É verdade: há ideologia em sala de aula. Não deveria, mas há. Mas é verdade também que há pais que veem ideologia onde não existe, por exemplo só no fato de o professor propor a discussão de um tema. Um bom exemplo são as reações diante das propostas de redações de vestibulares e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): a mera inclusão de certos assuntos é entendida como propaganda de esquerda. Se existe o risco de o professor dar nota baixa para o aluno que contrarie sua opção partidária, a sensibilidade exagerada dos pais inviabiliza discussões importantes em sala de aula.
O perigo dessa postura é a criação de ‘feudos’ na sociedade, de grupos que ‘não se misturam’ e proíbem falar de temas que considerem perigosos. A falta de ensino leva ao desconhecimento, a ignorância à incapacidade de argumentação e esta, por sua vez, ao fechamento do diálogo, ao medo e à violência.
“Polarizações e radicalismos sempre existiram. O que é distintivo da posição atual é que as pessoas não têm mais nem uma disposição e nem capacidade e formação para discutirem racionalmente sobre as coisas, há uma espécie de ‘facebookização’ do diálogo, as pessoas argumentam com memes”.
“A cada revolução da tecnologia surgem novos parâmetros de comportamento [na história]”, explica Roberto Romano, doutor em Filosofia pela Universidade Sorbonne de Paris e professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, hoje, a rapidez da informação e a dificuldade de ‘digerir’ todo o conjunto de dados disponíveis aumentou a insegurança das pessoas, que tendem a ver nos outros e nas situações que não dominam um perigo que precisa ser neutralizado. Por outro lado, como têm pouco conhecimento cultural e histórico, e por isso capacidade limitada de argumentação, acabam acreditando facilmente em qualquer informação do mundo virtual. “Aquilo se torna uma palavra das escrituras, e não simplesmente uma demonstração ou uma tese científica que possa ser questionada”.
O fato de que se possa identificar uma clara tendência à esquerda nas instituições de ensino deveria ser um motivo para falar do tema e ajudar o filho a argumentar com respeito e conhecimento, a conviver com quem pensa diferente, a ter um pensamento próprio e não repetir apenas frases feitas. Por exemplo, para um filho que o pai acredita que está sendo ‘doutrinado’ sobre Marx na escola, a solução não seria apenas ir à escola ou querer abolir a abordagem, mas explicar melhor o pensamento do filósofo e apontar os equívocos.
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“Aí é um paradoxo. Se o filho chegou a casa dizendo que ouviu o professor falando horas sobre Marx, esse pai que ficou indignado dificilmente vai sentar e explicar para ele porque que a teoria econômica do Marx é absurda, o que não é complicado explicar; mas eles, em geral não fazem”, lamenta Gabriel Ferreira, doutor em Filosofia e professor da Unisinos. “Polarizações e radicalismos sempre existiram. O que é distintivo da posição atual é que as pessoas não têm mais nem uma disposição e nem capacidade e formação para discutirem racionalmente sobre as coisas, há uma espécie de ‘facebookização’ do diálogo, as pessoas argumentam com memes”.
Claro que tudo tem um limite e o pai pode usar outros meios – democráticos – se o professor proclama a violação dos direitos humanos ou chega a extremos inaceitáveis em sala de aula. Nesse caso, o pai, alertando para o fato, estaria interferindo na sociedade e ajudando a melhorá-la. O homeschooling, nesse sentido, que é uma opção a caminho de aprovação jurídica no Brasil, seria uma escolha ruim, na opinião de Gabriel Ferreira, se fosse motivada apenas pelo medo da ‘doutrinação ideológica’. “Se o homeschooling é feito porque a educação dada seria melhor da que o filho tem na escola, isso é um motivo justo; agora, meramente para evitar que ele seja confrontado com suas crenças e valores, isso leva a uma atrofia na capacidade de reflexão, argumentação e na resiliência”, alerta.
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A culpa dos professores
Quando um professor da área de humanas ou de redação propõe um tema para debate ele deve ser neutro e trazer elementos para enriquecer, como leis, números e resultados de pesquisas científicas. “É necessário um equilíbrio. De um lado, a família precisa confiar no trabalho da escola, como mediadora de conceitos. Mas a escola também, assim como qualquer outra instituição, precisa fundamentar-se em fontes muito confiáveis para discussão”, afirma Cleuza Cecato, professora de produção de textos do Colégio Bom Jesus.
Ela lembra que o professor nunca deve impor uma resposta única e exclusiva e tratar um determinado caso como já resolvido. O melhor seria dar exemplos concretos de um tema para que os alunos possam exercitar a capacidade de argumentação.
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Mas isso, infelizmente, nem sempre acontece e compromete o conhecimento científico. “A escola que assume propostas de ordem ideológica-política não chega ao profundo do conhecimento, ela pega pela folhagem, ela propaga slogans, por exemplo, com o uso da linguagem politicamente correta no descrever situações”, descreve o professor Roberto Romano. “Muitas vezes são apresentados estereótipos, e aquilo é imposto aos alunos e os alunos mesmos podem questionam isso”, completa.
Nas discussões em sala de aula, a agressão deve ser combatida, também quando o aluno erra, usa frases clichês ou prega, em um momento passional, o desrespeito aos direitos humanos. “O professor tem de respeitar a imaturidade intelectual do aluno”, diz a professora Cleuza. “É preciso ponderar e conversar a respeito de exemplos e de outras relativizações, oferecendo uma oportunidade de ele entender melhor o mundo à sua volta e não de ser radical e extremista em qualquer situação”, finaliza.
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