Quando a pandemia da Covid-19 começou a apertar em todo mundo, a maior parte dos países optou por fechar as escolas e acabar com as aulas presenciais como tentativa de conter a disseminação do novo coronavírus. Levantamento da Unesco mostra que, em abril, 194 países estavam com os estabelecimentos de ensino fechados, medida que afetou 1,5 bilhão de estudantes – ou 90% dos alunos matriculados. Não foi diferente no Brasil. Desde março, as instituições de ensino estão fechadas e, apesar de estados e cidades estarem implementando ações para a retomada das atividades econômicas, pouco se debate sobre a reabertura das escolas.
Na maioria dos casos, a educação é listada como um dos últimos setores a retomar as atividades no Brasil, a depender da curva epidêmica em cada localidade. Enquanto isso, aos poucos, mais setores para além das atividades essenciais vêm reabrindo e trazendo um dilema para os trabalhadores que são pais: onde deixar as crianças em segurança se não há escolas abertas?
Nem todos os trabalhadores, que já precisam voltar à labuta, têm com quem deixar os filhos. Pelas mesmas questões sanitárias que levaram ao fechamento das escolas, não é recomendável deixar os pequenos aos cuidados dos avós, pois idosos são grupo de risco para a Covid-19. Ainda menos podem arcar com os custos de um cuidador.
Reabertura das escolas precisa ser planejada à exaustão
A imposição do problema sanitário levou as redes públicas e particulares a fechar as portas e adaptar conteúdos para um esquema de aulas remotas. Mas, até agora, não há um consenso entre os pesquisadores que estão estudando o novo coronavírus sobre o papel da escola na disseminação da doença.
Há estudos que demonstram que as crianças podem se tornar vetores da doença e contaminar uma grande quantidade de adultos; e outros que afirmam que o fechamento das escolas têm impacto pequeno na contenção da Covid-19.
É consenso entre especialistas em educação que as aulas no Brasil só poderão ser retomadas com o aval das autoridades de saúde. Mas, enquanto esse momento não ocorre, é hora de planejar como será esse retorno e manter um diálogo aberto com os pais.
No novo normal, a reabertura das escolas não significa que as atividades serão como antes – e isso inclui a quantidade de aulas presenciais e quantidade de alunos que serão recebidos nas instituições por dia.
O professor e consultor educacional Raph Gomes afirma que estamos passando por um momento de muitas indefinições e não há uma certeza de quando as aulas presenciais voltarão. “Olhando o contexto de hoje, dificilmente teremos retorno com todos estudantes ao mesmo tempo para as atividades nos mesmos dias”, diz.
Ele defende que esse é o momento para os gestores das redes pública e privada de ensino fazerem o exercício hipotético do retorno para esgotar todas as possibilidades e tentar minimizar os erros que eventualmente serão cometidos no momento em que as escolas de fato reabrirem.
O desafio é maior para o setor público, porque será preciso remodelar a prestação de alguns serviços e viabilizar verba para todas essas mudanças. “O pai que diz que não vai mandar o filho para a escola não tem confiança que há um planejamento seguro e robusto”, diz o professor.
O planejamento começa com a garantia de um distanciamento mínimo entre as pessoas: como as salas de aula vão preservar a distância de 1,5 metro a 2 metros entre os alunos?
Além disso, escolas terão de reforçar os informes sobre a etiqueta respiratória para os alunos, aumentar a frequência da limpeza de alguns ambientes e possibilitar o ensino além da sala de aula, usando estruturas abertas, como quadras ou espaços amplos, como bibliotecas.
“Do ponto de vista de logística, tem que ser pensado e o governo já tem que olhar pra isso. Se a gente faz o exercício agora de planejar olhando esse contexto, vai gerar aprendizado. Por exemplo: vou exigir que todos os estudantes tenham máscara? Então, eu [governo] tenho que ter máscara para fornecer para o estudante que vem sem. A solução não é proibi-lo de entrar. A escola precisa ter estratégia para trazer segurança para pais, filhos e professores, para não ser traumático”, defende o educador.
Diálogo com pais e sociedade será fundamental para a retomada
Essa fase de planejamento da retomada das aulas presenciais já dá algumas pistas do porvir, que também afetará outros setores da economia e vai ampliar o debate sobre o papel da escola, especialmente junto às comunidades mais carentes.
“O retorno é tabu, mas não dá para não discutir isso. É uma situação que a gente nunca vivenciou. Como é que essa família vai se sentir segura pra ir para o trabalho e deixar o filho na escola? As aulas vão retornar em algum momento e será muito desafiador. Quanto mais cedo planejarmos esse retorno, a gente tem mais chance de errar menos e trazer mais segurança pra todos”, diz Gomes.
Do ponto de vista pedagógico, o desafio das escolas é bem concentrado em fazer um recorte no currículo escolar para o tempo restante das aulas presenciais (que será menor), definir as habilidades estruturantes essenciais para o aluno avançar de ano, elaborar uma avaliação diagnóstica e preparar os professores para ensinar esse novo currículo.
“Tem uma série de atividades que as secretarias de educação podem planejar desde já para não perder tempo quando as aulas voltarem: tem que focar no aprendizado dos estudantes”, diz o professor.
A preocupação é justificada. Para ele, dificilmente todos os alunos voltarão à escola ao mesmo tempo – porque deve haver uma limitação da ocupação desse espaço a ser definida pelas autoridades de saúde – e as atividades não presenciais (pela internet ou TV) vão continuar ocorrendo. E, na definição de quem voltará para as aulas presenciais, os critérios socioeconômicos poderão se misturar com a avaliação pedagógica.
Gomes dá um exemplo: uma escola terá de definir um determinado porcentual de estudantes, pequeno, para frequentar as atividades presenciais. “Especificamente na escola pública, eu priorizaria aqueles alunos que já tem, naturalmente, mais dificuldade de aprendizado e os que não tiveram condições de acompanhar as atividades não presenciais, por uma questão de equidade. Se não der apoio para eles, vou criar um fosso entre os alunos", explica
Possivelmente esse recorte contempla grupos de alunos cujos pais não têm com quem deixar os filhos, diz Gomes. Ele ainda ressalta que é preciso olhar a questão da segurança alimentar: para muitas crianças, a merenda é a única refeição balanceada do dia.
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