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Em uma escola no Canadá, crianças falam 40 idiomas

 | Tara Walton.NYT
(Foto: Tara Walton.NYT)

A primeira língua de Amna era o urdu. A de sua amiga, Talyah, o árabe. Mas, há pouco tempo, no canto de uma sala de aula, elas falavam inglês entre risinhos, enquanto jogavam bolinhas de gude em um funil. 

As meninas são alunas da Fraser Mustard Early Learning Academy – uma escola no bairro Thorncliffe Park de Toronto, um jardim da infância para crianças que moram nas proximidades. 

A instituição tem 630 alunos, todos com idades entre 4 e 6 anos e a maioria filhos de imigrantes. Isso compõe pelo menos 24 classes de educação infantil. 

Eles chegam à escola e falam 40 línguas, mas ainda muito pouco inglês, refletindo o lema de Toronto, "a diversidade é nossa força". Assim, os professores usam cordões no pescoço com pequenas imagens laminadas contendo instruções básicas. 

Uma delas mostra uma pessoa empurrando outra, com uma linha que a atravessa. “Não empurre! Há outras, também – façam uma fila; pare; acalme-se e respire”. 

"No início, fazemos muita mímica", diz Stephanie Hammond, uma das professoras da escola. 

Outras imagens mostram rostos em diferentes estados emocionais, para que as crianças possam expandir o vocabulário em torno dos sentimentos. 

"Era bastante confuso no começo", diz Lin, uma menina de seis anos refugiada da Síria, enquanto aguardava na fila para entrar na escola. Mas, ela acrescenta que logo "já sabia todas as palavras em inglês. Agora estou ensinando minha mãe e meu pai". 

Integrando

Do lado de fora, a Fraser Mustard é um cubo de vidro, metal e tijolo de dois andares. Nem mesmo o playground é muito inspirador – um quintal com cerca e dentro alguns brinquedos espalhados. 

Mas, por causa da multiplicidade, o pessoal aqui desenvolveu programas especializados que não são conhecidos na maior parte dos jardins da infância no Canadá. 

Há uma disciplina de ciência e tecnologia, um "espaço do fabricante" onde as crianças fazem projetos de filmes caseiros de pássaros voando. Eles esboçam desenhos com lápis grafite em um corredor brilhante que foi transformado em um estúdio para os pequenos artistas. 

Dentro de sala 208, Hammond estava sentada em uma pequena mesa e cortava papel com quatro "colegas" – substituição neutra usada na escola para não distinguir entre "meninos e meninas”. Os outros 20 alunos brincavam em várias "áreas de aprendizado" ao redor da sala. 

A região de Ontário expandiu as horas do jardim da infância, que funcionam em tempo integral desde 2010, na tentativa de aumentar as habilidades das crianças que entram no ensino fundamental e para colocá-los frente a dificuldades desde cedo. 

Dez crianças da sala 208 têm necessidades especiais. Uma delas é Zainab, que usa o cabelo preso com um elástico cor-de-rosa e tinha acabado de beliscar de novo um dos colegas. 

Ela falava apenas pashtun quando chegou, há dois anos, e, mesmo em seu idioma nativo, falava pouco. 

Agora já não precisa mais do livro especial que Hammond fez, preenchido com imagens para as quais a menina apontava quando as palavras lhe faltavam. 

Por recomendação da escola, testaram a audição de Zainab no ano passado e descobriram que ela era surda de um ouvido. Assim, Hammond sempre usa um amplificador pequeno no pescoço para a hora da contação de histórias. 

Política inclusiva

A Fraser Mustard tem uma equipe de especialistas em educação especial que trabalha com cada professor para desenvolver planos especializados para a garotada. Eles chamam a isso de "modelo inclusivo". 

"Meu trabalho é conhecer cada criança e pensar no que posso fazer para ajudá-la a avançar", disse Hammond. 

"Sinto muito", Zainab disse envergonhada, repetindo as palavras de Hammond. "Eu posso pegar a boneca?" 

A Fraser Mustard é uma escola pública, como a maioria no Canadá. Aqui, o sistema de educação pública é amplamente visto como fomentador do multiculturalismo – muito importante em uma cidade onde 46% dos moradores são imigrantes. 

As escolas são consideradas boas, ao ponto que até mesmo pais ricos colocam seus filhos nelas. 

"Aqui há crianças de diferentes culturas, com diferentes níveis de renda", explica Charles Pascal, professor do Instituto de Estudos Educacionais na Universidade de Toronto e que esteve presente no desenvolvimento do plano educacional da província desde o começo. "É por isso que, mais tarde, eles não entendem o que é homofobia ou racismo". 

As portas do fundo da Fraser Mustard levam até o pátio da escola primária vizinha. A vista de lá é uma montagem de prédios residenciais. Há mais de 30 ao longo da Thorncliffe Park Drive, uma avenida que fica a cerca de um quilômetro da escola infantil. 

Alguns dos prédios são enormes, abrangendo três alas e com até 20 andares. Foram construídos na década de 1950 para a elite da cidade, com piscinas e apartamentos espaçosos. Há uma colina verdejante abaixo, com vista para as torres do centro da cidade. 

Os imigrantes começaram a chegar aos montes por aqui durante a década de 1970. Nos últimos anos, a área foi transformada em um pequeno pedaço do sul asiático, com uma mesquita e uma grande mercearia halal, onde as mulheres com lenços e burcas compram tâmaras de Medina e naan afegão. 

Mais de um terço vive abaixo da linha da pobreza e as famílias se amontoam em apartamentos, de acordo com os assistentes sociais locais. Os elevadores ficam tão lotados depois da escola que alguns síndicos colocam funcionários nos saguões para organizar e manter a ordem. 

Muitas crianças, quando chegam à Fraser Mustard pela primeira vez, param ao pé da escada, desnorteadas. Eles não sabem subi-las. 

Por conta disto, a diretora da escola montou uma equipe de teste motor para ver as habilidades dos pequenos. Os resultados foram tão alarmantes que ela contratou dois professores para iniciar um programa de reparação. 

"Muitas crianças não conseguem saltar cinco centímetros. Algumas não conseguem dar seis passos em linha reta. Também não sabem pular", conta Amanda Frederich, enquanto conversa no iluminado átrio triangular da escola. 

Ao seu lado, três crianças rolavam com bolas de pilates para fortalecer os músculos abdominais. Uma delas tentava se estabilizar em uma barra de equilíbrio baixa. 

Em frente ao circuito formado, logo ao pé de uma escadinha feita de colchões de ginástica grossos, estava o pequeno Valeed, de seis anos, que vive em uma das torres com sua mãe e quatro irmãos. 

Ele se aproximou das escadas com um cansaço resignado, saltando em cada degrau com os dois pés. A cada pulo, levantava e arrumava suas calças largas e em seguida repetia os movimentos. Parecia cansativo. Mas era um progresso. Há dois meses, ele não conseguia dar um pulo sequer. "Tenho praticado", conta ele. 

Pouco antes de tocar o sinal novamente às 3:20, os alunos da sala 208 sentaram-se com seus casacos e mochilas e ensaiaram para a apresentação de fechamento do ano. 

"Somos um arco-íris de crianças, somos uma família cantando canções", suas vozes se ergueram em uma música sobre direitos civis do filme "Billy Jack", mas adaptada para a escola. "Não há nada que possa nos parar, o amor pelo arco-íris é forte demais." 

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