Em 2018, os alunos no Brasil deixarão de estudar gramática ou a Idade Média? Terão conteúdos mais simples de matemática nos primeiros anos do ensino fundamental? Não vão aprender em sala de aula como funciona a estrutura celular? Tudo indica que nada disso vai acontecer se o governo acatar o clamor da sociedade civil contra o plano de matérias previstas na primeira versão do documento que deve orientar os currículos da educação básica no Brasil, chamado de Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
LISTA: Veja abaixo algumas críticas à BNCC
Próximos passos
* O próximo 15 de março é o último dia para o envio de contribuições à primeira proposta para a BNCC, feita por 116 especialistas em educação de junho a setembro de 2015.
* Em maio uma segunda versão da proposta, feita a partir das sugestões recebidas, será alvo de debates nas secretarias de educação dos estados.
* Em junho de 2016, o MEC fará uma versão final e enviará para votação no Conselho Estadual de Educação.
Assim que o esboço da BNCC foi divulgado em setembro de 2015, entidades e especialistas se levantaram contra a simplificação do temário previsto para os ensinos infantil, fundamental e médio. A queixa principal é a retirada de assuntos considerados imprescindíveis e o empobrecimento da abordagem de cada tópico. História e Linguagens foram as áreas mais criticadas por prescindirem de matérias importantes.
Outros viram também no conjunto uma ‘ideologização’ do ensino, já que há uma grande ênfase em partes específicas da História da África e do Brasil, Literatura indígena e africana, em detrimento da História Universal e da Literatura Portuguesa e da própria gramática. Com as críticas, há também elogios, como a inclusão da estatística e da probabilidade na matemática já nos primeiros anos do ensino fundamental.
Agora, com o fim do prazo de consulta pública no site do Ministério da Educação sobre a BNCC na próxima terça-feira (15), que recebeu mais de 11 milhões de contribuições (o Paraná foi o estado com maior participação, com 2 milhões de manifestações), será elaborada uma segunda versão do texto que passará por uma série de debates em audiências nas Secretarias de Educação dos estados em maio. Em junho, o MEC fará um novo texto e o entregará ao Conselho Nacional de Educação para estudo e implantação. Em 2017 serão feitas revisões curriculares nas escolas para que, em 2018, a base sirva de guia para as escolas da educação básica e os exames nacionais.
Função social
A exemplo do que acontece em outros países, o Brasil precisa de uma orientação comum curricular para que seja fácil exigir que alunos da rede pública não tenham lacunas graves de aprendizagem. Isso não significa que as instituições tenham de se ater aos temas sugeridos, podem ir além, mas não fazer menos. Os parâmetros curriculares utilizados pelo MEC até então eram considerados incipientes e, por isso, o Plano Nacional de Educação, aprovado em junho de 2014, previu a criação da BNCC.
A grande esperança aberta com essa definição transformou-se em preocupação quando começou o processo. Antes da publicação da primeira versão do BNCC, educadores ficaram assustados com a falta de tempo para a discussão de pontos importantes. Depois, com as consequências da redução drástica do conteúdo.
“O texto como está tende a aumentar as desigualdades sociais”, explica Pedro Paulo Funari, do Departamento de História da Unicamp. De acordo com o pesquisador, caso a BNCC continuasse como está no esboço, os alunos de escolas públicas, que seguiriam prioritariamente a Base, teriam menos conhecimentos que seus colegas nas instituições particulares e, no futuro, tenderiam a ser preteridos no mercado de trabalho e nas oportunidades internacionais, como o Ciência sem Fronteiras, por exemplo. “Teríamos uma grande população com pouca compreensão de temas importantes e uma pequena elite preparada para galgar postos, o que é o que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, aumentando os abismos sociais”, exemplifica.
