A ausência de uma definição distinta das responsabilidades para Estados e municípios sobre o ensino fundamental provoca confusão e disputa por matrículas entre as redes no país. Para especialistas, o atual modelo pode impactar negativamente o aprendizado dos alunos e os investimentos nas escolas.
No Brasil, a gestão desta etapa da educação básica ocorre de três formas. Municípios assumem as séries iniciais e os anos finais ficam sob responsabilidade dos Estados, chamando essa divisão de ensino fundamental 1 e 2. Embora menos comum, em alguns lugares, o Estado tem participação maior do que municípios - geralmente os municípios são majoritários na gestão ou assumem os noves anos que formam toda essa etapa da educação.
Apesar de a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) estabelecer distintamente a educação infantil como exclusividade dos municípios, o ensino médio como dos Estados e o superior da União, o ensino fundamental é a única etapa da educação básica que tem responsabilidade compartilhada, destaca o presidente do Conselho Nacional de Educação, Eduardo Deschamps: “Como não há um divisão de responsabilidade legal e clara, cada Estado e conjunto de municípios vão se organizando com política específica própria.”
Segundo ele, esse modelo tem como principal problema a disputa entre as redes pelos estudantes porque elas determinam a distribuição dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), depositados em uma conta e distribuídos de acordo com o número de alunos. Apenas dez Estados do país têm complementação de recurso por meio de repasse da União, diz Deschamps.
Um estudo do Inep sobre o ensino fundamental no país, divulgado em setembro de 2017, mostrou que, com 5,3 milhões de alunos, a rede estadual tem uma participação de 43,1% no total de matrículas dos anos finais, dividindo a responsabilidade do poder público nesta etapa de ensino com os municípios, que possuem 5,1 milhões de alunos (41,9%). Com 10,4 milhões de alunos, a rede municipal tem uma participação de 68% no total de matrículas dos anos iniciais e concentra 82,9% dos alunos da rede pública.
Não estabelecido
Para o professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Ocimar Munhoz Alavarse, a tendência de municípios assumirem as fases iniciais e os Estados as finais revela que o ensino fundamental não se estabeleceu na prática.
“O problema de fundo é que criamos a ideia de ensino fundamental, que chamo de unidade pedagógica, mas que na prática está bastante segmentada. São poucas redes onde todas as escolas oferecem o ensino fundamental. Faz remontar a ideia que ainda temos primário e ginásio embora isso tenha acabado em 1971, quando foi criado o primeiro e segundo grau”, diz
Deschamps defende que o ensino de crianças de 4 até 10 anos seja administrado pelos municípios, cobrindo a educação infantil e os anos iniciais do fundamental. Já as matrículas dos alunos de 11 a 17 anos, do fundamental 2, ficariam com os Estados.
“Na discussão do sistema educacional que agora está em vigor propomos deixar mais clara essa atribuição. Essa foi uma proposta que fizemos que poderia ser levada para dentro da LDB, dentro dessa lógica do sistema de educação. Não teria mais disputa por alunos e cada um estaria com sua etapa bem definida”, afirma.
Entre as consequências das disputas por matrículas, Deschamps diz que “pode haver pouco uso eficiente do recurso”, prejudicando a manutenção das escolas. “Pode não ter organização pedagógica mais próxima entre um e outro ente federado e isso pode dificultar processo de transferência dos alunos”, enfatiza.
Responsabilidade x Capacidade
Para o presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação) e também professor da Faculdade de Educação da USP, Rubens Barbosa de Camargo, as responsabilidades entre Estados e municípios deveriam ser definidas de acordo com as condições regionais de cada ente federativo. Combinado a isso, o educador sugere que o caminho para fugir da “guerra entre redes” é determinar um valor de custo por aluno: “O ideal é estabelecer o patamar mínimo para que municípios, Estados e União possam oferecer ensino de qualidade para todos.”
Segundo ele, o conceito de custo, aluno e qualidade já está previsto no Plano Nacional de Educação para ensino infantil, fundamental e médio.
Para Camargo, o Fundeb é uma boa fórmula, embora os valores sejam desiguais entre os entes federativos por não existir um valor igual por aluno a ser aplicado em todo o país. “A distribuição funcionaria como se fosse o SUS. Cada ente colocaria uma parte para compor uma espécie de valor mínimo nacional a ser praticado no país”, conclui.
Investimento na educação infantil deveria ser a parte mais importante de um programa educacional. Você concorda? ð¤Via Ideias
Publicado por Gazeta do Povo em Quinta-feira, 2 de novembro de 2017