Falta de suporte aos professores, condições limitadas de uso e conteúdo fraco dos livros provenientes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) são apontadas por educadores como razões que justificam o crescente investimento de redes públicas de ensino em material didático produzido por grandes grupos privados.
Municípios e estados interessados em melhorar o desempenho de seus estudantes têm deixado os livros gratuitos de lado e corrido atrás de suporte pedagógico, cursos de capacitação para docentes e obras adaptadas à realidade local. Índices mostram que a estratégia tem dado certo, ainda que seja preciso pagar pela qualidade que deveria ser de graça.
O PNLD distribui livros didáticos gratuitamente a escolas de todo o Brasil há quase 50 anos, mas coleciona críticas quando se compara as obras recebidas aos livros usados nas redes particulares.
Números do próprio Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão gestor do PNLD, sinalizam a substituição no uso do material didático. Nos últimos dois anos, 2.045 escolas de todo o país deixaram de participar do programa por não mostrarem interesse em receber os livros grátis, totalizando aproximadamente 4,6 milhões de alunos.
A Editora Positivo, por exemplo, criou em 2005 o Aprende Brasil, ramificação que atende exclusivamente a redes públicas. "Quando começamos, tínhamos 17 mil alunos em projetos piloto. Neste ano estamos atendendo quase meio milhão de estudantes de escolas públicas, espalhados em 286 municípios", revela Elen Goulart, coordenadora do Aprende Brasil. Ela cita como exemplos de clientes as capitais Recife e Aracaju, além de toda a rede estadual do Amazonas.
Ideb
Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) indicam que a parceria surtiu efeito. Em 2007, antes de contratar o sistema, somente 15% dos alunos da rede amazonense do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental mostravam ter o aprendizado adequado em Matemática. Em 2011, depois de dois anos usando o material didático contratado, o índice subiu para 28%. No caso da Língua Portuguesa, a melhora foi semelhante. O estado passou de 21% para 33% dos alunos com aprendizagem adequada.
Outros grupos privados consultados pela reportagem também confirmam o crescimento. A Abril Educação, por exemplo, está presente em 70 municípios nos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia. O Grupo Expoente, com sede em Curitiba, mantém contrato com 26 prefeituras em todo o país.
Contenda, na região de Curitiba, aposta em sistema contratado
O município de Contenda, na região metropolitana de Curitiba, optou por contratar um sistema de ensino particular para atender as necessidades não supridas pelo PNLD. No ano passado, a secretaria de Educação optou por reforçar a educação infantil do município, aderindo a um sistema de ensino privado. "Houve melhoria no processo de alfabetização e os resultados foram surpreendentes", diz a secretária de Educação, Vera Lúcia Cordeiro Bochenek.
Segundo ela, a melhoria no processo de alfabetização das crianças ficou evidente e os professores aprovaram a assessoria constante com a qual passaram a contar, o que facilitou os trabalhos da equipe técnica da secretaria. O bom desempenho motivou o município a ampliar o uso do novo sistema para as séries do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental em 2014.
Embora considere os livros do PNLD de boa qualidade, Vera lamenta a falta de integração entre os livros de um ano e do outro, ou mesmo entre as diferentes disciplinas, o que dificultaria o trabalho de uma mesma estrutura didática. Ela conta ainda que, algumas vezes, os livros enviados não correspondiam àqueles escolhidos pelos professores.
Acompanhamento
Sistemas de ensino privados, em geral, oferecem junto com o livro didático um serviço de suporte ao professor, que inclui equipe pedagógica de plantão para o esclarecimento de dúvidas, cursos para o bom uso do material e até alterações personalizadas nas publicações, conforme o pedido dos educadores. A ausência desse serviço no PNLD leva redes municipais a abrirem mão da gratuidade dos livros em prol de um melhor auxílio aos profissionais de educação. "No PNLD, a escola recebe apenas uma caixa de livros, aí cada professor faz o que achar mais interessante", diz Renaldo Franque. Segundo ele, os municípios buscam pelos serviços da empresa por falta de suporte do PNLD.
Autores de livros didáticos reclamam da avaliação das obras
A Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale) é uma das entidades a apontar incoerências no programa. Segundo a presidente da Abrale e autora de livros didáticos de História, Gislaine Azevedo, em diversos documentos da associação os autores de livros didáticos pedem mais transparência e vêm alertando que o atual modelo de avaliação das obras tem dado sinais de esgotamento.
Um dos pontos criticados seria a vulnerabilidade dos critérios às mudanças políticas que ocorrem em cargos estratégicos dentro do Ministério da Educação. Embora todos os livros apresentados para poderem entrar no programa devam se adaptar a um edital, a Abrale diz que as mesmas obras aprovadas e elogiadas numa seleção, já foram criticadas e excluídas na seleção seguinte, embora os critérios permanecessem praticamente idênticos. Como cada livro é usado por três anos, a mudança de opinião sobre determinada obra resulta em contradições.
A lista de críticas dos autores de livros ao PNLD inclui ainda o que chamam de "autoritarismo" dos pareceristas, ao justificarem a exclusão de uma obra, lançando mão de argumentos que não encontram respaldo nos editais. Como os pareceristas não têm seus nomes divulgados, os autores de obras rejeitadas não conseguem obter justificativas detalhadas do porquê foram excluídos.
Compromisso
Questionado sobre as críticas ao processo de avaliação dos livros, o MEC respondeu que mantém "rigoroso compromisso com a aprovação de obras marcadas pela excelência pedagógica e pelo rigor conceitual, teórico e metodológico". O ministério informou também que seus pareceristas passam por processos periódicos de formação e que têm o seu trabalho acompanhado por coordenadores da avaliação pedagógica. Sobre o anonimato dos pareceristas, o MEC disse que este corresponde ao pressuposto da imparcialidade e que as "informações fundamentais" dos processos avaliativos são tornadas públicas.