Em abril deste ano, o Comitê de Educação da Casa dos Comuns do Reino Unido emitiu um alerta: os exames padronizados aplicados obrigatoriamente no ensino primário não melhoram as condições de ensino e têm um impacto negativo no bem-estar das crianças.
Há outros indícios de que testes do tipo, como Enem, podem criar distorções no currículo: em vez de ensinar o que é preciso, o foco passa a ser os bons resultados no exame.
De acordo com avaliação do comitê britânico, os esforços dos professores e da gestão escolar para que os alunos passem nos exames levam a um ensino mais restrito, focado nas habilidades de leitura, escrita e matemática que compõem o quadro principal dos exames, em detrimento de outras disciplinas.
Para Neil Carmichael, membro do comitê, os exames são importantes para avaliar o trabalho das escolas, mas o impacto é muito alto, muito cedo. “As avaliações estão relacionadas diretamente a um sistema de responsabilização das escolas, em que os resultados dos exames são utilizados para levar a responsabilidade do progresso dos alunos às escolas e aos professores”, disse em entrevista ao Independent.
“Mas a grande importância dos exames pode causar um impacto negativo no ensino e na aprendizagem, levando a um currículo mais estrito e um ‘ensino para o exame’, o que afeta o bem-estar dos alunos e dos professores”, completa Carmichael.
Ambiente prejudicial
O comitê britânico pode ter razão. Uma pesquisa realizada pelo sindicato NASUWT (National Association of Schoolmasters Union of Women Teachers) com professores e gestores escolares no Reino Unido indicou que 84% dos educadores atribuem a pressão dos exames a um aumento de problemas na saúde mental dos alunos.
Nos exames aplicados no final do ano letivo em 2016, 53% dos alunos alcançaram a média esperada em leitura, escrita e matemática. Mas, de acordo com o comitê, esses resultados não oferecem uma visão realista das habilidades dos alunos, classificando uma grande parcela deles incorretamente como baixa habilidade, enquanto outros são passados para o nível seguinte com uma avaliação alta demais.
Com a pressão em elevar a média de cada turma, essa classificação acaba criando um padrão: priorizam-se os alunos de baixo desempenho que pontuam próximo da média e excluem-se aqueles com pontuação extremamente baixa.
“Os alunos que têm chances muito baixas de passarem são excluídos das intervenções ao longo do ano para que se possa focar nos alunos mais próximos da média”, revelou um professor para uma pesquisa realizada pelo Sindicato Nacional de Professores do Reino Unido (NUT - National Union of Teachers). “Isso é vergonhoso, mas a gestão escolar faz muita pressão para ter a maior porcentagem possível de alunos aprovados.”
De acordo com a pesquisa do NUT, 84% dos professores entrevistados acreditam que os alunos com necessidades especiais são os mais prejudicados pelos exames, e 58% defendem que os alunos alfabetizados em outro idioma são discriminados.
A pressão por resultados, e não progresso, tem impacto sobre os estudantes. “Os alunos que sabem que não estão no caminho para alcançar a média nacional se sentem ansiosos. Eles deveriam poder sentir orgulho do seu progresso ao invés de receberam uma sentença de que falharam”, disse outro professor na pesquisa.
Prova Brasil
No sistema brasileiro, a Prova Brasil é realizada para mensurar o aprendizado dos alunos e o desempenho dos professores e gestores. Na edição de 2015, apenas 7,3% dos estudantes atingiram a pontuação mínima adequada em matemática, e 27,5% em português.
A pressão por alto desempenho das escolas com base nos resultados de exames levou ao fim do ranking do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) por escolas a partir deste ano; até o ano passado, a média de notas dos alunos classificava a escola no ranking nacional. A mudança ocorreu depois de denúncias de escolas que criavam turmas especiais com alunos de alto desempenho para conseguir alta posição no ranking.
Para a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, o exame nacional não deve ser utilizado para a avaliar a escola, e a abolição do ranking é uma resposta a reivindicação dos profissionais da educação.
Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, a mudança ocorreu porque as instituições utilizavam os dados de forma equivocada. “Não é missão do Estado brasileiro estabelecer o ranking, que produzia um desserviço e uma desinformação.”
Estados Unidos
Nos EUA, mudanças nos exames padronizados começaram a ser feitas no governo de Barack Obama. Desde 2016, os estados passaram a ter mais autonomia para definir o tipo de avaliação utilizada nas escolas públicas. “Vamos trabalhar com estados, distritos escolares, professores e pais para nos certificarmos que não estamos obcecados com exames”, afirmou Obama na ocasião.
No estado norte-americano de New Hampshire, os testes padronizados passaram a ser aplicados ao final de cada ciclo escolar, em vez de serem realizados a cada ano, e a maior parte das avaliações passou a ser realizada com base em desempenho, em atividades mais flexíveis em modelo e duração.
A eventual abolição do sistema de avaliação padronizado criaria outros problemas: em um país diverso com o Brasil, por exemplo, o que fazer para medir a qualidade do sistema educacional como um todo? A falta de critérios objetivos foi justamente o que motivou a criação de avaliações nacionais. O fim desse sistema teria consequências permanentes. Mas isso não significa que os problemas do modelo devem ser ignorados.
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