Há mais de 50 dias, parte dos servidores da rede municipal da educação de Florianópolis recusa-se a ministrar aulas tanto na modalidade presencial quanto remota a crianças e adolescentes. Uma greve iniciada em 24 de março pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem) impediu o retorno às aulas em formato híbrido – mescla entre aulas presenciais e remotas – nas escolas administradas pela Prefeitura da capital catarinense. Para voltar às aulas, o sindicato exigir a vacinação de todos os professores e outras medidas de segurança.
De acordo com a Secretaria de Educação de Florianópolis, 30,8% dos profissionais de educação estão de braços cruzados, ou seja, 1,8 mil dos 5,9 mil servidores da rede municipal. O Sintrasem, no entanto, afirma que o número é maior: para o sindicato, vinculado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), aproximadamente dois terços da categoria estariam parados no momento, sem oferecer nenhum tipo de atividades aos estudantes. “Nossa adesão gira em torno de 60% a 70% da categoria. Há unidades que estão 100% fechadas, em outras a prefeitura considera como parcial, mas há um número muito pequeno de funcionários e é inviável o funcionamento”, afirma Bruno Ziliotto, diretor de Finanças e Administração do Sintrasem.
A rede municipal atende ao todo 34.496 estudantes, entre ensino infantil, fundamental e Educação de Jovens e Adolescentes (EJA). Na cidade, as escolas da rede estadual e as instituições particulares retomaram as aulas em formato híbrido em fevereiro.
O secretário municipal de educação, Maurício Fernandes Pereira, disse à reportagem que quase todas as escolas e creches da cidade estão de alguma forma afetadas pela greve. “Como temos grevistas em praticamente todas as unidades, acabam todas sendo afetadas. A bandeira do sindicato de greve geral, inclusive de aulas remotas, é um escândalo”, afirma.
Sindicato afirma que não há diálogo com a Prefeitura; Executivo diz que medidas já foram tomadas
O Sintrasem apresentou à Prefeitura uma série de pautas relacionadas à segurança sanitária dos profissionais de educação como condição para encerrar a paralisação. Além de vacinação prioritária aos servidores, a entidade pede testagem periódica da comunidade escolar, planos de contingência para todas as unidades de ensino, disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), e contratação de mais servidores para garantir segurança sanitária e para apoio pedagógico. De acordo com o sindicato, a Prefeitura não atendeu a nenhuma dessas pautas.
“Desde antes do início da greve, no ano passado, não conseguimos um diálogo minimamente republicano com o Executivo. Não teve nenhuma mesa de negociação. As pautas que apresentamos estão relacionadas a condições sanitárias seguras para o retorno presencial. Queremos voltar o quanto antes, mas para isso a Prefeitura precisa garantir a segurança sanitária”, declara Bruno Ziliotto.
A Prefeitura, entretanto, nega que haja falta de condições adequadas para a retomada das aulas presenciais. Quanto à inserção dos educadores como grupo prioritário na vacinação contra a Covid-19 – principal pauta do sindicato – a Secretaria de Educação de Florianópolis alega que todos os municípios devem seguir o Plano Nacional de Imunização do Governo Federal e cita que a prefeitura do município de Itapema tentou incluir o grupo como prioritário, mas o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) ingressou com ação judicial e obteve liminar proibindo a vacinação dos professores antes dos grupos prioritários definidos no Programa Nacional de Imunizações (PNI). “Em que pese a nossa concordância na necessidade de ampliação da vacinação para todos os segmentos, isso depende do governo federal”, destaca o secretário da pasta, Maurício Pereira.
Quanto às normas de biossegurança com garantias de EPIs, a Prefeitura afirma que tem seguido os protocolos determinados pelo governo do estado e que todas as creches e escolas receberam EPIs para o retorno seguro. “O MPSC, inclusive, arquivou uma Notícia de Fato contra a Prefeitura, pois foi comprovada a existência dos EPIs”.
A respeito da testagem em massa da comunidade escolar, a Prefeitura afirma que há um protocolo do município para rastreamento populacional com testes tipo RT-PCR que inclui casos suspeitos, independentemente da gravidade, e seus contatos e que devido à necessidade de seguir os protocolos de indicação testagem, não é possível disponibilizar testes tipo RT-PCR para todos os professores do município. Segundo o Executivo, também foram feitas adequações nas unidades escolares para minimizar riscos durante a pandemia.
