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Em tempos de Baleia Azul e “13 Reasons Why”, o papel da escola é fundamental

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(Foto: Beth Dubber/Netflix/Beth Dubber/Netflix)

No rastro da morte de Hannah Baker na série “13 Reasons Why”, disponível na Netflix, seus pais questionam a escola onde ela estudava: “Vocês não perceberam em momento algum que ela precisava de ajuda?”. A ficção mostrou uma sequência de perdas e agressões que fragilizaram a protagonista a ponto de ela decidir tirar a própria vida. Grande parte ocorre no contexto escolar, mas o corpo docente deixou passar todos os alertas de que havia uma adolescente em risco. Em um contexto de popularização de jogos como o Baleia Azul, que incentiva seus participantes à automutilação e ao suicídio, a escola ganha um papel privilegiado na prevenção dessas tragédias.

Contar com a escola em momentos de crise é estratégico principalmente por causa de rotinas familiares que não permitem encontros e diálogos de qualidade. É no colégio que os alunos passam grande parte do tempo e onde conseguem disfarçar menos os sintomas. Naturalmente impulsivo, o adolescente não fala, mas tem atitudes pouco pensadas. É no acompanhamento diário que o comportamento suicida se mostra. E os primeiros sinais são sutis.

“É um mito dizer que quem pensa em suicídio não dá alertas. Cerca de 90% das pessoas avisam isso de alguma maneira. O adolescente tende a falar menos sobre o sofrimento do que o adulto, mas pode dar sinais, como a queda no rendimento escolar, afastamento das atividades sociais, descuido com a aparência e abandono de projetos”, enumera o psiquiatra Marcelo Daudt Von Der Heyde, professor da PUCPR, preceptor da residência médica em Psiquiatria do HC/UFPR e vice-presidente da Capital da Associação Paranaense de Psiquiatria.

É incorreto dizer que todo jovem é vulnerável a jogos como o Baleia Azul, que teria surgido na Rússia. Quem topa o jogo, em geral, já vive um grande sofrimento emocional, mas o fator de buscar um grupo de pertencimento também é importante. “Eles entram e querem se desafiar, provar aos outros e a si mesmos que são capazes de viver o desafio. Mas nem sempre a busca é pela morte. Alguns, no fundo, têm esperança de sobreviver. É um pedido de ajuda, que alguém os enxergue”, resume a psicóloga clínica Rosana Da Rós, de Curitiba.

O jogo funciona com a orientação de um tutor, com quem os adolescentes se comunicam via redes sociais e assumem o desafio de cumprir uma tarefa diária por 50 dias. Eles assistem a filmes de terror ou ouvem músicas melancólicas, arriscam-se em grandes alturas, praticam automutilação e terminam cometendo o suicídio. A polícia investiga casos no Rio de Janeiro, Paraíba, Rio de Janeiro, Mato Grosso e também no Paraná.

Quando o adolescente admite a um professor o desejo de morrer, também é preciso um cuidado extra para envolver a família.

Abordagem

Na adolescência, os estudantes ganham uma vida acadêmica agitada, com mais professores. A dinâmica pode dificultar uma observação detalhada, mas o educador que perceber mudanças de comportamento tem um papel importante nesse tratamento. “Alguns adolescentes não encontram em casa um olhar, uma escuta. Quando percebem que alguém se preocupa, sentem um alívio muito grande. Eles não conseguem falar direito sobre o que sentem, estão com medo de ser julgados”, afirma Rosana Da Rós.

A abordagem, porém, precisa ser extremamente cuidadosa. Uma tentativa de diálogo muito direta pode afugentar ainda mais o estudante que se sente vulnerável ou que está, por exemplo, cumprindo as etapas de jogos suicidas. “Um simples ‘percebi que você precisa de ajuda’ em vez de falar diretamente sobre suicídio é melhor. Na maior parte das vezes, quem pensa em suicídio busca socorro. Com essa abertura, é bem provável que se diga diretamente para quem está oferecendo ajuda”, diz von Heyde.

Em “13 Reasons Why”, o conselheiro da escola de Hannah, o único adulto que ela procura para pedir ajuda quando decide se matar, comete um erro de acolhimento. “Ele diz que só pode ajudá-la se ela contar qual o problema, o que houve. Ele impôs uma barreira”, avalia o psiquiatra. Mesmo quando conversa com os sobreviventes, termo usado para designar todos que são afetados pelo suicídio, o orientador não consegue fazer um bom trabalho. Espalhar cartazes motivacionais não basta.

Como a confusão e o sentimento de inadequação vividos durante a adolescência são difíceis de explicar, é provável que as primeiras abordagens sejam frustradas. “Não adianta dizer ‘estou aqui para quando você precisar’. Ele não vai bater à porta querendo conversar ou vai dizer ‘estou muito mal’. É preciso insistir algumas vezes, com delicadeza”, orienta a psicóloga Célia Maria Teixeira da Silva, doutora pela UNB com o tema “Tentativa de Suicídio na Adolescência: dos sinais de aviso às possibilidades de prevenção”.

Quando o adolescente admite a um professor o desejo de morrer, também é preciso um cuidado extra para envolver a família. “O professor não pode manter um pacto com o aluno, é muita responsabilidade sobre o adolescente deixá-lo sozinho para cuidar de seu tratamento”, diz Célia. Por outro lado, entender essa dificuldade do adolescente é importante para não trair o vínculo de confiança. “Se ele reagir à ideia, dizendo que não quer que ninguém saiba disso em casa, é preciso negociar, perguntar quem na família poderia ouvi-lo mais e ajudá-lo mais de perto”, diz Célia.

Prevenção e tentativas

Quando se fala em prevenção de suicídio nas escolas, ações pontuais começam pela abertura de espaços de conversação que consigam diminuir a pressão pela qual os adolescentes passam. “Eles têm muitas obrigações e, na escola, não têm espaço para demonstrar que não estão bem”, afirma Célia Maria Teixeira da Silva. “Eles precisam falar dos sofrimentos, medos, desejos e inseguranças para que não se tornem tormentos. É preciso admitir que é difícil sim enfrentar os desafios pelos quais eles passam”, completa a psicóloga.

Quando há uma tentativa de suicídio no colégio, o acontecimento não precisa ser mantido em segredo. O episódio pode ser de muita ajuda para diminuir o tabu e o preconceito contra o colega que tentou o suicídio quanto para quem esteja passando por angústias semelhantes dentro da comunidade da escola. “Falar que houve a tentativa é válido, mas sem fornecer dados sensacionalistas sobre o caso. Não é preciso contar o porquê, como se o ato fosse justificável, ou o método, para evitar que haja imitação”, diz o psiquiatra Marcelo Daudt Von Der Heyde.

Para facilitar o acompanhamento individual dos alunos, a estratégia de eleger um professor tutor para cada sala de aula é válida. Envolver os alunos também é eficiente. “Há um modelo de ajuda americano que se baseia na observação dos colegas, que podem notar se os outros estão bem ou não. É muito mais por instinto e tem tido bons resultados”, afirma o psiquiatra.

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