Com a lentidão de reabertura das escolas para aulas presenciais, sobretudo nas instituições públicas, um grupo de organizações que atua direta ou indiretamente com a temática da educação criou o movimento #TáNaHoraDaEscola. O objetivo é ajudar na mobilização nacional pela volta às aulas, com a divulgação de informações (pesquisas, relatórios, planilhas e demais materiais) para todos os atores envolvidos no processo de retomada – gestores públicos, pais e responsáveis, profissionais de educação, entre outros.
Outros grupos, como o movimento Escolas Abertas ou os responsáveis pela campanha "Lugar de Criança é na Escola", já trabalham com o mesmo objetivo há algum tempo.
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No manifesto publicado no site do movimento, as organizações afirmam que o fechamento temporário das escolas foi algo necessário, mas ressaltam que o Brasil é um dos países em que as escolas ficaram fechadas por mais tempo. O texto cita a importância da retomada apontando não apenas o fator educacional, mas também aspectos como a alimentação fornecida às crianças nas instituições de ensino, e destaca prejuízos ao prolongar ainda mais o período de escolas fechadas.
Para esclarecer como será a atuação do #TáNaHoraDaEscola, a Gazeta do Povo conversou com Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal – entidade que integra o movimento e tem como foco de atuação a qualificação da educação infantil e o estabelecimento de políticas públicas para a primeira infância.
Qual é a importância da retomada presencial das aulas, principalmente na primeira infância?
Mariana Luz: A fundação Maria Cecilia Souto Vidigal existe há 56 anos, mas desde 2007 elegemos a primeira infância, que é o período do nascimento até os seis anos, como a causa na qual focamos 100% dos nossos investimentos e do nosso trabalho.
Isso se deve à potência que tem a primeira infância para a formação da criança. Essa é a fase em que estamos fazendo a formação mais potente do nosso cérebro. Ela fornece a base que vai além do desenvolvimento físico, que entra no desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Toda a base de quem você vai ser como cidadão adulto se forma nessa etapa da vida, e todas essas competências e habilidades que hoje tanto se pede no mercado de trabalho são formadas nesse período.
Então, nesses últimos 14 anos, temos atuado muito forte pelo fortalecimento do campo da primeira infância no Brasil. Há aproximadamente 20 milhões de crianças pequenas no país, das quais um terço vive em situação de pobreza ou extrema pobreza. E essa situação de vulnerabilidade é muito crítica justamente pelo caráter formativo dessa etapa da vida. Todos os bebês têm o mesmo potencial, mas o que vai definir o desenvolvimento pleno está relacionado às interações positivas e de qualidade, seja no âmbito da família – um ambiente estímulo, acolhimento, amor, brincadeiras, leitura, conversa, contação de histórias – ou da escola.
Se a criança pequena não está em casa, ela está na creche. E essa etapa, que na educação infantil se traduz por meio da creche até os 3 anos e da pré-escola aos 4 e 5 anos, deve ser um período valorizado, com qualidade na educação oferecida. Esse longo período em que a educação infantil permanece com atividades presenciais suspensas fechadas no Brasil, portanto, gera grandes impactos para o desenvolvimento dessas crianças.
Falando mais especificamente sobre a faixa etária da primeira infância, como tem sido o fluxo de retomada presencial na educação infantil?
Mariana Luz: Temos percebido uma evolução, muitas escolas estão se preparando para retomar. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) fez, em março, uma pesquisa sobre o movimento de reabertura, e eles divulgaram que 60% dos municípios brasileiros ainda estavam discutindo os protocolos. Ou seja, dos 5.570 municípios brasileiros, só 40% estavam preparados. Em um levantamento mais recente isso se inverteu e identificou-se que 60% dos municípios já estão com protocolos definidos. Porém, ainda estamos falando de quase metade que ainda não está preparada.
O que é exatamente o #TáNaHoraDaEscola e quais são os objetivos do movimento?
Mariana Luz: O #TáNaHoraDaEscola é um chamamento aos gestores públicos, às famílias e a toda a sociedade quanto à urgência da volta às aulas presenciais, entendendo que cada um tem seu papel para que nossas crianças e nossos jovens tenham assegurados seus direitos a uma educação pública de qualidade.
O movimento é formado por entidades que atuam com a agenda da educação e que resolveram se colocar a favor desse processo de reabertura segura. Essas organizações se juntaram para disseminar informações sobre a retomada segura e para estimular o debate sobre a volta presencial em todo o país.
