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Estados começam a pagar novo piso nacional a professores; entidades apontam “rombo” nas contas públicas
Novo piso nacional a professores já é pago em 15 estados. Organizações de gestores dizem que reajuste de 33,24% é inconstitucional| Foto: Prefeitura de Santos

Perto de completar dois meses da publicação, pelo governo federal, da portaria que estabeleceu o novo piso salarial nacional para professores da educação básica, 15 estados já estão pagando os docentes da rede estadual de acordo com a nova remuneração. O piso nacional da categoria, valor mínimo que deve ser pago aos professores municipais e estaduais em início de carreira, teve reajuste de 33,24%. Para a jornada máxima, de 40 horas semanais, os vencimentos mínimos passaram de R$ 2.886 para R$ 3.845.

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De acordo com levantamento da Gazeta do Povo, 11 estados ainda não pagam o piso mínimo nacional: Acre, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. A maioria desses estados está negociando os vencimentos com a categoria ou aguardando aprovação das assembleias legislativas das propostas de aumento enviadas pelos governadores. As exceções são Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que concederam aumento ao magistério em dezembro do ano passado (quando o novo piso ainda não havia sido divulgado), mas permanecem com a remuneração abaixo do novo piso nacional.

Conforme o levantamento, os estados que ofereceram taxas de reajuste mais expressivas foram Acre (38,66%), Paraná (35,2%) e Pernambuco (35,1%) – o Acre, no entanto, ainda aguarda aprovação da assembleia legislativa para oficializar o aumento.

No cenário atual, os estados que oferecem os melhores salários iniciais para professores da rede estadual são Maranhão (R$ 6.358), Paraná (R$ 5.545) e Ceará (R$ 5.144), todos para carga horária de 40 horas semanais. Na hipótese de todas as casas legislativas confirmarem as propostas enviadas pelos governos, a média salarial de professores da rede estadual em início de carreira no Brasil passaria a R$ 4.352 (cálculo proporcional a 40h); valor médio 13% acima do novo piso nacional.

Na esfera municipal, o cenário é bastante variável nos mais de 5,5 mil municípios brasileiros. Com ainda mais dificuldades para conceder aumentos que ultrapassam 30%, em muitas cidades sindicatos têm feito greves constantes pressionando pelo pagamento conforme o novo piso. Entidades que representam os gestores municipais (leia aqui), entretanto, têm alertado para as consequências de aumentos tão expressivos e orientado os gestores que façam as reposições salariais sem levar em conta o índice divulgado pelo governo federal. Tais organizações alegam que a portaria que definiu o novo piso seria inconstitucional.

Como está o pagamento do novo piso nacional a professores nos estados

Em ano eleitoral, governadores e prefeitos querem evitar ao máximo qualquer desgaste com professores e, em alguns casos, não têm pensado duas vezes antes de enviar propostas bastante generosas de aumento à categoria.

Todos os acréscimos propostos pelos gestores devem ser validados nas casas legislativas. No entanto, de olho em próximas candidaturas, sobretudo deputados estaduais (cuja reeleição estará em jogo nas eleições deste ano) também buscam não desapontar a categoria e, com isso, em algumas casas legislativas os aumentos têm ocorrido “a toque de caixa” – no Ceará por exemplo, o projeto de lei que determina o aumento foi aprovado em menos de 24 horas após o envio à assembleia – ou têm sido aprovados por unanimidade, como foi o caso de Goiás e Pernambuco.

Parte dos estados que já pagavam remunerações iniciais acima do novo piso nacional deram aumentos pontuais, com taxas menores do que a de 33,24%. Por outro lado, de olho nas urnas, os governadores do Ceará e de Sergipe, que já pagavam acima do piso, concederam à categoria o reajuste integral, com 33,24% de aumento. No caso do Sergipe, se o Legislativo aprovar o ajuste, o estado ultrapassará o Ceará, assumindo a terceira posição entre os melhores salários iniciais na rede estadual.

No Amazonas, a “lua de mel” entre o sindicato de professores e o governador Wilson Miranda Lima (PSC) (que, no final de 2021, concedeu gratificações de quase R$ 40 mil aos educadores amazonenses com as “sobras do Fundeb”) foi abalada por pedidos de reajuste. O estado paga salários iniciais 23,5% acima do novo piso nacional; mesmo assim, o sindicato local pressiona por mais 17% de aumento e ameaça greve.

