Após estudantes paulistas ocuparem cerca de 200 escolas em São Paulo, na semana passada foram os alunos de Goiás que começaram a tomar instituições para protestar contra mudanças no sistema público de educação. Os jovens são contra projeto-piloto do governador Marconi Perillo (PSDB) que a partir de 2016 vai transferir para entidades privadas a administração de 23 colégios da rede estadual (de um total de 1.151 escolas). Medida semelhante foi implantada em 2004, de forma pioneira, no estado de Pernambuco, onde também enfrentou resistências.
Decreto assinado em outubro pelo governador de Goiás determina que a Secretaria Estadual da Educação faça, até 31 de dezembro, a seleção de Organizações Sociais (OS) sem fins lucrativos que passarão a gerir as escolas. As OS receberão recursos públicos para comprar materiais, fazer manutenções prediais e contratar professores (para o grupo de 30% de temporários atuantes hoje no estado). Em despacho publicado no dia 8 de dezembro no Diário Oficial de Goiás, Perillo afirma que a falta de agilidade na condução de licitações tem ocasionado demora na aquisição de bens e serviços para as escolas. Como as OS não são obrigadas a seguir as regras estipuladas para os contratos da administração pública, elas teriam mais facilidade para promover compras e obras.
Ainda conforme o governador, outra vantagem do modelo é que as organizações terão metas de proficiência a cumprir, o que colocará ênfase nos resultados. Caso os alunos da escola não alcancem a média estipulada, a administração será repassada a outra entidade.
O que é visto como algo positivo por Perillo causa preocupação entre estudiosos da área de educação. Para a professora Mirian Fabia, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, a medida pode levar à exclusão de estudantes com dificuldades de aprendizado, que comprometeriam o resultado da escola.
Doutora em Educação, a professora da Unicamp Theresa Adrião diz que inúmeras pesquisas, nacionais e internacionais, indicam que fixar metas de proficiência promove distorções na atuação de escolas e professores. Ela lembra que neste ano docentes de uma escola pública foram condenados à prisão nos Estados Unidos por falsificarem resultados dos testes dos alunos, em um esquema de fraude comandado pela própria superintendente de educação de Atlanta. A motivação seria o recebimento de bônus financeiros atrelados ao desempenho dos estudantes.
Resposta
As críticas são rebatidas pela superintendente de ensino fundamental da Secretaria de Educação de Goiás, Márcia Rocha Antunes. Ela explica que a pasta vai acompanhar as matrículas para evitar que as escolas “selecionem” apenas alunos com bom desempenho. Além disso, outros indicadores serão usados para avaliar a gestão das OS, como redução do abandono escolar e pesquisas de satisfação dos alunos e da comunidade. Um documento com as metas está recebendo os últimos ajustes e deve ser publicado em breve.
Escolas de Pernambuco se tornaram “ilhas” dentro da rede estadual
Há dez anos, o estado de Pernambuco adotou pela primeira vez no Brasil o modelo de “escolas charter” – escolas públicas com gestão compartilhada entre os setores público e privado. O sistema, que durou até 2007, chegou a 20 colégios de ensino médio, a partir de uma parceria entre a Secretaria Estadual da Educação e o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE). Livres de muitas leis e muitos regulamentos a que estão expostas as escolas públicas, as charter conseguiram inovar com mais facilidade na gestão do ensino, afirma a gerente de Educação da Fundação Itaú Social, Patrícia Mota Guedes. “Mas, como todo modelo charter, elas não teriam como ser a solução para os grandes desafios da rede estadual de ensino”, acrescenta.
A Fundação Itaú Social, em parceria com o Instituto Fernand Braudel, publicou um estudo com reflexões sobre o modelo pernambucano. Entre outras mudanças, as escolas charter daquele estado adotaram aulas em tempo integral (das 7 às 17 horas), aumento de 125% nos salários dos professores, seleção própria dos docentes e flexibilidade do currículo, com disciplinas opcionais. Além disso, os colégios passaram a receber mais recursos, pois eram financiados tanto pelo governo como pela iniciativa privada.
Os estudantes dessas escolas tiveram desempenho no Enem acima da média da rede pública de Pernambuco. Para Patrícia, entretanto, não seria possível expandir a experiência para todo o sistema estadual. “Não haveria recursos financeiros para garantir o padrão daquelas vinte escolas para toda a rede”, avalia. Ela considera que o modelo foi importante como fonte de ideias para a melhoria do ensino como um todo. (M.C)
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