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Famílias educadoras com o governador Ibaneis Rocha na sanção da lei, no Palácio do Buriti
Famílias educadoras com o governador Ibaneis Rocha na sanção da lei, no Palácio do Buriti| Foto: Divulgação / governo do Distrito Federal

O Distrito Federal entrou para a história, nesta quarta-feira (16), como a primeira unidade da federação a ter lei específica sobre educação domiciliar. Depois da aprovação do texto pelos deputados distritais, amplamente comemorada neste espaço, o governador Ibaneis Rocha sancionou a Lei 6759/2020, ao lado de famílias que lutaram arduamente para que esse dia chegasse. Entre elas estava a minha.

Brasília, portanto, é o novo porto seguro para todos aqueles pais e mães que escolhem assumir o protagonismo na educação formal de seus filhos. Se muitas famílias já praticavam essa modalidade, agora podem fazê-lo sem o fantasma de que um injusto e descabido processo por “abandono intelectual” infernize permanentemente o cotidiano de seu lar.

Nesse sentido, a lei do Distrito Federal traz mais do que segurança jurídica aos homeschoolers brasilienses, mas é um marco para todo o país. É a primeira a ser proposta pelo Poder Executivo local e sancionada por um governador, fato que, inevitavelmente, vai influenciar o avanço da tramitação de outros projetos de lei estaduais e municipais. Por isso, a todos os interessados nessa forma de educação, conhecer o texto é essencial.

Considero o capítulo primeiro da lei especialmente significativo, pois ali estão os princípios que regem o homeschooling no Distrito Federal: “a educação domiciliar, como direito humano reconhecido internacionalmente, é regida pelos princípios da liberdade educacional e do pluralismo pedagógico”. Nesse trecho, a lei refere-se aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos quais explicita-se a prioridade da família na escolha do tipo de educação que seus filhos receberão, uma verdade cristalina que tentou ser abafada pelos opositores da modalidade ao longo das discussões no parlamento.

No mesmo capítulo, o artigo seguinte pode parecer estranho aos recém-chegados no debate e exige certa contextualização. Nele é dito que a “a educação domiciliar é considerada como ensino utilitarista ou por conveniência circunstancial”, termo importado diretamente do acórdão sobre o assunto, referente ao julgamento da constitucionalidade da educação domiciliar, ocorrido no Supremo Tribunal Federal, em 2018. Em resumo, essa foi a definição encontrada pelo relator do acórdão, ministro Alexandre de Moraes, para especificar o tipo de homeschooling que seria compatível com a Constituição, diferenciando-o, por exemplo, do inconstitucional unschooling, forma de educação que exclui completamente o acompanhamento do Estado por meio de avaliações e fiscalização.

O capítulo seguinte passa a tratar do cadastro das famílias que optarem pela educação domiciliar. Nesse ponto, merece destaque o surgimento de uma figura nova, cujo conceito provavelmente será definido mais precisamente na regulamentação infralegal que virá do governo do Distrito Federal. Trata-se das Entidades de Apoio ao Ensino Domiciliar (EAED), uma das três opções de instituição nas quais os optantes pela modalidade poderão se inscrever. As outras são a Secretaria de Educação e escolas privadas, o que mantém o mesmo padrão de matrícula de quem hoje escolhe a educação escolar.  A instituição à qual a família se vincular funcionará como base para avaliações e demais procedimentos burocráticos. É o caso, por exemplo, da emissão do Certificado de Educação Domiciliar (CED), um documento inédito no Brasil que funcionará como comprovante de matrícula e de regularidade educacional, para todos os fins.

Para a obtenção do CED, segundo a lei, as famílias precisam demonstrar “aptidão técnica para o desenvolvimento de atividades pedagógicas”, contudo, o texto não define como exatamente se dará a comprovação de tal aptidão, o que pode ser definido posteriormente pela Secretaria de Educação. Outra opção para as famílias é a contratação de “profissionais capacitados”, ou seja, professores particulares.

Há ainda mais uma exigência inclusa na lei com o objetivo de garantir proteção às crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade social, de modo a impedir que o legítimo direito à educação domiciliar seja usado como pretexto para negligência. Trata-se da apresentação de laudos psicossociais a serem validados por uma banca composta de, pelo menos, um assistente social, um psicólogo e um pedagogo. As famílias que comprovarem aptidão técnica para exercer o direito de educar em casa ainda serão, posteriormente, acompanhadas por um conselheiro tutelar.

Como esperado, esse trecho não agradou àquelas famílias que desejavam uma lei mais liberal, com menor presença do Estado em suas vidas, mas, conforme aprofundado em outro artigo, a preocupação com os socialmente vulneráveis é justa, necessária para prevenir abusos, e, claro, sensibilizou os deputados distritais.

Essa lei, como qualquer proposta debatida entre parlamentares, é fruto do consenso possível no momento e não agradará a todos, mas o mais importante nela é que estabelece oficialmente o direito de educar em casa. Com ela, em todo o Distrito Federal, nenhuma família devidamente cadastrada como adepta da educação domiciliar poderá ser processada por não enviar seus filhos ao sistema escolar tradicional.

Os corajosos pais e mães que já haviam aderido à modalidade, mesmo antes da regulamentação, não precisarão mais temer uma possível e insensata denúncia anônima proveniente de vizinhos ou parentes opositores do homeschooling. Para as famílias educadoras de Brasília, haverá paz. Que seja o começo e que chegue a todo o país.

*Jônatas Dias Lima é jornalista e diretor-parlamentar da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.

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