O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), considerado uma das vitrines do governo Bolsonaro na área da educação, tem se expandido de forma lenta pelo Brasil e ainda sofre resistência por parte de alguns educadores e juízes. Lançado em setembro de 2019, trata-se de uma ação do Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Defesa, que visa trazer aspectos da gestão escolar dos colégios militares, regidos por leis estaduais, e aplicá-los em um programa nacional.
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Em um caso recente, em junho deste ano, o juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, suspendeu a instalação de uma unidade do programa alegando que as escolas cívico-militares teriam um caráter "nitidamente ideológico". A Secretaria de Educação (Seduc-SP) informou que está analisando tecnicamente a decisão e pode recorrer da liminar, se for o caso. Mesmo com a suspensão, a secretaria de São Paulo informou que apenas duas unidades estaduais fazem parte do Pecim, uma em Pirassununga e outra no Guarujá. Ambas passaram pelo processo de adesão ao programa.
Sobre as escolas cívico-militares no Brasil, o ministro da Educação, Victor Godoy, informou que 130 colégios já foram implantados em todo o país e a meta é alcançar 216 escolas ainda neste ano. Ele participava da inauguração de uma unidade em Picos (PI) no fim de junho. "Nós já temos mais de 130 escolas implantadas em todo o país, temos uma meta de 216 que era para o ano que vem e a gente vai antecipar para este ano, implantar estas 216 escolas. É um programa muito bem-sucedido, que tem inclusive uma fila de espera de mais de 300 municípios para adentrar", afirmou o ministro no evento.
Segundo informações do Ministério da Educação, o programa está presente em 25 estados e no Distrito Federal. Ao todo, 320 municípios manifestaram interesse em aderir ao programa, mas somente 42 foram selecionados para participar do Pecim. Até o final do ano passado, foram 5.986 profissionais capacitados por meio da plataforma on-line, 85.292 alunos atendidos e 4.219 professores envolvidos no modelo cívico-militar.
Questionado sobre a lentidão no processo de instalação das escolas cívico-militares, o MEC não se posicionou. Mas alguns gestores ouvidos pela reportagem afirmaram que se trata de um processo burocrático e que exige a aprovação da comunidade escolar para ser implantado.
Situação em alguns estados que implantaram o programa
A Gazeta do Povo entrou em contato com algumas secretarias de Educação para saber como está a implantação do Pecim nas escolas. A adesão dos estados e municípios é voluntária e nem todos os governos estaduais aderiram ao programa federal.
Na planilha de implementação das escolas cívico-militares, disponibilizada pelo MEC, consta que em pelo menos dez estados somente escolas municipais aderiram ao Pecim. São eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Sob a gestão de Rui Costa (PT), a Bahia não aderiu ao programa federal de implantação de escolas cívico-militares, mas foi o estado que mais avançou na militarização de escolas em 2019. Segundo a Secretaria de Educação da Bahia, o estado conta com aproximadamente 100 escolas com regras militares.
Distrito Federal
O modelo das escolas cívico-militares já está consolidado no Distrito Federal. São 13 unidades de ensino contempladas na gestão compartilhada entre as secretarias de Educação e de Segurança Pública, e outras quatro com o Ministério da Educação.
O projeto é destinado a estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do ensino médio. Nessas unidades, os profissionais da educação ficam responsáveis, exclusivamente, pelo trabalho pedagógico e profissionais da segurança cuidam da disciplina.
Em 13 de junho, a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), requisitou à Secretaria de Educação do Distrito Federal novas informações sobre as escolas que estão em processo de adesão ao programa, assim como o cronograma e as etapas do procedimento. A pasta informou que 12 unidades de ensino fizeram adesão ao programa, mas no site da SEEDF estão listadas 17. Dessas, segundo a promotoria, dez não estão no ranking de escolas com maiores indicadores de vulnerabilidade escolar (IVE) - um dos critérios para a unidade poder funcionar no novo modelo.
