“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. A frase proferida em 1989 pelo então senador norte-americano Al Gore, mais tarde vice-presidente dos EUA, é a origem de um dos maiores receios políticos da população brasileira: a internacionalização da Amazônia.
A suposta ameaça de perda de soberania sobre um dos maiores ecossistemas preservados do mundo vem sendo debatida e refutada nas últimas três décadas; uma das declarações de maior destaque foi feita pelo então senador Cristovam Buarque, em 2000, durante um debate em uma universidade nos Estados Unidos.
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“Antes mesmo da Amazônia, gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país”, disse o senador na ocasião, em discurso que se tornou parte da cultura popular brasileira nos anos seguintes; compartilhado nas redes sociais (e, antes delas, por correntes de e-mail) há pelo menos uma década.
O tema foi revisitado pelo então ministro da Defesa, Nelson Jobim, durante o III Seminário de Defesa em 2011. Segundo ele, a teoria de internacionalização da Amazônia é “esdrúxula”; todos os países da América do Sul sabem proteger seus territórios não só “para o bem de seus povos, mas também para o bem da humanidade”.
Controvérsia
Defensores da teoria argumentam que uma Amazônia internacionalizada já seria ensinada nos livros didáticos usados em escolas norte-americanas. A base para essa teoria é um mapa adulterado que mostra a área correspondente à floresta amazônica como um “território internacional” e que circula na internet desde o começo dos anos 2000.
A tese foi refutada repetidamente pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida, que atuava como ministro conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington em 2000, durante as primeiras discussões sobre o caso.
“Esta ‘notícia’ aparentemente tão alarmante não tem base”, diz Almeida. “Posso, sem hesitar, afirmar que os Estados Unidos não querem amputar um pedaço da nossa geografia nas escolas do país e que os supostos mapas simplesmente não existem.”
Farsa para propagar ideais
De acordo com Almeida, a teoria é uma farsa criada por nacionalistas de extrema direita e divulgada no Brasil pela esquerda, em uma tentativa de propagar ideais anti-imperialistas.
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“Essa história foi encampada pela extrema direita, que veio com esse soberanismo, o controle das ‘fabulosas riquezas da Amazônia’, o que é outra fraude. E a esquerda, pelo seu anti-imperialismo natural, seu antiamericanismo infantil, também fica repetindo essas bobagens”, explica, em entrevista à Gazeta do Povo.
“Em 2001 a notícia acabou sendo disseminada por professores da UNESP e da Unicamp, alguns supostamente militantes de esquerda, na verdade atuando aqui como ‘inocentes inúteis’ dos mesmos manipuladores da direita”, aponta.
A qualidade das imagens que circulam na internet e o próprio conteúdo delas evidenciam a farsa. “Esse é um assunto que surgiu há 17 anos, com montagens falsas, com livros supostamente feitos nos EUA e com inglês macarrônico”, pondera Almeida. “Na verdade, tudo não passa de uma fraude, feita aqui no Brasil e não nos EUA”, completa.
Apesar de o assunto ressurgir ocasionalmente, Almeida garante que a tese de que haveriam forças estrangeiras lutando pelo fim da soberania brasileira na Amazônia é “uma fraude, uma mentira”.
“Não existe e nunca houve um projeto de nenhum líder internacional sobre a internacionalização da Amazônia. O que houve foi uma preocupação com os problemas de preservação da floresta, aquela tese errada que não tem nenhum fundamento científico de que a Amazônia seria ‘o pulmão do mundo’. Existe uma preocupação de que, se a Amazônia fosse destruída, o mundo sofreria catástrofes ambientais irremediáveis, mas isso é outra bobagem”, conclui.
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