O #TáNaHoraDaEscola tem dois papéis: o primeiro é o de oferecer informações confiáveis, relevantes e técnicas para a reabertura das escolas. Todas essas informações estão no site do movimento – há conteúdos para gestores públicos, pais e todos os atores envolvidos nesse processo.
O segundo é promover uma mobilização em torno da retomada. A sociedade como um todo precisa entender que chegou a hora de não apenas conversar, mas de colocar em prática as medidas de reabertura.
Não defendemos que tudo reabra ao mesmo tempo e a qualquer custo se não tiver condições. Por outro lado, defendemos que tudo o que tiver condições abra agora.
O #TáNaHoraDaEscola defende que todas as etapas de ensino voltem com segurança. Nós, da fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, desde o início da pandemia temos oferecido subsídios para o debate sobre o retorno seguro, sempre respeitando os processos da saúde, as curvas epidemiológicas. Esses subsídios aos gestores públicos têm como objetivo ajudá-los na tomada de decisão e nos protocolos de segurança adequados para retornar em segurança.
Mas o que vimos no Brasil, infelizmente, é que as aulas não voltaram. O Brasil é um dos países cujas escolas ficaram fechadas por mais tempo. Estamos no topo desse ranking global, e perdemos muito com isso.
Por que o movimento acredita que o momento atual é o mais adequado para voltar?
Mariana Luz: Temos um avanço significativo na vacinação: não só dos professores, mas de todos os profissionais de educação e também de todas as camadas da sociedade brasileira.
Além disso, já aprendemos nesse um ano e meio de pandemia sobre todos os protocolos. Precisa lavar a mão, ter distanciamento, ter ventilação e usar máscara – isso todo mundo está acostumado a ouvir e a fazer. É preciso desmistificar que os protocolos sanitários são inviáveis. É viável, a maior parte dos países já reabriu há muito tempo e nós estamos ainda só conversando sobre isso.
Muitas das nossas evidências estão ancoradas em experiências internacionais, em que houve aberturas e fechamentos, mas que as escolas em geral ficaram pouco tempo fechadas. Os dados que temos com relação a essas escolas que fecharam no período mais crítico da pandemia e reabriram logo na sequência é que os danos para a aprendizagem foram muito baixos.
Infelizmente, aqui no Brasil vimos muita coisa abrir, menos as escolas. A máxima de que a escola deve ser a última a fechar e a primeira a abrir deve ser a lógica do processo de lidar com qualquer situação como essa.
O que essas experiências nos mostram é: se há um pico de contágio, fecha e retorna assim que possível. E os protocolos têm sido eficientes para garantir que a escola não seja um foco de proliferação do vírus; isso está muito claro pelas evidências internacionais.
No Brasil, desde o fim do ano passado para cá houve poucas escolas reabrindo na educação pública e muitas na educação privada. E essas escolas que reabriram, em alguns momentos precisaram fechar de novo. E acho que é positivo, porque se cria uma segurança de que não é ficar aberto a qualquer custo, mas também não é ficar fechada para sempre, porque aí os custos serão muito altos.
O foco do movimento são, principalmente, as escolas públicas? Por quê?
Mariana Luz: Nessa volta às aulas ainda há um grande contraste entre a escola privada e a pública, e precisamos acordar porque o processo de valorização da escola pública e o processo de priorização dos que têm menos oportunidades, dos mais vulneráveis, é que vai levar a um caminho de vencer as desigualdades.
E quanto a essas vulnerabilidades, os riscos de esses alunos estarem fora das escolas são vários, porque a escola também é um ambiente de proteção e segurança. Temos, por exemplo, a questão da segurança alimentar, com muitas crianças fazendo as principais refeições na escola porque a família não tem condições de oferecer alimentação adequada, e da proteção contra a violência, uma vez que a escola é um dos principais locais de identificação ou até de denúncia de violência e abuso infantis.
Porém o direcionamento do movimento é mais amplo – é para o gestor público, no sentido de mobilizar aquele que não está pronto para reabrir as escolas com segurança, mas também é para as famílias, muitas delas ainda inseguras de enviarem seus filhos para as escolas. O #TáNaHoraDaEscola acolhe tudo isso.
Cada brasileiro é responsável para que essa retomada presencial aconteça. Vimos no Brasil uma grande mobilização pela saúde, hoje o que precisamos é colocar a educação também como prioridade.
Houve dano na aprendizagem? Muitos. Mas sabemos que o processo de desenvolvimento e aprendizagem são processo contínuos, é preciso enfatizar que é possível reverter. Porém a cada dia que passa sem retomar as atividades isso se torna mais difícil.
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