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África

Em Angola, alunos levam suas cadeiras de casa

Sala de aula em Angola. Foto: Reprodução | Youtube. (Foto: )

Falta tudo nas escolas de Angola. Algumas salas de aula recebem até 120 alunos de uma só vez. Em outros lugares, os estudantes são amontoados em corredores, dentro de igrejas e capelas, ou sob árvores – neste caso, quando chove, as aulas são canceladas. Os livros didáticos são tão raros (porque o governo acumula dívidas com gráficas) que existe um mercado paralelo, ao qual só os pais com mais dinheiro têm acesso.

Mesmo nas escolas públicas e gratuitas, as crianças pagam taxas extras para comer. E muitas precisam levar suas próprias cadeiras de casa, se não quiserem assistir às aulas sentadas no chão. Também são forçadas a ajudar com as contas de água e luz, já que é comum que as escolas sofram cortes por falta de pagamento.

Muitos professores mandam seus alunos para casa por semanas, e eles só retornam para fazer as provas – há relatos de que as famílias podem comprar a aprovação, a um custo de aproximadamente US$ 100, enquanto que, em algumas cidades, uma vaga na escola pode custar, em propina, mais de US$ 350. Em resultado, os índices de alfabetização seguem muito baixos. Essa situação se mantém, com poucas alterações significativas, desde a independência do país, em 1975.

Apartheid na educação

Colônia portuguesa desde o século 15, Angola recebeu, ao longo desses anos, instituições de ensino fundadas por missionários. Elas eram voltadas para os colonizadores e para membros selecionados da população local – alguns eram enviados para concluir os estudos na Europa. Desde 1789, o país já abrigava um curso de medicina, ainda que voltado apenas para os colonizadores.

Foi só no início do século 20 que surgiram as primeiras escolas laicas. Ainda assim, elas eram direcionadas para estudantes da elite, chamados “civilizados”, em geral brancos ou mulatos. Para os chamados “indígenas”, ou seja, os negros locais, as escolas ofereciam apenas alfabetização e noções básicas de matemática e religião cristã. O ciclo de ensino se encerrava depois de apenas quatro anos. A partir da década de 1940, o ensino dos “indígenas” ficou concentrado nas escolas de missões católicas. Foi só em 1962, com a assinatura do "Estatuto do Indigenato", que os negros passaram a ser reconhecidos como cidadãos com direitos iguais aos demais.

A situação não melhorou muito após a independência. Uma guerra civil se instalou, para terminar apenas em 2002. Oficialmente, entre 1979 e 2017, o país teve um único presidente, José Eduardo dos Santos. Os conflitos militares deixavam vítimas entre as crianças, além de provocar a destruição de escolas. O partido que se manteve no governo desde a independência, e até hoje detém maioria no Poder Legislativo, é o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que adotou uma via socialista até o fim da década de 1990. O atual presidente do país, que sucedeu José Eduardo dos Santos após quase 40 anos no poder, João Lourenço, também é do MPLA.

“A febre da militância com o objectivo imediato de acabar com o analfabetismo e implementar uma escola gratuita para todos, com vista à construção do ‘Homem Novo’, incluiu nos materiais pedagógicos, fortes cargas ideológicas de cariz marxista/leninista”, explica a pesquisadora Maria João da Silva Mendes Ferreira no artigo “Educação e Política em Angola”.

Período socialista

Nessa época, o ensino angolano foi fortemente influenciado pelas práticas de Cuba, em especial o esforço de alfabetização levado até o interior do país, com especial ênfase nos adultos e na criação de cursos universitários úteis para a nação. Como as instituições de ensino nunca alcançaram um padrão mínimo de qualidade, muitos dos principais estudantes eram enviados para estudar em países como Cuba, Alemanha Oriental e Rússia.

Foi nessa época que o tempo de ensino obrigatório foi ampliado para seis anos de ensino fundamental e outros quatro de ensino médio, com a possibilidade, para os adultos, de completar o ensino inteiro em seis anos – mais recentemente, o ciclo total para crianças foi ampliado para 12 anos. O esforço levou à redução do analfabetismo, que em 1975 alcançava 85% da população e agora, está na faixa dos 24,7%.

Os problemas persistem. Atualmente, de cada dez crianças que terminam o ensino fundamental no país, apenas quatro prosseguem para o ensino médio. E 58,8% dos adolescentes de 12 a 17 anos ainda cursam o ensino fundamental, quando já deveriam estar no ensino médio. No caso da educação pré-escolar, apenas 11% das crianças das cidades do país participam, enquanto que nas zonas rurais a participação cai para 7%.

Desde que se separou de Portugal, Angola não consegue formar professores em quantidade suficiente. Por consequência, o país se acostumou a uma estrutura improvisada, em que poucos pedagogos formados trabalham com os chamados “professores de posto” e, abaixo deles, os “professores auxiliares” e os “monitores” – estes últimos não precisam sequer ter terminado o ensino fundamental. Os mestres formados são minoria, principalmente no interior.

Desde 2005, o governo vem buscando formar mais profissionais e melhorar os salários. O desmembramento da Universidade Agostinho Neto, em 2009, em nove diferentes instituições de ensino, aumentou a capilaridade do ensino superior, que agora conta também com uma forte inserção da iniciativa privada. Mas, em Angola, lecionar para o ensino fundamental é uma atividade considerada inferior e mal remunerada.

Tentativa de reação

Em resposta à situação caótica, o governo angolano vem buscando aumentar o investimento em educação. Para o quadriênio 2018/2022, aprovou o aumento de 20% do orçamento para o ensino, a fim de garantir a construção de cinco mil escolas e reduzir o déficit de 2 milhões de crianças que, atualmente, estão fora do sistema de ensino – em especial em regiões como a província de Cunene, onde mais de 70 mil alunos estudam a céu aberto.

Em 2014, teve início um programa que prevê o investimento de 16 milhões de euros para informatizar mais de 300 salas de aula. Além disso, o ministério da educação cobra a realização de concursos para colocar mais 20 mil professores na rede. E vem aumentando o número de escolas capazes de atender às crianças com necessidades especiais – como apontam as pesquisadoras Teresa Patatas e Isabel Sanches, no artigo Desafios da educação especial infantil em Angola, um programa para elas só surgiu em 2004, com quatro escolas, mas em 2015 já eram 800 estabelecimentos.

“Em Angola ser criança não é fácil”, elas afirmam. “Apesar da paz, vive-se numa sociedade ainda marcada e dilacerada pela guerra, por deslocações populacionais, pela crise económica e pela pobreza que atinge a maioria dos habitantes. Embora haja uma evolução no modo social de ver a criança com necessidades especiais, há ainda mitos e algumas crenças religiosas, mais evidentes nas zonas suburbanas e rurais, que conduzem ao preconceito, violência, discriminação, negligência, exploração, marginalização ou exclusão da criança e até mesmo das suas famílias”.

Em Luanda, a capital e maior cidade do país, o esforço está também na reorganização da rede de ensino. Nos últimos anos, a migração vinda do interior aumentou e provocou o surgimento de dezenas de novas favelas, onde simplesmente não há escolas suficientes. Já no centro da cidade, que passou por um esvaziamento populacional, sobram vagas. Mas a cidade vem recebendo novas escolas, ano após ano, nos últimos seis anos, com o acréscimo de quase duas mil novas salas de aula.

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