Volta e meia, as universidades públicas brasileiras produzem monografias, dissertações e teses sobre temas pouco ortodoxos. Mas, mesmo nesse contexto de inventividade, uma pesquisa de doutorado feita na UFF (Universidade Federal Fluminense) se destaca.
A tese de Victor Hugo de Souza Barreto, do Departamento de Antropologia, estudou orgias homossexuais no Rio de Janeiro. Durante dois anos e meio, Victor frequentou quatro “festas de orgia” que acontecem regularmente na capital fluminense. O método escolhido por ele foi o de misturar-se aos frequentadores desses eventos.
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O trabalho foi concluído no fim do ano passado. Durante a pesquisa, Victor teve uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para fazer “doutorado-sanduíche” no Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal.
Embora Victor afirme não ter mantido relações sexuais durante as visitas aos locais, vários trechos da tese descrevem o contato físico dele com outros homens durante as festas.
Em algumas das cenas descritas com franqueza por Victor Hugo, ele também mostra ter ido além da observação. Por exemplo: ele descreve de forma explícita uma relação sexual entre dois homens e prossegue: “Enquanto a ação se desenrolava, os dois alternavam olhares entre si e comigo e o rapaz ficava passando a mão pelo meu corpo”.
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A proximidade era tão grande que, em uma das cenas descritas, o autor afirma que um homem ejaculou no rosto dele desadvertidamente.
O autor justifica suas interações: “Ao que parece, o estudo da sexualidade obriga o pesquisador a ver ele próprio (e ser visto também) como ser sexuado, de desejo e produtor de desejo, uma subjetividade que é, de fato, colocada em jogo, como um agente que, de certa forma, precisa se colocar também ‘sexualmente' em campo”.
Acompanhada por imagens das orgias, a tese usa linguajar chulo ao se referir aos órgãos sexuais e às modalidades de sexo praticadas. “Não se trata de uma naturalização, mas de que esses é que são os termos que operam as ações aqui”, diz ele, na obra.
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Tudo isso para chegar a conclusões como esta: “Percebo as festas de orgia como locais de intensa e conflituosa produção de subjetividade e construções muito próprias relativas ao princípio da masculinidade e de ser homem; de uma forma particular de socialidade e de estabelecimentos de vínculos interpessoais; e, claro, de pôr em prática experimentações sensoriais e corporais de performances relativas à putaria.”
Ou esta: “Pensar a festa enquanto objeto etnográfico, ou como cenário de produção dos nossos dados, é lidar com esses limites dos nossos ‘entendimentos teoÌricos’, onde os próprios atores apontam para esse ‘além’. Um ‘além’ que claramente, pode entrar na seara de interpretações sobrenaturais e religiosas (e talvez por isso as festas tenham sido objeto de referência para uma literatura de rituais religiosos), mas também de um ‘além’ que tem a ver com algo de infinitesimal, de inapreensível, que ‘foge’ e ‘transborda’ ao entendimento. No caso, de um excesso que não se explica pela ordem, mas por ele mesmo”.
Embora peculiar, o trabalho de Victor Hugo não é o primeiro do gênero. Um mestrando da Universidade Federal da Bahia, por exemplo, participou de encontros sexuais em um banheiro público de Salvador. “É cada vez mais visível o crescimento desses estudos no Brasil, visto o aparecimento de mesas e grupos de trabalho em nossas reuniões e congressos anuais”, reconhece Victor Hugo em sua tese.
A própria incursão do antropólogo nesse universo tem precedentes. Em sua dissertação de mestrado, também na UFF, ele frequentou saunas gays do Rio de Janeiro. Victor Hugo obteve não só a aprovação de seu projeto e uma bolsa de estudos do CNPq: conseguiu que seu trabalho fosse publicado em formato de livro pela editora da universidade. O lançamento da obra, intitulada “Vamos fazer uma sacanagem gostosa?”, vai acontecer nesta sexta-feira, em uma livraria carioca.
Alunos poderiam indicar ao instrutor qual nota seria mais apropriada. #Educação
Publicado por Gazeta do Povo em Quarta-feira, 4 de outubro de 2017
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