| Foto: Reprodução/ YouTube

“Joguei uma granada de som e luz em uma cela para duas pessoas, com 16 pessoas, e estourei alguns ouvidos”. “Fiz tortura e posso dizer: funciona, eles falam rapinho”. “Se você mata o traveco, com pinto, não é feminicídio”. Essas frases e outras que instigam à tortura e diversos tipos de violência foram ditas por professores da AlfaCon, um dos maiores cursos de preparação para concursos da Polícia Militar. Os vídeos, que podem ser visto abaixo, vazaram e foram alvo de uma reportagem publicada pela Ponte Jornalismo.

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Enquanto muitos vídeos, datados de 2018, foram excluídos logo após a repercussão recente, outros ainda podem ser vistos abaixo. Norberto Florindo Júnior, professor de Direito na instituição e ex-capitão da Polícia Militar de São Paulo, se vangloria dos assassinatos e torturas que cometeu durante sua carreira na PM:

Seu browser não suporta este formato de vídeo

"Nada como uma tortura bem aplicada. Se você não tortura, deixa comigo, eu faço isso, não tem problema nenhum. Minha consciência é livre, leve e eu sou bom nesse troço", fala. "Quando eu fui trabalhar no policiamento na rua, que eu torturava os cara (sic), nem os policiais acreditavam. Eu tenho uma afinidade com isso aí, eu não tenho dó, e torturo até umas hora (sic)".

Em outro momento, ele afirma que não é "o melhor professor de direito da AlfaCon", mas diz que é o que mais cometeu homicídios. "São 28 assinados, um embaixo do outro, e mais uns 30 que eu não assinei". Questionado por alunos, em um momento de "descontração", ele afirma ser "pós-graduado em tortura" e que pratica "abuso de autoridade sempre que possível".

Em 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) esteve presente em uma das aulas, junto com o professor Evandro Bitencourt Guedes. No momento da "autopreservação", diz o parlamentar, "esquece os tiros no joelho, é um na cabeça direto". "Sério, vamo (sic) parar com esse negócio, o que eu mais vejo aí é nego morrendo, enterro de colega", fala. "Tem que ser no automático, o cara tá com uma arma na mão? Filho, é a tua vida. Você só tem uma, não faz a tua mãe chorar, não".

Guedes também comenta um episódio em que comandou uma intervenção nos presídios do Espírito Santo, em 2007. "Nem posso contar essa história, só deu m****. Chegamos na porta da cela, botei todo mundo no fundo, mão na cabeça. O cara falou 'vai tomar no c*' (...) ele me cuspiu", conta. Após ficar irritado com a provocação, ele jogou uma granada de luz e som na cela.

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"Cara, não foi uma boa ideia", ri Guedes. "Todo mundo ficou quieto, a gente controlou todo o presídio, teve uns probleminhas, mas, fora isso, fora alguns ouvidos estourados, e fora algumas pessoas 'machucadinhas', o controle foi feito. Eu sempre amei fazer isso, desde o primeiro dia".

Apologia ao crime

Como explica Mariana Coelho Cantú, advogada criminalista
especialista em Direito Penal e Processual, "a exaltação e enaltecimento da truculência e violência já ocorridas em ações policiais, dirigidas a um número indeterminado de pessoas, inclusive a futuros policiais, revela uma espécie de defesa a violação aos direitos e garantias fundamentais da população como um todo".

O conteúdo dos vídeos pode ser classificado como delito de apologia ao crime, estabelecido pelo art. 287 do Código Penal. "Consiste em elogiar, enaltecer ou defender o crime como um fato que deve ser praticado", afirma ela.

A pena prevista para quem pratica apologia ao crime é de detenção, de três a seis meses, ou multa.

Quando os envolvidos no crime são militares federais e estaduais, eles estão sujeitos à responsabilização do Código Penal Militar, que "dispõe em seu artigo 156 que o Militar que fizer apologia (louvor, elogio, discurso de defesa) de fato criminoso ou autor do crime, que a lei militar considerar como crime, será devidamente responsabilizado", explica a advogada. Neste caso, também há pena de detenção, mas de seis meses a um ano

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"O discurso que dissemina a prática da tortura e homicídio por parte de agentes da lei, os quais tem a função precípua de proteger o cidadão, fomenta a violência e viola o bem jurídico protegido pela lei penal", conclui. "A paz pública, que consubstancia-se como o sentimento de segurança e tranquilidade que deve permanecer na sociedade".

Nota pública da AlfaCon

Em respeito aos alunos e a todos que se manifestaram sobre vídeos que circularam essa semana com declarações de um professor durante aula, o AlfaCon vem esclarecer que:

– Respeita a liberdade de cátedra e de ensinar de todos os seus professores, direitos constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não censura previamente o que é dito em sala de aula;

– No entanto, o que é falado por seus professores não reflete, necessariamente, a opinião do AlfaCon;

– Os direitos acima mencionados, contudo, também possuem limites e quando eles são ultrapassados por algum de seus professores ou colaboradores, o curso não pode se manter silente;

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– Diante disso, esclarece que não compactua e repudia qualquer tipo de violência, independente do grupo que seja dirigida;

– Por essa razão, após receber relato do ocorrido, o curso informa que analisou os vídeos, bem como outras aulas ministradas pelo professor, e decidiu removê-las de sua plataforma;

–  Outras medidas também estão sendo estudadas;

Com isso, o curso reforça o seu compromisso em levar conteúdo de qualidade a todos os seus alunos de modo a proporcionar o necessário para sua aprovação nos mais concorridos concursos públicos do país.

AlfaCon Concursos Públicos

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Cascavel, 25 de outubro de 2019