• Carregando...
Negociação com as escolas é o melhor caminham, orientam os especialistas
Negociação com as escolas é o melhor caminham, orientam os especialistas| Foto: Bigstock

A suspensão das aulas por causa do novo coronavírus vem gerando uma série de impasses entre pais e escolas particulares, tanto de ensino infantil quanto no fundamental e no médio. Muitas famílias tiveram redução de renda, seja por perda de emprego, diminuição da jornada de trabalho, comércio e serviços desaquecidos, entre outros motivos, e por isso grande parte delas têm buscado negociar descontos temporários nas mensalidades.

A preocupação, porém, não se limita ao aspecto financeiro. Enquanto algumas escolas têm conseguido se adaptar ao ensino a distância, outras passam por dificuldades de implementar um sistema online capaz de suprir as necessidades dos alunos e, assim, optam por prorrogar o calendário acadêmico para o período pós-pandemia.

Há, ainda, um agravante quanto ao ensino infantil: se, por um lado, o ensino fundamental apresenta um cenário mais favorável para aulas a distância devido à idade dos estudantes, na educação infantil a adaptação é muito mais complexa.

Diante desse cenário, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) publicou, no dia 8 de maio, a nota técnica nº 26/2020, com orientações para o consumidor quanto ao fechamento das instituições de ensino e a suspensão das aulas presenciais. No documento, o órgão destacou que medidas lineares de descontos não são adequadas ao cenário, já que, segundo a nota, “descontos lineares não conseguem ser proporcionais às realidades tão distintas das instituições de ensino e dos casos concretos e podem comprometer irreversivelmente a continuidade da prestação do serviço por parte de algumas instituições de ensino ou, ainda, afetar a qualidade do serviço prestado”.

A recomendação da Senacon é por negociações caso a caso entre os pais e a escola, considerando as diferentes realidades das instituições de ensino e as particularidades de cada família e/ou estudante.

De acordo com a nota: “No caso das instituições de ensino, essa premissa é ainda mais importante, seja porque as instituições possuem perfis, capacidades econômicas e características distintas, seja porque os alunos possuem idades, expectativas e capacidades econômicas diferentes. Para isso, a sugestão é, mais uma vez, a promoção de um ambiente de diálogo com as instituições pelos seus canais de atendimento, a fim de compreender quais medidas serão propostas para que se cumpra com o objetivo do contrato. Portanto, mais uma vez fica evidenciada a necessidade de os fornecedores ampliarem seus canais de comunicação e facilitarem o ambiente negociador”.

O conteúdo da nota técnica, entretanto, trata-se de orientação de um órgão administrativo e não possui força de lei. Apesar de haver propostas no Congresso Nacional e em algumas Assembleias Legislativas com o objetivo de obrigar as instituições de ensino particular a reduzir as mensalidades escolares – como é o caso do projeto de lei n° 1.163/2020, que propõe a redução de, no mínimo, 30% no valor das mensalidades das instituições de ensino fundamental, médio e superior durante o período de suspensão das aulas presenciais e que está em tramitação no Senado – por enquanto, com exceção de lei municipal do Rio de Janeiro, elas não foram foram aprovadas. E caso sejam, serão facilmente consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, que já julgou caso similar em 2009 (e, nesse caso, as famílias no futuro terão de pagar retroativamente os valores reduzidos).

De forma geral, cabe à escola prestar o serviço de educação de modo adaptado, como, por exemplo, por meio de aulas digitais ou reposição das aulas em momento posterior, garantindo a qualidade da prestação do serviço e o cumprimento da carga horária mínima; criar canais de comunicação com as famílias, tanto para tirar dúvidas quanto para solucionar eventuais conflitos; e estar aberta a analisar cada caso para eventuais aplicações de desconto nas mensalidades.

O posicionamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) é de que, se as aulas estiverem sendo oferecidas adequadamente, consideradas as diferenças entre as atividades presenciais e remotas, e suprindo as necessidades dos alunos, as mensalidades devem ser pagas. Contudo, o consumidor pode negociar um desconto ou pedir uma bolsa de estudo, já que algumas escolas reduziram parte de suas despesas, como energia, água e equipamentos, que são diretamente relacionados na definição do valor da mensalidade (conforme Lei 9.870/99), e isso pode ser repassado em abatimento nas mensalidades.

Negociação de descontos

Para Julio Engel, advogado especializado em Direito do Consumidor e sócio da Engel Advogados, a busca pela negociação para desconto na mensalidade com a escola deve ser feita de forma escalonada. E isso sempre prezando pelo bom senso entre as partes e tentando resolver tudo com base no diálogo. Segundo ele, os pais devem recorrer à Justiça somente em situações extremas.

“Nesses casos, o melhor é tentar uma resolução amigável, feita com ponderação, que é menos onerosa e permite chegar a acordos positivos”, explica. O advogado pontua, no entanto, a necessidade de registrar todos os contatos com a escola, seja pelo arquivamento de e-mails ou gravação das conversas telefônicas.