Dias depois, em 25 de junho, uma escola na região administrativa de Samambaia teve a consulta pública para implementação do modelo cívico-militar suspensa pela justiça. Segundo informações divulgadas pelo Metrópoles, a Promotoria de Educação que afirmou a região administrativa já tem uma escola nesse modelo. Além disso, segundo o MPDFT, também não foi levado em conta o critério de volume de ocorrências policiais.
Em nota, a Secretaria de Educação do DF informou que "a audiência pública referente a implementação do modelo cívico-militar no Centro de Ensino Fundamental 427 será remarcada. A SEEDF informa ainda que está dentro do prazo determinado para responder a nova requisição de informações da Proeduc”.
A recomendação da justiça do DF é para que, enquanto as respostas sobre a adesão ao programa não forem fornecidas, a votação de novas escolas permaneça suspensa. Existem outras três escolas em processo de implantação na mesma região.
Goiás
A Secretaria de Educação de Goiás informou que o programa foi lançado com a previsão de instalação de duas unidades cívico-militares, e conta atualmente com seis escolas. A sétima unidade será inaugurada no município de Cidade Ocidental no segundo semestre deste ano. “A implantação foi feita na região mais vulnerável, que é o entorno do Distrito Federal”, informou a secretaria.
As escolas já em funcionamento no novo modelo cívico-militar estão localizadas nos municípios de Águas Lindas de Goiás, Valparaíso, Luziânia, Planaltina, Padre Bernardo e Santo Antônio do Descoberto.
Paraná
No Paraná, a secretaria de educação informou que são 12 colégios cívico-militares do modelo federal e 195 colégios cívico-militares do modelo estadual. Segundo a secretaria, as escolas que aderiram ao programa federal estão nos municípios de Colombo (1), Lapa (1), Cascavel (2), Curitiba (2), Foz do Iguaçu (1), Guarapuava (1), Londrina (1), Rolândia (1), Apucarana (1) e Ponta Grossa (1).
Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, o município de Canoas inaugurou em 27 de junho a sua primeira escola no modelo cívico-militar, conforme orientações do programa do Ministério da Educação.
Na inauguração, a diretora da escola, Jacqueline Fernandes, destacou a importância da unidade para a comunidade escolar. “A escola Cívico-Militar trouxe aos nossos alunos um comprometimento com a disciplina, ordem e respeito. Observamos, a cada dia que passa, um entrosamento para atingir as metas propostas pelo projeto. A comunidade está muito satisfeita com o trabalho desenvolvido com seus filhos. Os militares estão engajados junto ao Projeto Político-Pedagógico da escola, e trabalham em parceria com os docentes”, comentou ela em entrevista ao site da prefeitura.
“Não há influência sobre a grade pedagógica. O que mais se altera são as questões relacionadas à gestão das relações. Da porta da sala de aula para dentro, a autonomia é do professor e da equipe diretiva. Eles [militares] vão intervir mais no processo de regras, disciplina, boas condutas e valores éticos, civis e morais”, afirmou a secretária de Educação, Beth Colombo.
Minas Gerais
Em Minas Gerais, a Secretaria de Educação informou que “oito escolas da rede estadual de ensino integram o Programa Nacional das Escolas Cívico Militares (Pecim) e, atualmente, uma unidade segue em processo de indicação para a adesão”.
Conforme informações da pasta, Minas Gerais aderiu ao programa em 2020 e optou pelo Modelo I de Disponibilização de Pessoal, onde o Ministério da Educação se compromete a enviar o efetivo militar e, em contrapartida, o estado deve investir nos seguintes itens: reforma e investimento na infraestrutura escolar, quadro de pessoal, aquisição de itens de identificação da unidade e licitação dos uniformes.
Amazonas
O Amazonas também participa do Programa das Escolas Cívico-Militares desde 2020, conta com três unidades, e está em processo de implementação de mais três escolas neste ano. Atualmente, as unidades de ensino passam por capacitações, planejamento e treinamentos exigidos para a implantação do programa.
Das seis escolas, cinco são em Manaus e uma em Tabatinga. Na capital, são: Escola Estadual Professor Nelson Alves (2020), Escola Estadual Professora Tereza Siqueira Tupinambá (2020), Escola Estadual Professor Reinaldo Thompson (2020), Escola Estadual Fueth Paulo Mourão (2022), Escola Estadual Homero de Miranda Leão (2022). Em Tabatinga, a Escola Estadual Conceição Xavier Alencar (2022).