Diante da dificuldade em “fechar o caixa”, os aumentos aos professores têm gerado consequências a outras categorias de servidores. Em Pernambuco, por exemplo, enquanto os professores tiveram aumento de 35,1% outros servidores estaduais viram seus salários crescer somente 5%. Na Bahia, o aumento ao magistério proposto pelo governo foi de 16,1%, quatro vezes maior do que a taxa que o restante do funcionalismo receberá de reajuste.

Para dar conta dos ajustes aos profissionais ativos, educadores aposentados de alguns estados tiveram aumentos bastante reduzidos. No Paraná, por exemplo, o aumento foi de 35,2% para parte dos professores ativos, porém de apenas 3% para os inativos. De forma semelhante, o Rio Grande do Sul aumentou em 32% os vencimentos de professores ativos, mas concedeu apenas 5,5% de reajuste aos aposentados.

Veja abaixo como está atualmente o pagamento do novo piso salarial na rede estadual:

fcv

* A secretaria de educação do Amapá não retornou aos pedidos de informação da reportagem e, portanto, o estado não faz parte do levantamento.

Entidades dizem que taxa de reajuste é inconstitucional e alertam sobre “rombo” nas contas públicas

Para chegar aos 33,24% de reajuste, o governo federal usou o critério fixado no artigo 5º da Lei do Piso do Magistério, que determina que a remuneração mínima dos professores deve ser atualizada todos os anos no mesmo percentual de crescimento do custo mínimo nacional por aluno, utilizado no Fundeb (Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos Profissionais da Educação).

Como as regras do Fundeb mudaram em 2020 e passaram a ter um volume maior de recursos, inclusive com direito a “sobras” utilizadas de forma questionável pelos municípios, esse valor mensurado a partir do custo por aluno aumentou significativamente. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), o custo mínimo por aluno em 2021 foi de R$ 4.462, ou seja, 33,24% a mais se comparado a 2020, quando foi equivalente a R$ 3.349.

O aumento, entretanto, é questionado por diversas entidades que representam gestores municipais, como a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf). Essas organizações avaliam que o critério de reajuste anual do piso do magistério foi revogado com a Lei 14.113/2020, que regulamentou o novo Fundeb. Esse entendimento, inclusive, havia sido compartilhado anteriormente pelo próprio Ministério da Educação (MEC) a partir de um parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU).

Em nota, a CNM informou que a implementação do novo piso coloca os municípios em difícil situação fiscal e inviabiliza a gestão da educação no Brasil. A entidade aponta que os novos valores farão com que cerca de 90% dos recursos do Fundeb sejam utilizados para cobrir custos com pessoal, impossibilitando demais gastos relacionados à educação básica, como transporte escolar, aquisição de equipamentos e material didático e construção e manutenção de instalações e equipamentos necessários ao ensino. A CNM afirma ainda que os novos valores colocariam parte dos entes federados em “grave insegurança jurídica” e recomenda que os gestores municipais deem aumentos à categoria com base no índice de inflação.

A FNP também tem alertado que o reajuste de 33,24% é insustentável do ponto de vista fiscal. Recentemente, a entidade divulgou nota defendendo que a portaria que prevê o reajuste é inconstitucional e que, portanto, os gestores não estão obrigados a segui-la. “Cada município deverá, portanto, exercer autonomia de ente federado, podendo optar por conceder reajuste, sob qualquer índice, de acordo com o cenário financeiro e a legislação local, respeitando os limites de despesas com pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”, cita a nota.

Na mesma direção, a Abrasf orienta os gestores que não há obrigação legal de aplicar os 33,24% e recomenda que concedam aumentos aos educadores dentro de sua capacidade. À Gazeta do Povo, Jeferson Passos, presidente da entidade, afirmou que a aplicação do reajuste ao magistério representa para a maioria dos municípios brasileiros uma redução considerável de gastos com políticas públicas importantes e até mesmo a inviabilização de reajustes a outras categorias do funcionalismo público.

“Inicialmente vai ter que ser feito um ajuste em outras políticas públicas, o que acabará levando à redução de investimentos, ao sacrifício de gastos com obras de infraestrutura – obras de pavimentação, drenagem, construção de prédios públicos, como escolas e postos de saúde, entre outros”, explica o presidente da Abrasf. “Por força de uma majoração tão expressiva quanto essa, também diminui a disponibilidade de recurso para outros aumentos salariais. Então as demais categorias de servidores vão ter aumentos menores; isso é uma consequência inevitável”, reforça.

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