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Existe uma mudança importante acontecendo nas escolas de ensino fundamental de uma série de países tão diferentes entre si quanto o Canadá e a Malásia, a África do Sul e os Estados Unidos, a França e a China. Nos últimos anos, em todos esses lugares, a tecnologia vem sendo incorporada de forma a transformar toda a experiência de ensino e aprendizado.

De um lado, o professor passa a ser um mediador, atento às peculiaridades de cada um de seus alunos. De outro, o estudante participa de forma mais ativa da construção do conhecimento. Não se limita mais a ouvir aulas passivamente, fazer lição de casa e estudar para provas – ele passa a usar a tecnologia para desenvolver projetos que coloquem em prática a teoria que aprendeu. Essa tendência é conhecida como ensino híbrido. Ela já existe no Brasil, e é o mais próximo que a educação infantil deve chegar de instituir o ensino a distância (EaD).

Ensino da Bolívia a Bangladesh

Por mais que o presidente eleito Jair Bolsonaro tenha comentado, durante a campanha eleitoral, que pretende estimular o EaD no Brasil, mesmo para o ensino fundamental, retirar todas as crianças de uma região inteira do ambiente escolar é inviável – pelo menos, é algo que não foi tentado em lugar algum até hoje, com a exceção notável de um grande conjunto de escolas dos Estados Unidos.

No Brasil, o que a legislação permite, por intermédio do decreto nº 9.057/17, é o uso de ensino a distância na educação básica somente em situações emergenciais, como em regiões de difícil acesso, problemas de saúde, viagem para o exterior ou casos de privação de liberdade. Uma atualização do decreto, em maio do ano passado, chegou a deixar clara a intenção de liberar aulas em EaD a partir do 6º ano do ensino fundamental. O Ministério da Educação voltou atrás, o texto foi alterado no mesmo dia, mas o assunto ainda é discutido internamente.

Enquanto a alteração não vem, o ensino a distância para educação fundamental é utilizado, em pequena escala e em situações pontuais. “No estado do Amazonas, em municípios mais isolados, os estudantes seguem para um pequeno centro, onde as aulas são transmitidas por vídeo e um tutor acompanha as atividades”, explica João Mattar, pós-doutor pela Universidade Stanford, professor da Universidade Anhembi Morumbi e especialista em desenvolver disciplicas a distância para diferentes instituições de ensino superior brasileiras. Ele faz referência ao Centro de Educação Tecnológica (Cetam), que se tornou referência no ensino online para jovens. “E existe também”, continua o professor, “o case de sucesso internacional do Exército brasileiro”.

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Trata-se da atuação do Colégio Militar de Manaus, cujo sistema de EaD atende a mais de 500 estudantes de ensino fundamental e médio, filhos e dependentes de militares, que se deslocaram para postos distantes com seus pais. Eles vivem em cidades do interior do Amazonas e em países tão distantes quanto China, Suécia, Bangladesh, Bolívia e África do Sul. Quando os pais são transferidos, eles podem manter os filhos estudando por um sistema virtual.

Também existe o caso das crianças educadas em casa. No Brasil, o chamado homeschooling é vetado por lei, mas ainda assim estima-se que cinco mil famílias adotam a prática – recentemente, uma tentativa de torná-la válida foi vetada pelo Supremo Tribunal Federal. “Existem países, principalmente de língua inglesa, como Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, que têm uma tradição muito forte de homeschooling. Nesses locais, existe um grande mercado que fornece plataformas de ensino a distância, com material didático e tutores que auxiliam os pais”, explica João Mattar.

Mas o número de alunos atendido, nos dois casos, é relativamente pequeno. Para sistemas inteiros de ensino de países ou regiões muito grandes, o ensino híbrido é mais promissor.

Nova estratégia

Na verdade, no Brasil e em outros lugares do mundo, há muitas décadas que os alunos já são formados, em parte, longe das escolas. Afinal, eles fazem lição de casa, preparam trabalhos em grupo, leem e estudam para provas, tudo fora do ambiente escolar. A diferença é que, com a adoção da tecnologia, o tipo de atividade que se exerce dentro das instituições de ensino pode mudar, e o tempo que o aluno permanece dentro da escola pode diminuir.

“Algumas atividades dos cursos presenciais, tanto no ensino fundamental quanto no médio, podem ser realizadas a distância. É o que acontece em outros países: o aluno passa menos tempo na escola”, diz João Mattar. “Tudo isso considerando que, quanto menor a criança, mais tempo ela precisa estar na escola. Conforme caminha para o ensino Fundamental II, a partir do 6º ano, ele pode aumentar sua autonomia”.

É o que acontece hoje em países tão diversos quanto Canadá, Holanda, China, África do Sul, Malásia, Alemanha, Austrália, Israel, Áustria, Finlândia, Coreia do Sul e França: a partir da metade do ensino médio, a frequência à escola diminui. Ainda assim, o que se vê em um país como o Canadá, por exemplo, é que essa transição está apenas começando, em algumas províncias mais rápido do que em outras – Ontario, por exemplo, tem a meta de inserir todas as suas escolas no modelo híbrido. “A educação online como complemento do presencial ainda é a forma dominante do sistema escolar canadense”, afirma Lucio Teles, professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

“Em geral as escolas de tijolo e cimento ainda são a fonte primeira da educação do jovem. Em todas províncias existem iniciativas de educação a distância em varias escolas, mas na maioria dos casos estas são atividades complementares às atividades presenciais”. O que vem acontecendo por lá, diz ele, é a integração da tecnologia. “O que talvez possamos aprender deles é como ir progressivamente integrando a educação online ao sistema escolar regular, mas mantendo sempre as aulas presenciais”.

