Em um prédio, meninas e professoras. No outro, meninos e professores. É assim que a Escola do Bosque, em Curitiba, separa seus estudantes dos ensinos fundamental e médio. O método de educação single-sex (ou sexo único, em tradução livre) faz parte da chamada educação personalizada. A escola (“do Bosque” para os meninos e “do Bosque Mananciais” para as meninas) foi fundada em 2010.
Defensores do método garantem que ele não é retrógrado ou conservador, tal qual eram as divisões por sexo praticadas até o início do século 20, por colégios religiosos e laicos. O objetivo básico “é atender às diferenças, respeitando as igualdades entre meninos e meninas, mas atendendo à peculiaridade que têm na forma de aprender e se relacionar”, explica a educadora María Elisabeth Vierheller. Vice-presidente da Associación Latinoamericana de Centros de Educación Diferenciada (Alced Argentina), ela esteve em Curitiba em outubro, no 5.º Congresso Latino Americano de Educação Single-Sex.
O método pelo mundo
Inspirado pelo educador espanhol Víctor García Hoz, o método single-sex foi popularizado na Europa. A Associação Europeia de Educação Single-Sex (Easse, na sigla em espanhol) conta com 152 escolas associadas, em cinco países, chegando a mais de 100 mil alunos.
Nos Estados Unidos, o departamento federal de Educação estima que existam 750 escolas públicas no país com ao menos uma classe single-sex e outras 850 instituições públicas com turmas totalmente separadas entre meninos e meninas. Também nos EUA, a Young Women’s Leadership Network (YWLN), que engloba mais de 100 instituições afiliadas, tem como missão promover a educação single-sex pública, a meninas de baixa renda e minorias étnicas. Há ainda outras entidades no país que promovem o método.
A Asociación Latinoamericana de Centros de Educación Diferenciada (Alced) foi criada em 2005, para promover o single-sex na América Latina. No Brasil, a Fomento Centros de Enseñanza, criada por Victor Garcia Hoz, é representada pela Solar Colégios, que promove a educação personalizada. A Escola do Bosque é mantida pela Associação de Educação Personalizada (Aep).
Entre as diferenças a serem reconhecidas e trabalhadas na prática pedagógica, os especialistas argumentam que os meninos teriam o hemisfério esquerdo do cérebro, ligado ao pensamento lógico, mais desenvolvido; as meninas, por sua vez, o lado direito, ligado à criatividade.
Assim, sem mexer no currículo – que é igual para ambos –, uma aula de Matemática pode exigir mais movimentação em sala de aula na turma dos rapazes, enquanto para as garotas talvez o modo o ideal de apresentar o conteúdo seja com ênfase na explicação verbal. A divisão dos docentes respeitando as características de cada sexo também facilitaria a conexão com os alunos.
Estereótipos
Livre docente da Universidade de São Paulo (USP) e estudiosa do gênero no âmbito escolar, Marília Pinto de Carvalho considera que há um problema de origem em separar alunos e alunas, por pressupor que as diferenças entre gêneros são “indiscutíveis e inevitáveis”.
“Desde muito cedo meninas e meninos são estimulados de formas diferentes e é possível que isso gere formas diferentes de como se apropriam do mundo e do saber. Resta saber se queremos perpetuar essas diferenças”, argumenta.
Estudiosa de práticas pedagógicas, a argentina Gabriela Galindez reconhece que o modelo single-sex objetiva “reforçar a masculinidade e a feminilidade” dos alunos. Mas ressalva que isso não significa “atacar nenhum sexo”.
Para María Elisabeth Vierheller, a separação não reforça estereótipo. Na sala single, argumenta, é mais provável que uma menina se sinta à vontade para estudar matemática ou que um menino goste de poesias de amor. É uma forma de incentivar a multiplicidade de masculinidades e feminilidades, defende.
Separação entre meninos e meninas enfrenta críticas
As diferenças de aprendizado e de comportamento entre meninos e meninas, na escola, relacionam-se antes à forma como as crianças são educadas e socializadas, desde pequenas, do que a características inatas, na opinião da livre docente da Universidade de São Paulo (USP) Marília Pinto de Carvalho, estudiosa do gênero no ambiente escolar.
Não são apenas diferenças de estímulo, como dividir as brincadeiras entre jogar bola e cuidar de boneca. Mas também de divisão de responsabilidades e liberdades, já na infância.
Em pesquisa com alunos do ensino fundamental, Marília constatou que é regra os alunos do sexo masculino se ausentarem das responsabilidades domésticas e brincarem na rua. A escola então vira “castigo”. Já as meninas relacionam o ambiente com maior liberdade do que em casa, além de assumirem responsabilidades já pequenas, o que explica a fama de “caprichadas” delas.
São sociabilidades que constituem o perfil do aluno. O papel da educação, então, seria “ampliar, e não restringir horizontes”. Contrária à divisão escolar – seja por gênero, classe social ou etnia – Carvalho acredita que é o projeto pedagógico deve “desenvolver todos os potenciais em todo tipo de criança, e não aprofundar as especificidades que as crianças foram adquirindo ao longo do projeto”.
Vice-presidente da Alced-Argentina, entidade de defesa da educação single-sex, María Elisabeth Vierheller argumenta que o método está embasado em estudos de diferentes áreas do conhecimento. Dentre elas, a neurociência, que trata das diferenças de raciocínio entre meninos e meninas.
Além disso, há pesquisas na área da Antropologia – sobre as “igualdades, diferenças e complementariedades” de homens e mulheres – da Pedagogia – com a didática sobre como ensinar conteúdos a cada gênero – e da Sociologia, que trata a forma como meninas e meninas se relacionam em um “ambiente natural e em um ambiente artificial, como é a escola”.