra, começam sutis, mas vão sendo apresentadas com mais intensidade com o passar do tempo.
A rebeldia é mais comum em meninos?
O fator biológico não é determinante, mas contribui com o cultural. É comprovado que os problemas de comportamento têm índice muito maior em meninos que em meninas e vários autores discutem o porquê. Há uma tolerância maior em relação ao comportamento dos meninos, que são mais soltos, enquanto elas são desencorajadas a subir em muros, em árvores. O fato é que mais que o dobro de meninos é levado ao atendimento psicológico se comparado às meninas.
O que é passado aos pais que procuram o atendimento no núcleo em relação aos problemas de comportamento dos filhos?
Nós mostramos que é preciso regras claras e atenção aos comportamentos adequados que merecem ser valorizados com abraços e beijos e não só nos erros. Quanto mais forte e afetivo for o vínculo, mais fácil é a criança obedecer às regras e que é preciso se autoanalisar. Se a criança grita muito, pode ser que o modelo que os pais passam seja o de gritar muito. Na hora da correção, antes de ter uma atitude impensada, às vezes é melhor se retirar por um momento da situação, para que os pais ajam de forma educativa, e não por uma descarga emocional.
Crianças com transtornos mentais ou outros problemas que não foram diagnosticados costumam ser tidas como rebeldes?
Muitas vezes uma criança não obediente, agitada e com dificuldade de se concentrar já é colocada como hiperativa, mas pode ser uma falta de limite mesmo. Quando essa criança tem um controle maior do comportamento, ela consegue operar as atividades como qualquer outra. Mas é preciso que pais fiquem atentos e busquem o diagnóstico correto.
Um momento de silêncio é algo difícil de encontrar na casa da auxiliar administrativa Eliane Stall de Bona, 37 anos. Mãe de Ana Carolina, 11 anos, e Guilherme, 8 anos, ela conta que viveu durante anos com a frustração de ter filhos que brigavam o tempo todo. "Ele era quem mais provocava, mas ela também tinha o pavio curto, então era briga na certa", conta. Mas não era só em casa ou entre irmãos que a confusão imperava. Segundo Eliane, o comportamento rebelde de Guilherme pedia uma medida drástica. "Na escola, a professora dizia que, além de não fazer as atividades, ele distraia os colegas. Em casa, na hora de fazer a lição, ficava tão nervoso que chegava a quebrar os lápis", lembra.
Depois de tentar tudo o que havia ouvido sobre educar crianças, de castigos a recompensas, Eliane descobriu pelo jornal um acompanhamento psicológico, prestado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), que prometia orientar pais na educação dos filhos. Depois de oito semanas no atendimento em grupo, organizado pelo Núcleo de Análise do Comportamento (NAC), os resultados não demoraram a aparecer.
"Quando não há um apoio profissional, você sente que está falhando e não consegue lidar com a situação. Sempre tem algum parente ou conhecido sabe-tudo que fala para colocar de castigo, dar palmadas, fazer isto ou aquilo, o que só confunde", conta Eliane. "Nada se compara a um atendimento profissional, que ensina que conseguimos resolver os problemas com limites, mas que não dá para se esquecer do carinho e do amor", complementa.
A psicóloga e mestre em Educação Ana Paula Viezzer Salvador faz parte da equipe do NAC e explica que o grupo mencionado por Eliane é formado ao menos três vezes por ano, de acordo com a procura, e tem como principal objetivo orientar os pais no que diz respeito à educação da criança. "As queixas dos pais são as mais variadas e as que mais aparecem são a questão da não obediência dos filhos, a falta de limite, o desempenho na escola e até problemas alimentares", diz.
A tal da rebeldia, que causa tantas dores de cabeça às famílias, deve ser levada a sério e controlada o quanto antes. "Os pais precisam saber que pode não ser só uma fase, mas um comportamento inadequado que vai aumentando e sendo fortalecido se não for tomada uma atitude. Se ela [criança] reage agressivamente quando não quer fazer algo que está sendo proposto, ou porque foi proibido algo que quer fazer, e os pais cedem a esse comportamento, ela passa a emitir isso com mais frequência, pois assim sabe que consegue o domínio da situação", alerta.
Escola deve ajudar a controlar a rebeldia
Problemas de comportamento costumam se intensificar a partir do momento em que a criança entra na escola, onde aparecem novas regras e outras crianças para dividir a atenção dos adultos. Nesse momento, pais devem estar abertos para ouvir o que os educadores têm a dizer. "É comum os pais, ao sinal de problema, tomarem as dores do filho. Mas o ideal é procurar a escola, escutar o que aconteceu e se dispor a trabalhar em conjunto para melhorar a situação", afirma a psicopedagoga com especialização em Gestão Escolar Esther Cristina Pereira, diretora pedagógica da Escola Atuação.
Esther afirma que, em casos de alunos com qualquer tipo de problema disciplinar, é fundamental ter uma família parceira, que vá até a escola para conversar sempre que convidada. "A criança não nasce rebelde, mal-educada ou travessa. Ela vai fazendo a leitura do ambiente e dos adultos que a cercam, e então testa o que pode fazer. Por isso também é importante que família e escola trabalhem juntas", afirma a psicopedagoga.
Foi por essa proximidade com a escola que a administradora de empresas Georgiana Bassani, 36 anos, conseguiu domar a "ferinha" que tinha em casa. Inteligente e sempre muito ativo, Nicholas, 6 anos, passou a aprontar mais na convivência com os colegas da escola, há três anos. "O colégio me chamava para conversar porque o Nicholas estava muito indisciplinado. Fazia quatro atividades enquanto os outros faziam uma, respondia com agressividade quando frustrado e chegou a bater na barriga de uma professora que estava grávida", conta a mãe.
Georgiana recebeu a indicação de um psicólogo e há três anos Nicholas tem acompanhamento psicológico, com um profissional que está sempre em contato com a escola. "Explicamos ao Nicholas que ele receberia ajuda para aprender a respeitar as pessoas e para perceber que há outros caminhos para resolver as coisas, sem a violência", diz. Com a sapequice estampada no rosto, Nicholas fica mais comportado enquanto ganha maturidade. Aprendeu que deixa de fazer coisas que gosta, como ir à festa de aniversário do amigo, se não cumpre as regras de casa e da escola.
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Interatividade
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Serviço:
O atendimento do NAC tem duração de dois meses e é feito em encontros semanais. As inscrições podem ser feitas a partir de 28 de fevereiro. Mais informações no site www.nac.ufpr.br