Tocantins
A rede estadual de ensino do Tocantins conta com nove unidades escolares que integram o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), segundo informações da Secretaria de Educação.
"O Pecim é um programa de grande relevância que oportuniza a diversidade do ensino na rede, novos investimentos na estrutura das unidades de ensino e que atende o interesse da população e dos estudantes tocantinenses.", ressaltou a secretaria.
O programa
O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) é desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC), com apoio do Ministério da Defesa e das Forças Armadas.
Os militares atuam no apoio à gestão escolar e à gestão educacional, enquanto professores e demais profissionais da educação seguem responsáveis pelo trabalho didático-pedagógico. O modelo tem o objetivo de melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas, considerando situação de vulnerabilidade social e baixo desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Nas unidades de ensino dos estados e municípios que têm interesse em aderir ao programa, os gestores realizam uma consulta pública e a comunidade escolar decide se aceita ou não a mudança. Cabe à secretaria responsável informar ao órgão federal qual foi a resposta da população. Caso haja interesse do MEC, a unidade passa pelo processo de preparação e capacitação, e depois implementa o programa no ano letivo seguinte.
As instituições contempladas precisam seguir os seguintes critérios, conforme a Portaria 1.072/20: 1) estar em uma região de vulnerabilidade social e com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); 2) estar localizada na capital do estado, municípios da região metropolitana ou em cidades de maior densidade populacional (de acordo com o último Censo do IBGE); 3) oferecer as etapas Ensino Fundamental II e/ou Médio e, preferencialmente, atender de 500 a 1000 alunos nos dois turnos (manhã e tarde); 4) possuir a aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo, por meio de consulta pública presencial ou eletrônica.
Publicada em 2019, reportagem da Gazeta do Povo explicou que as escolas cívico-militares se diferenciam das escolas militares porque continuam a empregar os professores da rede pública de ensino e, nessa configuração, elas também têm sido referência de qualidade de ensino. O estudo mostrou que se as notas fossem analisadas separadamente os alunos de escolas federais e militares teriam garantido ao Brasil o melhor resultado entre os países da América do Sul que participaram do Pisa 2018.
Mas, para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora de educação do Banco Mundial Claudia Costin, o modelo cívico-militar não deveria ser o caminho para garantir uma educação de qualidade. "Temos que melhorar a qualidade da educação. Gastar mais dinheiro com policiais e bombeiros não vai ajudar em nada. No curto prazo, pode até aumentar o Ideb, mas, no longo prazo, vamos estar robotizando as crianças e não é disso que a gente precisa. Precisamos melhorar a qualidade, formando professores, valorizando profissionalmente e avaliando continuamente a qualidade da educação onde estamos acertando e errando", argumentou.
A opinião não é consenso entre os especialistas. Em entrevista à Gazeta do Povo, Pedro Caldeira, professor na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, pesquisador na área de educação e diretor do núcleo de educação do grupo Docentes Pela Liberdade (DPL), afirmou que o formato das escolas cívico-militares é positivo especialmente pelo foco dado ao respeito aos professores, às regras da escola, aos símbolos nacionais e pela centralização nas aprendizagens dos conteúdos. Para Caldeira, o modelo tende a contribuir para superar problemas típicos em muitas redes de ensino, como comportamentos inadequados de parte dos alunos nos contextos escolares, desinteresse de parte dos estudantes e suas famílias pelas aprendizagens e, em casos extremos, a presença e o consumo de drogas dentro ou no entorno das escolas.
Ele ponderou, porém, que esse não é o único modelo alternativo ao formato das atuais escolas das redes públicas. “Mesmo o engessamento legal e normativo a que as escolas brasileiras estão sujeitas permite que outros modelos possam ser pensados, concebidos e implantados. As próprias escolas cívico-militares são o melhor exemplo, mas poderiam ser pensados outros modelos”, diz o pesquisador.
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