Não há dúvidas de que ler numa tela é uma experiência muito diferente do que ler em papel. Mas, curiosamente, desde a popularização da internet e de diferentes dispositivos eletrônicos, de computadores a tablets, poucas pesquisas conseguiram identificar quais são, exatamente, as diferenças. Em busca de parâmetros mais claros de comparação, quatro pesquisadores analisaram 54 diferentes estudos publicados entre 2000 e 2017 e que, somados, alcançaram 171.055 pessoas.
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Na maioria destes trabalhos, os participantes precisavam ler textos para depois responder a testes de múltipla escolha a respeito do conteúdo. Eles eram, em grande parte, alunos de ensino médio, e a tela mais utilizada pelas pesquisas foi a de computadores.
O resultado da análise está no artigo Don't throw away your printed books: A meta-analysis on the effects of reading media on reading comprehension, elaborado por Pablo Delgado, Cristina Vargas e Ladislao Salmerón, da Universidade de Valência, e Rakefet Ackermanc, do Instituto de Tecnologia de Tel Aviv.
A conclusão a que eles chegaram é que a compreensão do conteúdo é maior em textos impressos em papel, principalmente quando a pessoa tem um tempo pré-estabelecido para concluir a leitura. “Apesar de existirem claras vantagens no aprendizado digital, incluindo a redução de custos e a individualização do conteúdo, as pesquisas indicam que existem desvantagens”, afirma o estudo.
E, o mais surpreendente: a vantagem do papel aumentou ao longo deste século, ao invés de diminuir, como seria de se esperar com o surgimento de uma geração de leitores acostumados às telas.
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Leitura superficial
Para chegar à conclusão de que os benefícios do texto em papel vêm aumentando, os pesquisadores compararam o desempenho dos participantes em testes mais antigos, na comparação com estudos mais recentes. Como isso é possível, já que existe uma geração inteira de nativos digitais, acostumados desde a infância às telas?
“A evidência disponível suporta a tese de que o simples contato com tecnologia digital não melhora a capacidade de compreensão dos participantes. Ao contrário, tem um efeito negativo”, afirmam os pesquisadores. Para eles, “aumentar a exposição à tecnologia, com sua ênfase na velocidade e nas tarefas múltiplas simultâneas, pode encorajar um tipo mais vazio de processamento, que leva a um declínio na compreensão em ambientes digitais”.
Em outras palavras, “a integração crescente da tecnologia às nossas vidas pode estar relacionada a uma qualidade de atenção mais pobre”, na medida em que, “quanto mais as pessoas usam mídias digitais para realizar interações vazias, menos elas serão capazes de usá-las em tarefas mais desafiadoras”. Para os pesquisadores, essas conclusões “sugerem que deveria haver cautela quanto à introdução da leitura digital em salas de aula”.
Quanto às vantagens do papel quando existe um prazo para concluir a leitura, os estudos analisados indicam: “quem leu em computadores demonstrou autoconfiança maior, mas alcançou menores notas nos testes”. Com um agravante: sempre que o participante precisou rolar a tela para prosseguir lendo o conteúdo, seu nível de compreensão caiu ainda mais.
Democratização
“A leitura na tela tende ser mais fragmentada, multifacetada, dispersa pela presença de hiper e intertextos que surgem. Por outro lado, é mais atrativa, pela presença da relação entre linguagens verbal, visual e sonora”, explica a professora de língua portuguesa e literatura Ana Raquel de Sousa Pourbaix Diniz, mestre em cognição e linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). De fato, entre os estudos comparados pelos pesquisadores das universidades espanhola e israelense, foram comparados apenas textos lineares, sem recursos audiovisuais adicionados.
“Já a leitura no papel é mais estática, vista em totalidade, linear. O livro físico é mais propício para leituras que exigem maior nível de concentração ou um olhar mais analítico, apreciativo”. Para a pesquisadora, notícias, textos motivacionais, receitas e memes funcionam bem na tela, enquanto que uma obra literária mais densa é mais propícia ao papel.
“A tecnologia propiciou a universalização, a democratização e a circulação de textos anteriormente ‘elitizados’”, continua a pesquisadora. “Atualmente, há três formas de texto: manuscrito, no papel e na tela. Uma cultura não exclui a outra. Eles coexistiram, cada qual com suas especificidades”.