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O recente episódio ocorrido no início de abril na escola Avenues, em que um professor da instituição constrangeu um aluno do ensino médio diante de outros 200 estudantes durante palestra de uma pré-candidata a deputada federal pelo PSOL, jogou ainda mais luz em uma preocupação frequente de inúmeras famílias em relação à doutrinação política e ideológica em sala de aula.
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Diante do caso, pais de alunos matriculados em escolas particulares passaram a se preocupar ainda mais não apenas com a constante presença de temas como ideologia de gênero, feminismo e identitarismo em sala de aula, ou com a redução de conteúdos essenciais para dar lugar a temas políticos e ideológicos. Em ano eleitoral, receios quanto a eventuais tentativas de cooptação de alunos, com idade para votar, para determinados partidos ou candidatos têm feito com que pais aumentem a vigilância sobre os conteúdos transmitidos em sala de aula e, em alguns casos, optem por mudar os filhos de escola.
A reportagem conversou com famílias que escolheram outra instituição de ensino após terem percebido a ocorrência de problemas dessa natureza. Entre as fontes ouvidas, todas viram frustradas suas tentativas de diálogo com a direção dos colégios para tentar solucionar os casos e passaram seus filhos para instituições que, segundo elas, demonstraram maior disposição de coibir manifestações políticas pessoais de professores e colaboradores.
Abaixo-assinado de 149 famílias contra doutrinação ideológica
Após o ocorrido na escola Avenues, dezenas de famílias passaram a pressionar a direção pedindo providências para que novos episódios de doutrinação política e de constrangimento aos estudantes fossem evitados. Mesmo após o envio de uma carta assinada por 149 famílias com pedidos de que os valores da escola (acolhimento, segurança e respeito) fossem assegurados, nada foi feito. No dias seguintes ao caso, o professor Messias Moreias Basques Junior seguiu dando suas aulas na escola como se nada tivesse ocorrido. Diante da pressão das famílias, a escola, vários dias depois, decidiu publicar uma carta aos pais com a assinatura do diretor Andy Willians na qual, além de não reconhecer o erro, questionou o fato de o aluno ter gravado as falas com seu celular sem autorização da escola.
Como resultado, parte das famílias decidiu buscar outras instituições de ensino para seus filhos. Segundo uma mãe de dois alunos do segundo e terceiro ano, que optou por tirá-los da escola após a omissão da diretoria, a forma agressiva de impor uma opinião partidária desgastou bastante a relação entre a escola e as famílias, independentemente de suas preferências políticas.
“Eu acredito que todas as escolas enfrentem esse tipo de situação, em que professores tentam impor posicionamentos políticos, principalmente em anos de eleição. Porém, normalmente, as instituições tomam medidas para minimizar esse tipo de conduta. O que é raro foi a forma que a Avenues tratou institucionalmente o caso, praticamente endossando a prática”, declara a mãe, que falou à reportagem sob a condição de não ter seu nome citado. “Mesmo o episódio se tornando tão público, a escola se posicionou o tempo todo como se o caso não requeresse uma explicação para todas as famílias da comunidade”, prossegue.
Para ela a conduta do professor, ao ridicularizar a manifestação do aluno, evidencia não apenas a doutrinação política, mas também a disseminação de um pensamento único aos alunos. “A unanimidade é repleta de erros e não deveria ser imposta em nenhuma esfera, muito menos na educacional. As escolas precisam ser libertadoras de ideias, construtoras de pensamento crítico e jamais podem gerar traumas ocasionados por humilhação pública”, declara.
Receios de pais vão desde constrangimento público à ausência de temas essenciais
O receio de penalizações e retaliações públicas por aspectos ideológicos contra seu filho, que cursava o terceiro ano do ensino médio em um colégio de alto padrão na zona centro-sul de São Paulo, foi um dos fatores que motivou outra mãe - que falou à reportagem sob sigilo - a tirar seu filho da instituição após sete anos matriculado na escola. De acordo com o relato dela, há três anos a instituição decidiu mudar sua forma de gestão; demitiu diversos profissionais antigos, mudou grande parte do quadro docente e implementou uma nova filosofia de ensino sob a justificativa de fugir do “ensino tradicional”.
Segundo ela, a mudança se traduziu numa redução severa de conteúdos considerados importantes pela família e pela constante presença de temas políticos inseridos em quase todas as disciplinas.
“Em paralelo a essa mudança nos conteúdos, passou a entrar, principalmente a partir do ano passado, uma série de abordagens sobre ideologia de gênero. Isso era abordado de forma muito frequente e nos preocupou. Passamos a perceber que esse tipo de conteúdo era muito importante para a escola, e que isso tomava um tempo grande em relação a outros conteúdos”, afirma. “Meu filho chegou a fazer contrapontos e começou a ser ridicularizado por professores e, consequentemente, por colegas, que acabam sendo influenciados pelos docentes. Tornou-se um ambiente que não tolera a diferença, a diversidade de pensamento de fato”. Para ela, quase que diariamente eram abordadas pautas que evidenciavam uma preocupação maior por parte da escola com a militância política e com a segregação do que com a aprendizagem.
