Com a incerteza sobre o fim da pandemia, o ensino a distância se tornou alternativa para muitos brasileiros que buscam uma graduação ou especialização. A procura por cursos de EaD cresceu no país desde março. Por outro lado, a inadimplência e evasão também aumentaram - tanto nos presenciais quanto na modalidade de ensino remoto.
Quando as medidas de isolamento social começaram a ser adotadas e forçaram a suspensão das aulas, muitos alunos trancaram as matrículas nos cursos presenciais ou até mesmo desistiram de continuar estudando. Eles foram afetados diretamente com a crise pela perda de emprego ou redução de renda. A pesquisa Cenário Econômico Atual das Instituições de Ensino Superior Privadas, divulgada pelo Semesp, apontou que a inadimplência no ensino superior cresceu 51,7% em maio deste ano em comparação ao mesmo mês em 2019.
Em abril de 2020, o levantamento mostrou que a inadimplência foi maior nos cursos presenciais. Passou de 14,8% no ano passado para 23% neste ano. Mas isso não quer dizer que a crise não atingiu os cursos EaD. Eles registraram 21,3% de inadimplência no mês de maio, ante 19,6% no mesmo mês do ano passado.
Esse cenário forçou as instituições de ensino - públicas e privadas - a criarem alternativas para dar impulso ao EaD. Tempo de mercado, capacidade tecnológica, de pessoal e de conteúdo foram alguns fatores apontados por empresas do setor como os principais responsáveis pela superação das dificuldades impostas pela pandemia. Aquelas que já adotavam a modalidade antes desse contexto garantem ter obtidos excelentes resultados mesmo em meio à crise.
Benefícios do EaD
O ensino remoto permitiu que milhares de alunos continuassem estudando de forma remota. Instituições particulares de ensino superior ouvidas pela reportagem, tais como Cruzeiro do Sul e Fundação Getúlio Vargas, já tinham essa modalidade consolidada e conseguiram aumentar o número de alunos e também ampliaram a grade de cursos para atender a essa nova demanda do atual período.
De acordo com o diretor de Relações Nacionais da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Carlos Fernando de Araújo, instituições como essas estão conseguindo se destacar mesmo com a crise, exatamente, porque elas têm o EaD de forma amadurecida e integrada. “Elas conseguiram transferir as atividades do presencial de forma mais tranquila, porque já tinha capacidade tecnológica, de pessoal e de conteúdo, além de elas estarem preparadas para realizar as atividades de forma síncrona ou assíncrona ", explica Araújo.
Para o especialista, o impacto nos cursos a distância tem sido muito menor do que nos presenciais durante a pandemia. “Os cursos EaD, no geral, têm menor necessidade de encontros presenciais. Então, o impacto nesses cursos foi pequeno. Por outro lado, os cursos EaD que chamamos de semipresenciais deixaram de ter as atividades por causa do distanciamento social obrigatório. Mas isso está sendo bem controlado pelas instituições”, avalia o diretor.
Novos cursos
A Universidade Positivo, que agora pertence ao grupo Cruzeiro do Sul, apostou no modelo e lançou cerca de 50 novos cursos de graduação em sua plataforma institucional. Um levantamento realizado pela instituição registrou aumento de 68% em matrículas para cursos EAD ou semipresenciais, entre março e maio, em relação ao ano passado. Administração, Pedagogia e Ciências Contábeis foram os mais procurados, segundo a instituição. A Positivo abriu 8.750 novas vagas na modalidade EAD.
Para o reitor da universidade, José Pio Martins, o crescimento no número de alunos de EAD no ensino superior tem forte poder de transformação social, pois envolve pessoas que dificilmente poderiam cursar a graduação presencial. "Além do baixo custo, em comparação aos modelos tradicionais de ensino, os cursos EAD têm sua metodologia de enfoque maior na prática profissional, o que é ideal para uma aprendizagem à distância. No atual cenário, o ensino pode ser encarado também como oportunidade, não só de qualificação, mas também de adaptação às circunstâncias", afirma.
Já a Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo treinou cerca de 900 professores, repensou todo processo de avaliação, que foi substituído por atividades remotas, e criou uma nova modalidade de cursos a distância. A FGV também passou a oferecer uma nova linha conhecida como Live, que são aulas ao vivo por webconferência.
"A gente viu que foi um resultado positivo, com uma aceitação muito boa dos alunos do presencial", afirma Mary Murashima, diretora de gestão acadêmica do FGV IDE (Instituto de Desenvolvimento Educacional).
Como consequência do isolamento social, houve queda na procura dos cursos presenciais, mas, em contrapartida, os cursos online tiveram aumento expressivo. "Antes da pandemia, a gente tinha uma média de 92 mil visualizações por mês na plataforma de educação executiva. Desde a última semana de março, temos uma média de 644 mil visualizações desses cursos a distância, de curto prazo, de especialização e MBA online. Portanto, a venda dos cursos online aumentou", destaca Mary.
Segundo ela, a nova estratégia lançada pela instituição durante a pandemia tem atraído mais alunos. "O FGV live é justamente esse formato que usamos para adaptar e virar a chave dos alunos presenciais no momento da pandemia. A diferença dele para o presencial é que, quando a pandemia terminar, os alunos que ingressarem no formato Live terminarão esse curso por webconferência", explica Mary.
Além disso, a representante da FGV avalia que o ensino a distância será encarado de uma nova forma após o contexto da Covid-19. "As pessoas conheceram e perderam o preconceito [com o EAD]. Experimentaram alguma coisa que elas não conheciam e gostaram. É uma modalidade que você tem as mesmas vantagens do presencial, com os mesmos professores, mesmos programas e dinâmicas de interação. O aluno está dentro de um conceito de turma, mas com a vantagem que ele não tem que se deslocar até a unidade ou ainda não precisa se expor a nenhum risco de contágio", ressalta.
Atualmente, a instituição tem uma média de 12 mil alunos por ano nos cursos curtos, e cinco mil alunos, em media, nos de especialização e MBA.
Impacto negativo
De acordo com o diretor da Abed, as instituições que não tinham expertise tecnológica ou de recursos humanos na educação a distância tiveram dificuldades de se adaptar a esse novo momento. O impacto negativo se refletiu inclusive na demissão de professores.
"Algumas instituições deram férias para seus professores e imaginaram que, quando voltassem, não teriam mais a Covid e as atividades presenciais já teriam retomadas. Ou então deram férias para poderem de adequar às necessidades desse novo momento", afirma.
A professora e representante da FGV lembra que a inadimplência, por exemplo, alcançou todas as instituições, sem exceção. Mesmo assim, segundo ela, não fugiu do controle na instituição em que trabalha.
"É algo perfeitamente normal em função do volume de nossa operação. Apesar de conseguirmos virar a chave e que não ficamos parados deixando esses 30 mil alunos sem atividades, a saída desse modelo para nós pode ser mais complicada. A parte ruim é que não temos expectativas sobre o retorno desse presencial", salienta Mary.
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