Em caso de haver pouca flexibilidade da instituição de ensino para negociar, o advogado do Idec, Igor Marchetti, destaca a importância de os pais agirem de forma coletiva: “Nossa recomendação é para que os pais se manifestem formalmente por meio de um comunicado, apresentando o seu questionamento a respeito da inflexibilidade nesse momento atípico. A Lei 9.870/99 estimula que os pais façam medidas coletivas, como abaixo-assinado, pois provavelmente é um problema que afete a grande parte das famílias e poderá ser resolvido de forma concentrada e mais rápido do que demandas individuais”.

Engel aponta que, caso as partes não cheguem a um consenso mesmo após o diálogo, os pais podem considerar fazer uma notificação extrajudicial para a instituição. “Essa notificação é uma ação mais formal, com fundamentação jurídica, que mostra que há ânimo, por parte da família, de realmente levar para frente essa discussão, caso não se chegue a uma resolução amigável”.

Em último caso, se ainda assim não for possível estabelecer um acordo extrajudicial, resta buscar a resolução por meios judiciais. “Uma ação judicial deve ser proposta apenas como última solução e somente após estudo minucioso de um advogado. Como não há uma legislação própria sobre o assunto, a Justiça vai analisar muito especificamente caso a caso”, explica o advogado.

Segundo ele, apesar de ser tratada conforme a particularidade de cada caso, pode ser mais eficiente quando um grupo de pais busca esse tipo de orientação. Também será mais econômica, já que haverá o rateio de eventuais despesas com as com advogado e custas do processo entre as famílias.

Atraso no pagamento das mensalidades

Nos casos em que houver atraso no pagamento das mensalidades, ainda que a inadimplência desobrigue a escola de renovar a matrícula do aluno que estiver inadimplente - conforme o art. 5º da Lei 9.870/99, permitindo-a acionar o devedor judicialmente, assim como incluí-lo nos cadastros de proteção de crédito -, a escola não pode proibir o aluno de participar das atividades pedagógicas, de acordo com o art. 6º da mesma lei.

“O ideal é a negociação. Mas, em caso de negativa por parte da escola, é importante destacar que os alunos não podem ser impedidos de cursar aulas ou provas, ou ainda ter documentos retidos, apesar de eventual inadimplência durante o ano ou semestre, conforme contrato”, afirma o advogado do Idec.

Serviço não prestado ou queda na qualidade do ensino

Se as aulas foram totalmente suspensas, sem a devida adaptação remota, ou quando os pais avaliarem que as aulas e atividades não estão sendo prestadas de forma adequada, o entendimento do Idec é de que o consumidor pode requerer o cancelamento da matrícula, sem ter que pagar multa, ou exigir um abatimento das mensalidades.

O mesmo entendimento se aplica quando as aulas a distância tornarem-se inviáveis ou inadequadas, como em algumas fases da Educação Infantil. Nesses casos, os pais não ficam sujeitos a pagar integralmente pelo serviço.

“Em situações em que o ensino fique inviável, entende-se que o consumidor não pode ser obrigado a pagar por aquilo que não está sendo disponibilizado”, ressalta Marchetti.

Prorrogação das aulas para o período pós-quarentena

Quanto à prorrogação das aulas para o período pós-quarentena, o advogado destaca que é possível o ajuste de calendário escolar para repor as aulas em um momento futuro.

No entanto, nesses casos cabe à escola disponibilizar um cronograma, mesmo que prévio, de como e quando ocorrerão as reposições de aula, para que os pais possam se programar.

“O direito à informação passa a ter um caráter ainda mais especial do que já tinha antes da pandemia. Condutas de boa-fé e transparência, garantidas pelo Código de Defesa do Consumidor, devem nortear as relações nesse momento”, observa Marchetti, do Idec.

Diretrizes nacionais para o ensino adaptado

No dia 28 de abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou um documento com diretrizes para orientar escolas da educação básica e instituições de ensino superior durante a pandemia do coronavírus. O material tem como objetivo orientar estados, municípios e escolas sobre as práticas que devem ser adotadas durante a pandemia e propor normas nacionais gerais.

A partir dessas normas, os conselhos estaduais e municipais de educação também formularão suas diretrizes para orientar as instituições de ensino, contribuindo para estruturar melhor as atividades adaptadas e reorganizar o ano letivo de 2020 e, consequentemente, reduzindo impasses entre famílias e escolas.

O documento foi homologado pelo MEC em 1.º de junho. Entre as medidas previstas para reorganizar o calendário, quando as atividades presenciais forem retomadas, estão ampliar o número de aulas por dia, estabelecer contraturno, aulas de reposição aos sábados e até nas férias.

Além disso, há a previsão de que uma série de atividades não presenciais sejam computadas para fechar a carga horária, tais como videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso e entregue aos pais ou responsáveis.

Estudantes afetados pelo mundo

O impacto na educação foi enorme não apenas no Brasil, que teve aulas suspensas em todos os estados, mas em todo o mundo.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), até agora, a interrupção do ensino presencial já afetou 1,57 bilhão de estudantes em 191 países.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]