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Um jovem formado em um bom curso técnico tem melhor inserção no mercado de trabalho e maior chance de crescer na carreira do que quem cursa apenas o ensino médio ou mesmo quem conclui um curso superior. O problema é que poucos sabem disso e o ensino técnico permanece sendo encarado como inferior, uma alternativa restrita a quem não consegue entrar para uma universidade. É o “patinho feio” da educação brasileira, atraindo menos de 10% dos jovens matriculados no ensino médio. Deixar de lado os preconceitos com esse tipo de formação, alertam especialistas, é um desafio que, se vencido, vai ajudar muitos jovens a encontrar lugar no mundo do trabalho.
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De acordo com o Censo Escolar 2021, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 7,7 milhões de alunos matriculados no ensino médio, apenas 726 mil (9,36%) cursavam alguma formação integrada à educação profissional. É um número pequeno quando comparado com o de outros países. “Na União Europeia, quase 48% dos alunos fazem ensino médio técnico. Nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que engloba 38 nações, entre elas, Estados Unidos, Coreia do Sul, Espanha e Suíça], são 37% dos alunos”, pondera Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (CEIPE-FGV) e professora visitante da Faculdade de Educação de Harvard.
Esses números são ainda mais preocupantes quando se leva em conta os índices de estudantes que conseguem acesso à universidade. No Brasil, hoje 88% dos matriculados no ensino médio estão na rede pública e apenas 20% dos jovens entre 18 a 24 anos estão em uma universidade, ou seja, poucos têm acesso ao ensino superior.
Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, isso indica que o ensino médio é a última política universal de educação disponível e deve ser melhor aproveitada para a formação dos jovens. “Até a reforma, o ensino médio era essencialmente preparatório para a etapa seguinte. Porém, se 80% desses jovens não vão fazer faculdade, estou preparando eles para nada. Então, temos que fortalecer tanto o ensino médio técnico quanto o acesso às universidades”, explica Cláudia.
Um ou outro, só que não
Um dos preconceitos atrelados ao ensino técnico é o de que ele seria um substituto inferior do ensino superior, o que está longe de ser verdade. Na realidade, são portas de entrada diferentes no mundo profissional e que, juntas, podem ampliar a experiência dos novos profissionais e aumentar suas chances de sucesso.
A superintendente do Itaú Educação e Trabalho, organização que atua no fomento do ensino técnico no país, Ana Inoue, explica que ainda prevalece uma visão arcaica sobre o ensino técnico. Ela ressalta que a possibilidade de o jovem fazer um curso técnico no ensino médio pode ser um grande diferencial quando a formação é de qualidade. Para ela, os jovens cada vez mais querem conquistar um trabalho, ter sua independência, e por isso é preciso defender a formação para o mundo do trabalho.
Segundo ela, antigamente, o ensino técnico era uma formação mais fechada, limitada, voltada para o desempenho de uma profissão. Já a universidade era encarada como uma abertura para o mundo, em constante expansão. Assim, quem fazia um curso técnico não tinha a perspectiva de desenvolvimento na carreira, ao contrário de quem entrava para a universidade. Essa ideia distorcida permanece, mas não corresponde à realidade dos atuais cursos técnicos.
“Quando pensamos no mundo hoje, não existe nenhuma chance de você não continuar se formando ao longo da vida. Por exemplo, no mundo da tecnologia, existem profissões ligadas a esse campo que não existiam há dez anos. Se você tem um curso técnico no começo da sua vida profissional, isso abre possibilidades. A gente precisa pensar que o exercício da cidadania se dá pelo trabalho. É importante que as pessoas se insiram de uma forma digna no mundo do trabalho”, ressalta.
Como exemplo dessa ideia errada sobre a formação técnica, Ana conta o caso de um jovem que recebeu uma bolsa para um curso técnico em edificações. No entanto, ele decidiu rejeitar a oportunidade porque, na sua visão, essa formação o colocaria em um horizonte profissional ruim, já que ele não queria “ser um pedreiro”. Ele justificou não querer a bolsa por ter acompanhado as dificuldades de seu pai e avô, pedreiros e mestres de obra, e que tiveram uma vida dura, com muitas dificuldades. Ele achava que aceitando a bolsa e tornando-se técnico em edificações estaria limitado a exercer as mesmas funções do pai e do avô.
“É claro que ele não quer isso [uma vida difícil] para ele. Por isso é importante saber comunicar, fazer os jovens entenderem de que forma o que está sendo oferecido dialoga com os seus sonhos. Se a gente não dialogar com a aspiração dos jovens, você pode oferecer o que quiser, não vai rolar”, explica Ana.
