Não há provas de que a literatura traz benefícios para a vida prática, mas é inegável que ela pode ser um elemento para unir a família e ensinar valores. Essa é a tese de Daniel Willingham, Professor no Departamento de Psicologia da Universidade da Virgínia, em seu livro “Raising Kids Who Read” (“Educando crianças que leem”, em tradução livre).
Para Willingham, os pais são os maiores modelos para os pequenos e podem incentivar o amor pela leitura com passos simples, como ler em voz alta, fazer perguntas e demonstrar interesse pelo universo da literatura.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Willingham fala sobre os benefícios do hábito da leitura, o papel dos pais para criar novos leitores e como manter os filhos interessados por livros na era digital. Confira:
Há um consenso sobre a necessidade de nutrir nas crianças o amor pela leitura, mas quais os benefícios práticos disso?
Muitos estudos mostram uma correlação positiva entre ler por hobby e sucesso na escola, mas penso que se “sucesso na escola” é o objetivo para o seu filho, é mais fácil simplesmente assegurar que eles se esforcem na escola. Quero que os meus filhos leiam porque eu amo ler: é um valor familiar.
O que pais podem fazer para educar filhos que amam ler? Há abordagens específicas para crianças em diferentes idades e fases de desenvolvimento?
Diria que a leitura depende de três fatores: ser capaz de decodificar os livros fluentemente, conseguir compreender o que está lendo e ter motivação pela leitura. Acredito que os pais devem se atentar aos três fatores em todas as idades. Crucialmente, porém, algumas coisas que os pais podem fazer para ajudar não parecem apoio à leitura.
Uma delas é a ideia de criar um senso na criança de que a leitura é algo valorizado na família. Acho que muitos pais não apreciam a mensagem poderosa que isso pode ser para as crianças.
Você deve modelar a leitura, tornar a leitura prazerosa, ler em voz alta para o seu filho em situações que sejam agradáveis e criar associações positivas. Mas também definir um tom de que a família gosta de aprender coisas novas, aprender sobre o mundo, e uma grande parte disso acontece a partir da leitura.
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O segundo passo que recomendo é fazer da leitura a atividade mais atraente que uma criança pode fazer. Não é suficiente que a criança goste de ler. Se elas gostam de ler, mas há outra coisa disponível que elas gostam mais, elas vão escolher isso. O jeito fácil de começar é colocar os livros em lugares que seu filho ficaria entediado: o mais óbvio é o carro. Parte disso também é garantir que você não forneça outros tipos de entretenimento a cada momento.
No caso de crianças pequenas que ainda não aprenderam a ler, como os pais podem nutrir o hábito pela leitura?
Crianças podem aprender que ler é algo valorizado pela família. Ser um bom exemplo – deixar os filhos verem você ler – é importante. Mas também ler em voz alta para elas, dar livros com ilustrações para elas olharem sozinhas e até mesmo fazer perguntas e mostrar curiosidade sobre o mundo. Tudo isso ajudará.
Para crianças em idade pré-escolar, provavelmente o mais importante que você pode fazer são brincadeiras que ajudem seu filho a ouvir os sons da fala: rimando, lendo livros em voz alta que tenham muita rima e outros tipos de jogo de palavras, como aliteração.
Até onde sistemas de punição e recompensa incentivam crianças a ler?
O problema é que oferecer recompensas para as crianças mostra para elas que você não acredita que a leitura é prazerosa e uma recompensa por si só. Você não ofereceria uma recompensa para uma criança comer um pedaço de bolo.
Recompensas têm o potencial real de sair pela culatra porque são algo que oferecemos quando sabemos que a criança nunca iria querer fazer algo por vontade própria. Você está dizendo ao seu filho: “Isso não é algo que espero que você faça sozinho”.
Crianças maiores chegando à adolescência costumam perder o interesse pela leitura. O que os pais podem fazer para colocá-las de volta no caminho da leitura por prazer?
Assegure-se que o seu filho tem tempo para ler – e isso inclui limitar o tempo com celular, computador e videogames. Continue mostrando que a leitura é um valor familiar. Continue dando livros de presente no Natal, por exemplo.
Como os pais podem nutrir o hábito pela leitura com tantas distrações tecnológicas?
Primeiramente, não há provas de que os dispositivos digitais estejam nos impedindo de nos concentrar. Se você observar a maneira como os psicólogos normalmente medem a atenção, não há evidências de que ela tenha realmente diminuído nos últimos 50 anos.
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Acredito que os pais e professores pensam que estão vendo algo nisso. Eles acham que as crianças são mais distraídas do que há 10 anos e culpam os dispositivos digitais. O que todos os dispositivos digitais têm em comum é que eles fornecem entretenimento instantâneo. E o entretenimento que eles proporcionam requer muito pouco esforço. Está sempre disponível. Há variedade praticamente infinita. Portanto, a conseqüência pode ser que o alcance da atenção não diminuiu, mas o que mudou são nossas atitudes.
Por isso, para ajustar as atitudes das crianças, é necessário limitar o tempo com dispositivos digitais. A analogia que faço é que a leitura é uma fruta deliciosa, mas os dispositivos digitais são como doces: crianças gostam de frutas, mas se elas apenas comem doces, a fruta não consegue competir.