Ouça este conteúdo
A pandemia não acabou, mas já é possível prever alguns de seus impactos para a educação em termos globais. Um levantamento do Banco Mundial, publicado em junho passado e atualizado em fevereiro deste ano, faz projeções com base nos dados disponíveis em 174 países, que respondem por 98% das crianças de 4 a 17 anos do planeta.
Concluiu que, a depender da capacidade de reação dos governos locais, o fechamento das escolas pode significar uma perda de 0,3 a 1,1 ano de escolaridade ajustada pela qualidade – um indicador que mede não apenas o tempo que a criança fica em sala da aula, mas o quanto ela de fato agregou em conhecimento. Na média global, o total de aprendizado real dos estudantes de ensino básico, que estava em 7,8 anos de absorção de informações para uma média de 11,3 anos nos bancos escolares, deverá cair para entre 6,7 e 7,5 anos, a depender do cenário futuro.
Além disso, a crise econômica e a falta de acesso ao ensino provocados pela pandemia podem levar 11 milhões de estudantes de ensino básico a abandonar a escola em definitivo. “A exclusão do ensino e a desigualdade serão provavelmente mais exacerbados na medida em que serão mais atingidos grupos tradicionalmente mais vulneráveis, como meninas, minorias étnicas e pessoas com deficiência”, aponta o relatório em sua versão atualizada.
O impacto futuro para cada aluno foi estimado no estudo em US$ 366 a US$ 1776 em renda anual média, dependendo do cenário. “Em termos globais, o fechamento das escolas por cinco meses poderia gerar perdas salariais que somam, no cenário mais pessimista, até US$ 20 trilhões”, informa o texto.
“Antes da pandemia nós já tínhamos nos países de desenvolvimento uma taxa de pobreza de aprendizado na ordem de 53%, o que significa que 53 em cada 100 crianças de dez anos não conseguiam ler nem entender uma história simples, que seria o mínimo de proficiência esperada para a idade”, relata o economista João Pedro Azevedo, coordenador de estatísticas sobre educação do Banco Mundial e autor do estudo.
O trabalho indica que, de 720 milhões de crianças em idade de frequentar o ensino fundamental no planeta, 382 milhões (os 53%) têm aprendizado considerado pobre. Com a pandemia, outras 72 milhões vão entrar nessa categoria, elevando este total a 454 milhões. Ou seja, no cenário mais pessimista, que envolve mais de nove meses de escolas fechadas em países sem condições de entregar bons sistemas de ensino a distância, o indicador global vai saltar dez pontos percentuais, de 53% para 63%.
No ritmo anterior à pandemia, o Banco Mundial previa que, ao longo desta década, o percentual teria caído para 43%. “Esse resultado vem principalmente da perda de aprendizado, provocada não só pelas aulas que não foram dadas, como também pelo conteúdo que os alunos esqueceram”, afirma o pesquisador. “Educação é um trabalho contínuo, que pode se perder com interrupções”.
Reabertura e Saeb
O objetivo do estudo, afirma Azevedo, é municiar os gestores da educação para que eles possam atuar, com base em dados, para reduzir o impacto da Covid-19. “A pandemia pode ser uma oportunidade para a construção de um sistema educacional mais eficiente”, diz.
No caso específico do Brasil, o estudo prevê que a pobreza de aprendizado iria aumentar 12 pontos percentuais em relação aos atuais 48%. “Qualquer discussão, neste momento, tem que passar por uma abertura das escolas, com segurança. A carga viral das crianças é relativamente baixa, ainda assim existe o risco de contágio de outras pessoas da família. Muitas escolas têm problemas sanitários, o que torna a situação mais complexa”.
As plataformas de ensino a distância, diz ele, foram implementadas no mundo inteiro, com diferentes graus de sucesso. “Os países perceberam que não basta lançar plataforma, é preciso gerar conteúdo continuamente, para manter o grau de atratividade para as crianças”. O momento, diz o economista do Banco Mundial, é de avaliar e comparar diferentes iniciativas, para selecionar e aumentar o alcance das que se mostraram bem sucedidas.
Além disso, na avaliação de Azevedo, o Brasil tem a oportunidade de usar o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021 para estabelecer parâmetros de comparação com a edição anterior do levantamento, de 2019, e assim medir com qualidade o impacto da pandemia para a educação do país.
O Ministério da Educação cogita não realizar o Saeb neste ano. “Seria fundamental realizar o levantamento. Esta é uma ferramenta que gera dados que poucos países do mundo têm. As perdas estão aí, são gritantes e precisam ser remediadas com base em informações”.