Menos evasão na universidade
Muitos estudantes que fazem o ensino técnico também passam pelo ensino superior. Segundo um estudo do Insper, encomendado pelo Itaú Educação e Trabalho, os egressos do ensino técnico têm mais chances de estarem matriculados no ensino superior do que os alunos do ensino médio tradicional. Conforme a pesquisa, isso aponta para duas possibilidades. Uma é a de que o ensino técnico pode preparar melhor os alunos para o vestibular ou Enem; a outra é a de que o conhecimento técnico e melhor inserção no mercado de trabalho já na juventude façam com que os jovens busquem complementar seus estudos adiante, ou tenham melhores condições de fazê-lo.
O melhor preparo dos estudantes que passam pelo ensino técnico é confirmado por Marcelo Krokoscz, diretor do Colégio FECAP, instituição privada com mais de 100 anos de história em São Paulo (SP). Para o professor, o ensino técnico ajuda o aluno a ter mais assertividade na escolha de um eventual curso superior, o que reduz a chance de evasão na universidade. “A cada dois dos nossos alunos, um deles se mantém na carreira escolhida no curso técnico no ensino superior. Se ele estudou Meio Ambiente aqui, faz Engenharia Ambiental ou outro curso relacionado a esta área na faculdade”, detalha Krokoscz.
Segundo ele, 80% dos alunos matriculados na instituição realizam um curso técnico de forma integrada ao ensino médio. Entre as opções ofertadas, encontram-se itinerários formativos em Inteligência Artificial, Programação em Jogos Digitais, Comércio Exterior, Multimídia, entre outros.
No exterior, as políticas públicas favorecem essa complementação entre ensino técnico e superior e ainda auxiliam a solucionar gargalos de mão de obra qualificada. “Na Coreia do Sul, eles criaram escolas de ensino médio técnico de tecnologia de ponta. Se você concluir essa escola e trabalhar três anos nessa área, você pode ir, sem o temido vestibular coreano, para a universidade cursar uma engenharia equivalente ao que você estudou. Aí, você cria um caminho interessante tanto para a conexão do mercado de trabalho quanto para o estudo futuro”, complementa Claudia.
Novo Ensino Médio
A implantação do chamado Novo Ensino Médio, iniciada neste ano, pode ser uma forma de dar mais espaço para a formação técnica dos estudantes brasileiros. De acordo com o novo modelo, os estudantes podem aprofundar seus aprendizados nas áreas de linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza ou investirem em uma formação técnica. As ofertas dessas opções dependem da capacidade das instituições de ensino.
“Antes da reforma no ensino médio, tínhamos quatro horas de aula diária em média e 13 matérias obrigatórias. Nenhum país com um bom sistema educacional tem isso. Tem questões que precisam ser aperfeiçoadas, mas o Novo Ensino Médio criou uma oportunidade muito interessante para os cursos técnicos: você pode tanto ter o ensino técnico integrado ao ensino regular quanto pode ter qualificações profissionais menores dentro dos itinerários, como uma formação de programação dentro do itinerário de Matemática, o que é bastante positivo”, reforça Claudia.
Em São Paulo, o Novo Ensino Médio começou a ser aplicado nas escolas públicas estaduais já no ano passado. “Na primeira série os estudantes têm formação geral básica, que ainda não traz tantas mudanças estruturais. No nosso caso, os itinerários formativos começam na segunda série. Então, em 2021, os estudantes da primeira série conheceram as novas propostas para poderem fazer suas escolhas e agora, em 2022, estão cursando os itinerários”, detalha Gustavo Mendonça, gestor do Ensino Médio na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Esse novo modelo educacional já está implantado em todas as escolas estaduais paulistas, que são obrigadas a ofertar, pelo menos, dois itinerários formativos -- que não necessariamente englobam cursos técnicos. No total, são 10 opções de itinerários de áreas de conhecimento e mais 21 opções de cursos técnicos, oferecidos por meio de parceria com escolas técnicas. “Quem faz o curso técnico está tendo um engajamento muito grande, especialmente de olhar para o mercado de trabalho de uma maneira mais cuidadosa. Nesse momento de retomada econômica, muitos estudantes precisavam e vão continuar precisando trabalhar, e o curso técnico tem sido uma oportunidade importante para que eles estejam motivados a seguirem na escola”, explica Mendonça.
Cursos de Finanças, Serviços Jurídicos, Nutrição e Dietética, Recursos Humanos, Desenvolvimento de Sistemas e Informática para Internet estão entre as opções ofertadas na rede estadual paulista.
No caso do Colégio FECAP, que é particular, a integração entre ensino médio e técnico já ocorria bem antes da atual reforma. De manhã, o aluno tem as aulas da base curricular e, no período da tarde, ele faz as aulas do itinerário técnico. “Para as escolas que já tinham essa modalidade conjunta, a novidade, praticamente, não foi nenhuma. No nosso caso, o aluno faz o técnico junto ao ensino médio. São duas matrículas, dois certificados e, desde o primeiro ano, o aluno ingressa fazendo o técnico ao médio”, afirma Krokoscz.
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