“Estar em uma turma em que vários alunos já podem votar representa uma preocupação a mais neste ano. Cada aluno tem seus posicionamentos e seus pensamentos, e a escola é o local para que eles desenvolvam suas opiniões, mas não para que sejam impostas opiniões para eles”, diz. “Pelo que percebo, parte das escolas está cada vez mais podando a capacidade dos alunos de desenvolver suas opiniões, na medida em que, quando o aluno apresenta um raciocínio contrário ao que a escola defende, ele é colocado de lado”, ressalta.
Outro relato coletado pela reportagem foi de uma mãe de três alunos do ensino fundamental, que estudavam em um colégio em Moema, bairro nobre na zona sul da capital paulista. Ela decidiu retirar os filhos após ter mais contato com os conteúdos que as crianças estavam recebendo.
Desde o início da pandemia, ela passou a trabalhar em home office, o que a possibilitou acompanhar partes das aulas a que os filhos assistiam. “Passei a ver que a prioridade não estava na formação deles com um bom conteúdo. Não tinha uma missão de formação intelectual, mas de formação social dentro de um direcionamento político muito específico”, diz ela. Segundo a mãe, havia um excesso de atividades de debates sempre dando premissas prontas sobre os mais diferentes e complexos temas para que as crianças desenvolvessem, sem o fornecimento de contrapontos.
“Tudo tinha por trás a discussão de temas como o racismo, sob um prisma ideológico, do chamado ‘privilégio branco’, do feminismo, da ideologia de gênero, tudo sem contrapontos, entregue pronto aos alunos. Desde quando matriculamos eles naquela escola, foi mudando bastante o perfil dos professores. Ultimamente, em uma pesquisa rápida na internet, dava para saber que muitos estavam alinhados à militância e ao ativismo político”, declara.
Antes de tomar a decisão pelo cancelamento das matrículas, ela criou um grupo de pais para questionar conteúdos ideológicos ou impróprios em materiais didáticos. Um dos exemplos de abordagem questionados foi o uso de uma versão em quadrinhos do “Diário de Anne Frank”, na qual os pais apontaram linguagem sexual imprópria aos alunos do sétimo ano do ensino fundamental, com idade de 12 anos.
Parte do trecho questionado pelos pais cita as seguintes falas atribuídas à Anne Frank: “toda vez que vejo um nu feminino, vou a êxtase” e “esse buraco é tão pequeno que mal consigo imaginar como um homem entra aqui dentro (...) já é difícil enfiar o meu dedo indicador dentro”.
Na época, a escola se posicionou, em nota, dizendo que a leitura do livro “integra um projeto amplo para o debate e reconhecimento dos horrores do Holocausto, estimulando a reflexão sobre seu contexto histórico”.
O caso, ocorrido no ano passado, gerou revolta por parte de pais de alunos e ganhou repercussão, mas ela relata que a direção da escola nunca se mostrou aberta aos questionamentos das famílias. Ela afirma que abordagens de temas políticos ou inadequados às faixas etárias, além de inapropriadas, acabavam ocupando o tempo que deveria ser empregado em conteúdos relevantes para a vida escolar.
“Acho que cabe à escola oferecer um ambiente que respeite as escolhas individuais de cada família, e mais do que isso, ter preocupação com o conteúdo escolar para que a criança consiga desenvolver melhor o raciocínio lógico, a leitura e a matemática, por exemplo, e as habilidades que precisam desenvolver. E deixar que a família tome conta de pautas relacionadas a posicionamentos políticos ou temas sensíveis”, ressalta uma das mães ouvidas pela reportagem.
Para Fenep, escolas devem evitar parcialidade em temas políticos
A Gazeta do Povo contatou a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) para entender quais são as orientações passadas às instituições de ensino sobre o tema. De acordo com Bruno Eizerik, presidente da entidade, a política inevitavelmente estará em debate nas escolas neste ano eleitoral, porém as instituições devem garantir que haja o respeito à pluralidade e evitar a parcialidade com um determinado espectro político em detrimento do outro.
“O que sempre orientamos é que toda vez que determinada escola fizer algum evento ligado à eleição, que se respeitem todas as posições políticas e que ela traga a possibilidade de que os alunos conheçam todas as vertentes. Entendemos que qualquer evento que se faça levando apenas um lado de uma moeda, vamos estar sendo tendenciosos. Nossa orientação é para que as escolas não façam isso”, afirma Eizerik.
“Sendo bem direto: se vai levar alguém ligado mais à esquerda, leve também alguém ligado à direita e ao centro, para que se possa passar aos estudantes todas as possibilidades a fim de que os próprios alunos, conversando com suas famílias, possam formar suas convicções”, salienta o presidente da Fenep.