Em resposta a esta e outras críticas, o MEC garantiu que levará em conta todas os pareceres de especialistas. No site oficial da BNCC, há relatórios preliminares para a nova versão do documento, incorporando algumas das reivindicações feitas. “Acredito que teremos uma aceitação muito maior da segunda versão, mas sem perder os ganhos do primeiro texto”, afirma Manuel Palácios, secretário da Educação Básica do Ministério da Educação.
Como a melhoria da qualidade do ensino é o que inspira todo o processo de criação da BNCC, os especialistas acreditam que, diante de tantos pareceres negativos, o MEC acabará por incluir no texto inicial as mudanças mais significativas.
Autonomia
Uma vez definida a BNCC em junho de 2016, resta acompanhar como será a aplicação e fiscalização nas escolas. Ricardo Falzetta, do Todos Pela Educação afirma que, mesmo com a BNCC, as escolas continuarão a ter uma grande autonomia em todos os seus processos. “Como o próprio nome diz, a BNCC é uma ferramenta orientativa; caberá a cada escola a função mais importante que é a de garantir aos seus alunos uma educação de qualidade”.
O que é o BNCC?
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve definir quais são os conteúdos mínimos que devem estar presentes nos currículos de escolas de ensino infantil, fundamental e médio de todo o Brasil. A Constituição de 1988 previu a criação desse conjunto de assuntos, que foi regulamentado de diversas formas até agora. O Plano Nacional de Educação, em vigor desde 2014, determinou, como meio para cumprir suas metas de qualidade, a formulação de um novo BNCC que reúna esses temas e sirva de fundamento para a elaboração dos currículos das instituições de ensino.
Principais discussões sobre a BNCC
Teor geral
A BNCC traz esperança de melhorias no ensino do Brasil, mas a primeira versão do texto divulgada é preocupante. A BNCC, ao invés de incluir temas e abordagens que faltavam nos antigos parâmetros curriculares, retira temas e empobrece a abordagem de vários conteúdos.
História
Desaparecem assuntos importantes da História Universal, principalmente da Antiguidade e das Idades Média e Moderna. O currículo foca o estado nacional, principalmente o período posterior à Independência do Brasil. Para os especialistas, reduzir a aprendizagem principalmente a temas brasileiros dificulta a preparação da população para a interação do Brasil com outros países, e o enriquecimento que vem nessa troca de informações. Além disso, como nas escolas particulares dificilmente se deixará a formação clássica, a medida tende a aumentar a desigualdade social em relação aos alunos da rede pública: com menos conhecimentos, terão menores oportunidades no mercado de trabalho no Brasil e no mundo.
Português
As principais lacunas encontradas estão na gramática e na literatura. No caso da gramática, a partir do quarto ano do ensino fundamental falta uma proposta clara, apenas se menciona que a matéria deve ser trabalhada nos textos de estudo. Especialistas reafirmam a importância do estudo da norma culta e estranham as ausências de temas concretos.
Na Literatura, a linha cronológica de estudo deixa de existir. Hoje, por exemplo, os alunos de Ensino Médio começam a estudar a Literatura Portuguesa, com os textos trovadores galego-portugueses da Idade Média, depois passam pelo humanismo e classicismo em Portugal, até chegar à época em que a Literatura Portuguesa e Brasileira coexistem, em todas as suas etapas. A BNCC, porém, rompe essa ordem e propõe “produções literárias de autores da Literatura Brasileira contemporânea” e “obras africanas de língua portuguesa” e da “literatura indígena”. Professores louvam os conteúdos, mas alertam para a importância do estudo cronológico e da Literatura Portuguesa.
Matemática
Em geral, o conjunto de matérias manteve a divisão clássica seguida em grande parte das escolas. Isso trouxe críticas de especialistas que alertam sobre a importância da interação entre as diferentes áreas.
*** Fontes: Pedro Paulo Funari, professor do Departamento de História da Unicamp; Reginaldo Rodrigues da Costa, do curso de Pedagogia da PUCPR; Maria Tereza Carneiro Soares, professora da UFPR, do setor de Educação.
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