De cabelo preso, Norma Carrillo aguarda o ônibus em uma das avenidas mais movimentadas do Rio de Janeiro, a Getúlio Vargas. Seu destino é a favela da Maré, onde é professora voluntária de espanhol às quartas-feiras. Ali é também o ponto de encontro com outra professora, Ana Prieto, espanhola e diretora da ONG Espanhol Para Todos. Aos 58 anos, a engenheira de produção venezuelana está no Rio de Janeiro para “começar a vida do zero”.
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Há três anos, com o agravamento da crise em seu país de origem, Norma começou a preparar a mudança. Chegou ao Rio em novembro de 2017 após atravessar seu país em um ônibus de linha internacional, vinda da região metropolitana da capital Caracas. Em Boa Vista, no estado de Roraima, encontrou inúmeros conterrâneos que, por falta de recursos, acabaram ficando no norte do Brasil.
Arrumando as malas
Antes de partir, ela precisou fechar a fábrica de brinquedos que mantinha com o irmão, a cunhada e mais três funcionários. A inflação e o dinheiro escasso não só interromperam as vendas, como dificultavam a compra dos insumos. Ela também auxiliava na fábrica de uniformes da mãe, mas os problemas eram parecidos.
“Muitas empresas e clientes fecharam as portas e está muito difícil passar orçamentos com os preços dobrando a cada semana. Minha mãe precisou demitir e agora está só com uma funcionária para poder pagar as contas”, relata.
Diante da crise no país caribenho, o governo brasileiro permitiu que venezuelanos fossem recebidos com direitos similares aos dos estrangeiros dos países do Mercosul, então Norma pode retirar visto de residência provisório por dois anos e sua carteira de trabalho. Enquanto procura por emprego, ela tem o apoio e hospedagem de uma amiga que conheceu em uma rede social; a hospitalidade que encontrou nos cariocas a surpreendeu.
"Se eles têm tempo, te pegam pelo braço e te levam até o endereço que você procura. Mesmo sem conhecer muito, perguntam da família e demonstram preocupação e vontade de ajudar", diz.
No caminho para a Maré, com entrada às margens da Avenida Brasil, Norma confessa que ficou receosa com sua segurança ao ir para a primeira aula, já que grande parte do noticiário que recebia sobre o Brasil falava de violência, futebol e, vez ou outra, do rei Roberto Carlos.
Norma, porém, ficou encantada não só com receptividade dos alunos, como pela estrutura do local das aulas, a sede da ONG Redes da Maré, equipada com carteiras novas, ar-condicionado e salas amplas para aulas convencionais e artes.
Ensinando e aprendendo
A aula flui com tranquilidade e é feita em conjunto com professores de diferentes países, o que permite aos alunos conhecer diferentes sotaques e palavras usadas.
Norma pede aos alunos para descreverem uns aos outros e alguém pergunta qual a tradução para “aparelho dental”. Ela responde “aparatos dentales”, enquanto seu colega peruano Josué Salinas lembra que no Peru também utilizam “dientes de lata” de maneira informal.
A turma varia de tamanho ao longo do semestre e alguns abandonam ao conseguirem um trabalho. O perfil é variado: de jovens estudantes a senhoras, a maioria buscando aprender uma nova cultura, planejar alguma viagem ou mesmo incrementar o currículo.
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De qualquer forma, a venezuelana está feliz em voltar à sala de aula, uma de suas paixões, e espera conseguir conciliar o trabalho na ONG quando encontrar um emprego. Ela relembra que no final da década de 1990 integrou a equipe de professores de um programa de ensino profissionalizante criado em parceria entre o governo da Venezuela e Espanha. Com a chegada do partido de Hugo Chávez ao poder, porém, o projeto virou instrumento de barganha política - e Norma decidiu sair.
Realidades distintas
Ainda que observe as grandes desigualdades existentes no Brasil, ela sorri quando os brasileiros reclamam de crise. E compara com a situação de seu país.
“O salário mínimo lá compra apenas um quilo de carne, você passa pelo menos três horas na fila para comprar alimentos e as cestas básicas distribuídas pelo governo são insuficientes para o mês”, conta.
Norma relata que há criminosos vendendo lugar nas filas dos mercados e os níveis de violência aumentaram consideravelmente; no Brasil, em sua primeira ida ao supermercado, se surpreendeu com a variedade de marcas. “Pedi para minha amiga tirar uma foto e mandei para minha família”, relembra.
Sobre o futuro de seu país, ela não esconde o ceticismo: a reeleição de Nicolás Maduro faz com que ela saiba o que esperar:
“O governo não diz com clareza qual é o plano para sairmos da crise, apenas reclama que estão sendo boicotados pelos Estados Unidos”, desabafa.
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