Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o homeschooling está proibido no Brasil até que seja regulamentado pelo Congresso, deputados e senadores estão sendo pressionados por mais de cinco mil famílias que fazem educação domiciliar a tomar alguma atitude em relação ao tema. Enquanto o governo de Jair Bolsonaro não apresenta a Medida Provisória prometida para regulamentar o ensino em casa, quatro projetos tramitam no Congresso para tentar preencher a lacuna legal e tranquilizar famílias que hoje podem responder criminalmente pela prática.
Dois projetos são de autoria dos deputados federais Lincoln Portela (PR-MG) e de Eduardo Bolsonaro (PSC-SP). Por tratarem do mesmo assunto, as propostas acabaram sendo apensadas no ano passado, ou seja, tramitam juntas pelas comissões.
As outras duas iniciativas foram apresentadas em 2019, logo no início desta legislatura, pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
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Câmara
Na Câmara dos Deputados, o projeto mais antigo em tramitação é o PL nº 3179/12, de autoria de Lincoln Portela, que propõe alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para que a oferta do ensino domiciliar seja legal. “É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais", diz o texto.
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Considerando que a Constituição Federal estabelece a educação como um dever do Estado e da família (art. 205), o parlamentar justifica que, dessa forma, não há “impedimento para que a formação, se assegurada a sua qualidade e o devido acompanhamento pelo Poder Público certificador, seja oferecida no ambiente domiciliar, caso esta seja a opção da família do estudante”. Portela ainda afirma, no texto, que “garantir na legislação ordinária essa alternativa é reconhecer o direito de opção das famílias com relação ao exercício da responsabilidade educacional para com seus filhos”.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC), por sua vez, apresentou uma proposta em 2015, o PL nº 3261/2015, que “autoriza o ensino domiciliar na educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio para os menores de 18 anos”. Aceito o projeto, a Lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional passaria a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º (...) III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola para os estudantes matriculados em regime presencial e pela frequência em cumprimento ao calendário de avaliações, para os estudantes matriculados em regime de ensino domiciliar”.
O PL reconhece que os pais são responsáveis por realizar a matrícula dos filhos na educação básica a partir dos quatro anos, mesmo se optarem pelo homeschooling. Além disso, se aprovada a proposta, os alunos teriam obrigação de cumprir o calendário de avaliações na escola. À instituição escolar também caberia a tarefa de “expedir históricos escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis”.
Segundo Bolsonaro, o ensino domiciliar é uma prática reconhecida e prestigiada em muitos outros países. Aqui no Brasil, afirma o parlamentar, não se pode contestar a constitucionalidade da atividade, não parecendo haver “proibição expressa para que a legislação possa admitir o ensino domiciliar”. Para ele, a questão é “muito mais ideológica do que meritória”.
Outra justificativa do parlamentar é que, em momento de crise financeira no país, grande parte dos responsáveis opta por matricular os filhos em escolas públicas, que, mais tarde, “não conseguem absorver essa quantidade de crianças”.
Em 2018, a deputada professora Dorinha Seabra Resende (DEM-TO), que foi relatora dos projetos na Comissão de Educação da Câmara, deu parecer favorável à aprovação das propostas, com algumas alterações no texto. Ainda não se sabe, no entanto, como se dará a continuidade da tramitação neste ano.
Senado
Já no Senado Federal, estão em apreciação duas propostas do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que alteram o Código Penal para tornar legal o homeschooling. Para o parlamentar, a prática está claramente amparada pelo texto da Constituição Federal, e pais não deveriam ser criminalizados por abandono intelectual caso optem por ensinar os filhos em casa.
“Os pais ou responsáveis que ofertarem aos filhos educação domiciliar não incidem nas penas previstas neste artigo”, diz o PLS (Projeto de Lei no Senado) nº 28/2018.
Bezerra ainda defende que a “Constituição dispõe sobre o dever do Estado com a educação, mas não cria nenhum obstáculo para que o dever da família de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à educação (art. 227) possa se materializar mediante o ensino em casa”. Ele continua a afirmar que “a Lei Maior garante que o ensino deve ser ministrado com base, entre outros princípios, na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, inciso II)”.
O outro PLS é o 490/2017, que deve ser primeiramente analisado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), e também altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o ECA para amparar legalmente a prática do ensino em casa. Bezerra quer evitar que “o Poder Público se esquive do dever de oferecer educação escolar nos casos em que a educação domiciliar não for efetivamente de interesse das famílias”. Por outro lado, o parlamentar defende a “proteção integral à criança e ao adolescente”, caso seja adotado o homeschooling.
“(...) O presente projeto de lei visa a explicitar, tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a possibilidade de oferta de educação domiciliar no âmbito da educação básica obrigatória”, diz o documento, que também salienta que “algumas condições devem ser observadas pela modalidade, que só poderá ser adotada mediante manifesto interesse dos pais ou responsáveis e autorização e supervisão dos órgãos competentes”.
Não é de hoje que brasileiros lutam para tornar legal o ensino domiciliar no país, prática também conhecida como homeschooling. Em 1994, por exemplo, o deputado federal João Teixeira (PL) apresentou o Projeto de Lei nº 4657/94, que visava autorizar a prática do ensino fundamental em casa. A proposta, no entanto, foi rejeitada e arquivada.
Medida Provisória
No início deste ano, o governo de Jair Bolsonaro anunciou medidas prioritárias para os 100 primeiros dias de governo. Entre elas, a promessa de regulamentação do ensino domiciliar. O item “Ação 22” do documento afirma que o governo irá regulamentar “o direito à educação domiciliar, reconhecido pelo STF [Supremo Tribunal Federal], por meio de Medida Provisória, beneficiando 31 mil famílias que se utilizam desse modo de aprendizagem”. A medida provisória proposta pelo governo pode resolver essa lacuna, mas não impedir que uma nova ação seja ajuizada no tribunal.
Caso seja editada, a MP já entrará em vigor, mas com vigência de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, a MP trancará a pauta de votações da Casa em que se encontrar, Câmara ou Senado. Se a Câmara ou o Senado rejeitar a MP ou ela perder a eficácia, os parlamentares terão de editar um decreto legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.
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