Braços debruçados sobre a carteira, bocejos nas primeiras horas da manhã e desinteresse pelo conteúdo das aulas. O cenário, familiar para boa parte dos estudantes brasileiros, pode ter uma justificativa além da falta de dedicação aos estudos. Entre debates sobre a nova matriz curricular e as reformas do Ensino Médio nacional, um assunto primordial para a educação – e discutido mundialmente – acabou perdendo relevância: o horário adequado para estar na escola.
Em 2015, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, através de pesquisas e levantamentos, apontou que o melhor cenário seria as aulas começarem a partir das 8h30, e não 7h, horário padrão nas escolas de lá. A justificativa: dois terços dos adolescentes não dormia a quantidade suficiente por noite. Enquanto o recomendado é um descanso médio de 8 horas, o jovem norte-americano descansa entre 5 e 6 horas.
Mesmo com o 8º melhor nível educacional do mundo segundo o relatório mais recente do Global Competitiveness Report, os Estados Unidos ainda não foram capazes de resolver o problema. Apenas uma em cada seis instituições adotou o novo horário, visto como “problemático” porque alteraria a divisão tradicional das classes.
Segundo Fernando Louzada, neurocientista da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em ciência do sono, no Brasil, onde a maioria das aulas do período matutino têm início às 7h30 (apesar de não haver legislação sobre o tema), a questão deveria ser levada além da adequação nos horários.
“Parte dos alunos – particularmente os adolescentes – não consegue suprir suas necessidades de sono por acordar às 6h ou antes disso”, argumenta. Ele prossegue: “Por outro lado, há aqueles que conseguem fazer isso sem maiores prejuízos. Estas diferenças ocorrem não apenas pelo desenvolvimento de rotinas mais ou menos adequadas, mas devido a características dos chamados relógios biológicos, algumas delas herdadas da família”.
Essas características, se consideradas pelo MEC, levariam a uma flexibilização ainda maior do que a proposta na mais recente reforma do Ensino Médio. Louzada, no entanto, crê que seria positiva para alunos e docentes se o conteúdo fosse adequado à capacidade cognitiva do aluno nesse horário.
“O que defendo não é o atraso puro e simples das aulas.”, justifica. “Nesses casos, a escola poderia começar mais tarde. Das 7h às 9h não haveria aulas ‘tradicionais’: o aluno poderia fazer, por exemplo, aulas de artes plásticas”.
Na avaliação do neurocientista, a reforma do Ensino Médio corrige um problema de décadas. O próximo passo natural é a adequação da carga horária e da matriz curricular. “Temos que pensar na escola do século 22, mas ainda estamos discutindo uma reforma na educação que se enquadra, no máximo, ao século 20”, ironiza.
Professora, palestrante e especialista em psicopedagogia do departamento de Gestão e Tecnologias da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Neide Noffs também vê com bons olhos a ideia de postergar a entrada do aluno na escola para um período mais tarde.
“O jovem brasileiro não entra nesse esquema orgânico de estudar às 7h; é uma luta”, reflete. “Acho mais adequado entrar um pouco mais tarde. É muito melhor iniciar às 8h do que às 7h. Se avaliarmos quem trabalha na secretaria das escolas, não estão lá desde cedo; entram depois das 8h. Então, que seja similar aos adultos e crianças”.
Neide reforça o argumento de Louzada quanto à flexibilização do estudo, principalmente no ensino em período integral. “Ensino integral é diferente de educação em tempo integral”, diz. “Uma coisa é ficar mais tempo na escola trabalhando a articulação e desenvolvimento do aluno em todas as suas dimensões; outra é ficar o tempo todo na escola com o mais do mesmo. O aluno deve ficar mais na escola, desde que seja para praticar atividades diversificadas”, avalia.
A psicopedagoga diverge, no entanto, quanto à reforma do Ensino Médio ser um primeiro passo em direção a esse ensino ideal. Na avaliação da professora, existem poucos adolescentes que já sabem qual caminho seguir. “Se perguntar para alguém com 16 anos, ele não vai saber dizer o que quer”, afirma ela, que teme a influência dos “lobistas da educação”.
Na avaliação de Elizabeth Haro, coordenadora da equipe do Serviço de Apoio Psicopedagógico da PUCPR, é importante relativizar a questão dos horários em que os alunos se sentem mais dispostos a estudar. Para ela, a questão é individual e não deve ser generalizada. “A dificuldade em executar determinadas tarefas pela manhã parece estar mais relacionada com o fato de se ter dormido o número de horas suficiente ou não”, afirma.
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