Os primeiros anos de vida escolar trazem experiências diárias em que o ‘ver com a mão’ é estimulado o tempo todo. Construir com blocos e massa de modelar, recortar e colar e achar novas utilidades para embalagens que iam para o lixo eram alguns dos principais instrumentos de aprendizado nesta fase. À medida que o estudante avança no ensino fundamental, porém, a prática costuma se descolar do conteúdo.
O chamado ‘movimento maker’ propôs nos últimos anos o resgate da aprendizagem mão na massa para todas as etapas da escola. Também chamada de ‘hands-on’, a abordagem tem alcançado resultados excelentes onde é aplicada – inclusive quando comparada à convencional. Nas experiências da Universidade de Stanford, por exemplo, os estudantes que aprenderam fazendo tiveram um desempenho 30% mais alto do que os colegas que desempenharam um mesmo exercício de maneira convencional.
“O que ficou claro é que o aprendizado, para ser interessante, tem que ser por projetos, mão na massa. Quando a criança aprende fazendo, acha que é fácil porque está aprendendo com prazer”, comentou Ana Maria Diniz, presidente do Instituto Península, durante a quarta edição do seminário internacional Transformar, realizado em São Paulo no início do mês.
A abordagem é um desafio para as escolas públicas, mas não impossível. “O Brasil vai ter de tomar uma decisão corajosa em investir no que realmente é importante em educação – e ter laboratórios, seja físicos, seja virtuais. Vivemos uma revolução da tecnologia como suporte para a educação. Se a criança não faz experiências e não vê experiências, a relação com ciências da natureza é uma relação muito superficial”, analisou Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, professora de Harvard e da FGV.
O dia a dia e o professor
Atrelada à robótica, à ciência da computação e às artes, a mão na massa contempla os conteúdos necessários a cada faixa etária, mas, além de ser apresentada de maneira prática, com foco no processo, pode ser organizada de maneira diferente, incluindo o espaço físico da sala de aula e a maneira com que se avalia.
Na escola High Tech High, localizada em Chula Vista, na Califórnia, o método escolhido é uma apresentação formal (incluindo os trajes) pelo qual o aluno vai falar e responder a dúvidas sobre um determinado projeto. Múltipla escolha passa longe dali.
“O principal obstáculo é mudar o comportamento humano. O professor tem que desejar mudar e acordar todo dia pensando: ‘o que eu vou fazer hoje para que meus alunos aprendam?’”
Como lidam na prática com ferramentas de adulto – programas de engenharia, impressoras, furadeiras, instrumentos de corte – os alunos são acompanhados de perto. “O pressuposto é de que eles manipulem apenas com o que já aprenderam a mexer. Ou com um adulto que faça com eles ou por eles”, explica Fabio Zsigmond, do Mundo Maker, espaço de educação criativa em São Paulo.
O aluno é estimulado a ter autonomia, desde os primeiros anos, e o papel do professor também se modifica. “Todas as vezes em que o professor puder deixar que o aluno lidere, que o faça. Às vezes, o estudante está à nossa frente. Permitir que ele assuma a liderança, sem se sentir constrangido, é parte desse aprendizado”, afirmou Nico Janik, coordenadora de makerspace/engenharia do Distrito Escolar de Ravenswood City.
Os especialistas concordam que, descontadas as dificuldades que todo o sistema escolar impõe, apresentar essa inovação depende muito da vontade individual. “O principal obstáculo é mudar o comportamento humano. O professor tem que desejar mudar e acordar todo dia pensando: ‘o que eu vou fazer hoje para que meus alunos aprendam?’”, considerou Zsigmond. “As práticas são simples, mas demandam esforço para aprender. Não é preciso conhecer tecnologia para começar. Entre os profissionais com que trabalhei, o que mais se adaptou ao mão na massa foi um professor de Geografia”, exemplificou ele, que tem em sua cartela de experiência desde teatro de bonecos robóticos em escolas particulares (como a que ilustra esta matéria, baseada em “Star Wars”) até a proposta de desenvolver ambiente mais seguro de trabalho para uma comunidade no interior do Pará.
Erros são permitidos!
As etapas também se invertem um pouco. Em geral, o professor apresenta o produto final que será produzido em aula. O desafio pode ser maior ou menor, dependendo do perfil de cada aluno. O estímulo é importante. “Você tem que mostrar os pequenos avanços diariamente. Lembrar de como eles começaram do zero e conseguiram novas etapas. E mostrar que errar – e consertar – faz parte de todo o processo”, diz o professor Jordan Budisantoso, que leciona Ciência da Computação para o ensino médio na Washington Leadership Academy.
Esse ciclo garante parte do sucesso do método. “É muito mais eficaz você aprender teoria depois que nasceu a curiosidade. Criar suas próprias hipóteses antes de receber a verdade pronta”, afirmou Paulo Blikstein, professor brasileiro em Stanford, durante sua participação no Transformar, há dois anos.
* A repórter viajou a São Paulo a convite do Instituto Península.