Segundo o estudo do Banco Mundial, dos cerca de 175 dias de aula efetivos, houve o equivalente a 126 dias de aprendizado, excluindo o desperdício de tempo| Foto: Freepik
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Normalmente, nos frequentes debates sobre a baixa qualidade do ensino no Brasil, discutem-se a qualidade dos professores, o conteúdo a ser ensinado e o material didático. De fato, esses são aspectos essenciais do problema. Mas existe outro elemento que costuma ser ignorado: em comparação com estudantes de outros países, os alunos brasileiros ficam pouco tempo em sala de aula - e, para piorar, boa parte desse tempo é desperdiçado.

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No critério de dias letivos por ano, os alunos brasileiros estão perto da média - pelo menos no papel. São 200 dias letivos, ligeiramente acima de países como o Reino Unido e ligeiramente abaixo de outros, como a Rússia. Acontece que na prática número, com frequência, é menor do que o oficial. Um relatório do Banco Mundial sobre o aproveitamento do tempo em sala de aula, publicado em 2007, concluiu que, dos 200 dias letivos, cerca de 25 foram desperdiçados com atrasos e aulas canceladas. Embora tenha uma amostragem reduzida (o levantamento foi realizado apenas em Pernambuco), o estudo capta uma realidade que se repete em grande parte do país.

No critério horas de aula, a situação do Brasil é ainda pior. Enquanto outros países têm uma carga horária média de 7 e até mesmo 8 horas, nossos estudantes do ensino básico passam, em média, 5 horas por dia na escola - ou menos, dependendo do critério utilizado. Embora o governo federal tenha lançado em 2016 um programa de apoio aos estados na oferta de ensino em tempo integral, apenas 14% dos estudantes têm sete horas ou mais de aulas por dia.

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A situação dos estudantes brasileiros piora quando se nota que, dentro dessa carga horária já reduzida, um percentual considerável do tempo em sala é mal aproveitado ou simplesmente desperdiçado. Segundo o estudo do Banco Mundial, dos cerca de 175 dias de aula efetivos, houve o equivalente a 126 dias de aprendizado, excluindo o desperdício de tempo. O estudo também mostrou que, em média, os alunos brasileiros ficavam 19,3% do tempo de aula sem atividade - o dobro registrado na Tunísia e no Marrocos.

Nesse aspecto, um dos problemas mais graves é a indisciplina dos alunos brasileiros. Um levantamento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) constatou que, dentre 76 países, o Brasil é o 75º no critério de disciplina em sala de aula. Segundo o PISA de 2018, 41% dos alunos brasileiros informaram que, na maior parte das aulas, o professor precisa esperar um longo período de tempo até que os alunos façam silêncio.

O estudo do Banco Mundial também observou que os alunos brasileiros passam mais tempo copiando conteúdo do quadro do que chilenos e cubanos. Uma das formas seria apresentar problemas em outro formato (como material impresso) em vez de escrevê-los no quadro e pedir que os alunos copiem.

“Nos países mais avançados o tempo pedagógico efetivamente usado em sala de aula está em torno de 90%. No Brasil, fica entre 60% e 65%”, afirma o professor Célio da Cunha. Na opinião dele, melhorias significativas na educação não necessariamente exigem gastos adicionais. “É possível superar este problema com uma boa política de gestão. Não só nas escolas, mas nas instâncias administrativas”. Como um bom exemplo, o professor cita a cidade de Oeiras (PI), que foi um dos destaques na última edição do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) depois de apostar um modelo de planejamento pedagógico criterioso e oferecer apoio constante aos professores para aumentar a eficácia do tempo em sala.

Para a consultora Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC do Rio de Janeiro, os brasileiros passam muito pouco tempo em sala de aula, mas o problema não pode ser visto isoladamente e precisa ser acompanhado de uma revisão nos métodos de ensino e no conteúdo. “É fundamental ampliar o horário das crianças na escola no ensino básico, porque para muitas delas a escola é o único local com oportunidade de aprendizado. Mas, se a gente não mudar a escola, acaba não tendo efeito’, diz ela.

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Aumentar o número de dias letivos por ano ou estender o tempo do aluno em sala de aula são mudanças estruturais que exigem uma grande dose de planejamento e, mais importante, recursos financeiros. Mas a redução do desperdício de tempo em sala de aula pode ser feita sem custos consideráveis.

Para Andrea, uma das medidas que podem aumentar a efetividade do tempo de sala de aula é a diminuição da fragmentação do tempo: em vez de ter diversas aulas de 50 minutos, com troca constante de professores e novas chamadas, seria mais efetivo agrupar as aulas. “Adotar mais aulas de dois tempos ou trabalhar por projetos em vez de só disciplinas fragmentadas seria uma maneira de mudar isso”, afirma a professora.

Outro aspecto essencial é aumentar a disciplina. Mas isso depende, em grande parte, de um trabalho junto às famílias. “A disciplina revela primeiro uma falta de limites colocados pela própria família, para exigir que as crianças e jovens respeitem o tempo da escola, a oportunidade dos outros aprenderem e o professor que preparou a sua aula”, afirma Andrea.