Mas o ensino híbrido vai além da simples reorganização do tempo em que se passa na escola. Quem explica é Lilian Bacich, pedagoga e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora geral de Pós-Graduação e de Pesquisa do Instituto Singularidades e organizadora do livro Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação.

“Com a tecnologia, você transforma o professor num designer de experiências de aprendizagem, capaz de atender o aluno que aprende melhor com vídeos, ou trabalhando em grupo. A tecnologia digital, portanto, não é um fim, mas um meio, para que o aluno consiga aprender melhor e com mais qualidade”. Algumas escolas particulares brasileiras já adotam o modelo – é o caso de instituições como o Colégio Dante Alighieri, de São Paulo Colégio Dinâmico, de Maceió, o Colégio Loyola, de Belo Horizonte e o Colégio Pastor Dohms, de Porto Alegre.

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Mudança com critério

Lilian Bacich coordena um curso online de formação de professores, que já formou mais de 20 mil profissionais para essa nova estratégia. “Com o ensino híbrido, o professor intercala momentos em que ele mantém a aula, da maneira como ele estava acostumado a fazer e os alunos estavam acostumados a ter”, ela explica. “Mas ele começa a transformar alguns momentos da sua prática, da sua rotina, em momentos em que a tecnologia se integra de maneira que faça sentido, tanto para ele quanto para os alunos”. E isso acontece de forma muito prática, com os alunos sendo estimulados a produzir vídeos, criar blogs colaborativos ou desenvolver aplicativos.

Funciona? Sim, desde que toda a estrutura de ensino seja realmente alterada. “O potencial da tecnologia para os alunos de ensino fundamental é muito grande, desde que ele não seja utilizado para assistir um vídeo, para ficar jogando um joguinho. Esse tipo de coisa a criança já faz sozinha”, afirma Lilian Bacich. “Não adianta trocar a palestra pelo Power Point, ou um livro didático por um tablet”.

Essa é, de fato, a maior crítica ao ensino híbrido, ou a qualquer outro modelo que coloque crianças para estudar a distância: o risco de que essa seja apenas uma estratégia comercial para reduzir custos. Afinal, colocar crianças para assistir vídeos em casa reduz a demanda por espaço, e trocar professores por tutores poderia configurar uma simples estratégia para diminuir a qualidade – e o preço – da mão de obra.

Em artigo publicado no jornal Washington Post, a repórter especial Valeria Strauss dá um exemplo: “A Fundação Rocketship, uma das redes de escolas que mais crescem fora dos Estados Unidos, adotou um modelo de ensino híbrido para crianças desde o jardim de infância. Combina o ensino online com as atividades em sala de aula para enxugar US$ 500 mil ao ano, em salários de professores. Para chegar a essa economia, a empresa cortou os professores pela metade e contratou adultos mais baratos para supervisionar e monitorar estudantes em laboratórios de computação.”

Os Estados Unidos são, de fato, o país que mais se aproxima de instalar o ensino quase todo a distância para alunos de ensino médio e fundamental, diz José Moran, professor aposentado de Novas Tecnologias na USP e um dos fundadores do Projeto Escola do Futuro, pesquisador de projetos de inovação na educação. “Hoje, mais de 280 alunos de ensino fundamental e médio estudam nos Estados Unidos quase o tempo todo online, e os resultados são insatisfatórios”, ele afirma. “Na comparação com estudantes do ensino tradicional, em geral os alunos a distância se saem pior em matemática e conhecimento do idioma. É o problema de formar pacotes padronizados para grandes quantidades de alunos e reduzir custos ao trocar professores por tutores”.

O que funciona, diz o professor Moran, é usar a tecnologia, mantendo os alunos uma boa parte do tempo na escola. “O ensino fundamental exige que as crianças sejam orientadas e acompanhadas de perto. Escolas com modelos híbridos, que usam a tecnologia para melhorar o resultado do ensino tradicional, tendem a funcionar melhor.”

Diferentes estilos

Os sete principais modelos de ensino híbrido, segundo o instituto Clayton Christensen:

Rotação por Estação: A escola é organizada em estações, pelas quais os alunos transitam. Algumas oferecem métodos tradicionais, outras apresentam conteúdo online.

Laboratório Rotacional: A diferença em relação à rotação por estação é que a parte online do conteúdo é ministrada dentro de laboratórios de informática.

Rotação Individual: Nos dois casos acima, ao fim do percurso, o estudante precisa passar por todas as estações. Aqui, o aluno passa apenas pelas estações de que precisa para cumprir uma determinada tarefa.

Sala de Aula Invertida: Tradicionalmente, o aluno assiste a aulas na sala de aula e faz os deveres em casa. Neste modelo, o aluno assiste às aulas em casa, em vídeo. Na sala de aula, o professor coordena projetos e exercícios.

Flex: Neste modelo, o aprendizado é formado basicamente por atividades e tarefas, que estimulam o aluno a desenvolver o raciocínio lógico. Os professores fornecem apoio e instrução conforme a necessidade.

À La Carte: É adotado por escolas que pretendem complementar o ensino com disciplinas eletivas, que são fornecidas por sistemas de EaD.

Virtual Enriquecido: O aluno vai à escola para sessões de aprendizagem presenciais, mas passa boa parte do tempo em casa, estudando por sistemas a distância, com aulas em vídeo, fóruns de dúvidas e exercícios realizados pelo computador.

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