“A Prefeitura só senta para conversar quando a greve acabar. Isso é decisão de governo. Tudo o que é pedido por eles nós estamos fazendo, então sentar para negociar o quê?”, questiona Maurício Pereira.
Mesmo com vacinação, greve pode continuar em Florianópolis
Nesta segunda-feira (17), o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), informou que a vacinação dos profissionais de educação do estado – que inclui não apenas professores, mas também os demais funcionários de escolas públicas e particulares – terá início no dia 31 de maio, com prioridade àqueles que atuam no ensino presencial.
Mesmo com a sinalização, que atende à principal pauta dos servidores em paralisação na capital catarinense, a greve ainda não tem perspectivas de encerramento. O porta-voz do Sintrasem disse à Gazeta do Povo que mesmo com a imunização avançando, o sindicato aguarda uma resposta do Executivo quanto às outras demandas apresentadas, como testagem em massa e EPIs. “Ainda não tem um calendário de vacinação estabelecido aqui na cidade. Mas além da vacinação tem esses outros pontos. Também é importante que se diga que a imunização se dá após a segunda dose”, diz Bruno Ziliotto.
Apesar da recusa em retomar as atividades presenciais alegando riscos de contaminação por aglomerações – apenas profissionais de educação que não integram grupos de risco são obrigados a retornar ao trabalho presencial –, o Sintrasem tem organizado atos nas ruas com dezenas de manifestantes pedindo rodas de negociação com a Prefeitura.
“Hoje, se o professor quiser dar aula on-line e não for para o presencial terá o ponto cortado. Algumas redes experimentaram fazer isso e tiveram desconto. Ou você está debaixo de um guarda-chuva legal chamado greve ou não”, diz o diretor do Sintrasem.
Ministério Público pede à Justiça retorno das aulas
Na última sexta-feira (14), o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) pediu à Justiça a instauração de dissídio coletivo de greve visando à solução do impasse, com pedido de liminar determinando que o Sintrasem e a Prefeitura "garantam o atendimento presencial mínimo das turmas de alfabetização e do nono ano da rede de ensino, tendo em vista a urgência e a indispensabilidade do atendimento a esses alunos especificamente, retomando o ensino remoto para as demais".
O objetivo da ação é que o Tribunal de Justiça do estado (TJSC), determine uma audiência de conciliação a fim de promover o imediato retorno das aulas. A Procuradora de Justiça Eliana Volcato Nunes sustenta na ação que, como até o momento não se vislumbra uma solução, "requer-se, na verdade, no estabelecimento de uma espécie de negociação 'forçada' com escopo no Princípio da Continuidade do Serviço Público".
De acordo com Josiane de Souza, fundadora do grupo Pais pela Educação SC, que reúne cerca de 500 famílias que pedem o retorno às aulas presenciais, Florianópolis é a única cidade do estado em que não há sequer aulas remotas na rede municipal. “Tem escolas que estão fechadas há mais de 400 dias. Tem criança que não pisa o pé numa escola há mais de um ano. Algumas estão abertas, mas apenas para o aluno pegar as folhas de atividades e pronto”, declara. “No Brasil não temos castas, não tem ninguém que é melhor do que ninguém. Todo mundo está trabalhando, por que eles não?”. Ela relembra também que Santa Catarina foi o primeiro estado a aprovar lei que torna a educação atividade essencial durante a pandemia.
Para o secretário de educação de Florianópolis, o fato de a pauta dos grevistas ser uma exclusividade da rede municipal da capital aponta que o argumento de falta de condições sanitárias apontadas não tem legitimidade. “Na rede municipal de todos os municípios de Santa Catarina está tendo aula no formato híbrido. Nas escolas da rede estadual e nas particulares também, em todas as cidades. Tudo isso respeitando os protocolos – EPIs, álcool gel, medição de temperatura, distanciamento de um metro e meio”, afirma Maurício Pereira. “O que vejo é um escândalo. Se fosse um absurdo total teríamos vários municípios em greve, o que não é o caso”, ressalta.
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