Recentemente, um dos autores deste texto estava no Facebook, vagando entre um comentário e outro, quando se deparou com uma publicação de uma antiga colega de profissão, professora agora em outra universidade. Essa professora publicou um texto em sua página pessoal que atraiu o apoio de mais de uma centena de seus seguidores. Resumidamente, essa colega pedia para que as pessoas não acreditassem em notícias falsas associando a universidade pública com balbúrdia. Isso porque, segundo ela, desde quando ingressou em uma dessas instituições (até o momento), ela nunca viu nada disso (com letras garrafais) em nenhuma das universidades que passou.
Sem ter por objetivo estabelecer qualquer julgamento sobre a docente, avaliando se ela acreditava ou não no que havia publicado, procuramos no Google a definição de balbúrdia para ver se havia algum mal entendido. Segundo o dicionário online Priberam, balbúrdia é:
substantivo feminino
1. Barulho ou ruído provocado por muitas vozes juntas. = ASSUADA, VOZEARIA
2. Confusão ou desordem barulhenta. = TUMULTO
Se a definição do dicionário estiver correta, é possível dizer que talvez a professora não esteja de todo errada. Chamar de balbúrdia certas práticas que acontecem dentro das universidades seria um elogio.
Durante os períodos que os autores deste texto trabalharam ou estudaram nas universidades públicas brasileiras, foi (e continua sendo) possível presenciar ações que fariam inveja a qualquer aspirante a lunático.
Para citar algumas: depredação e destruição de patrimônio público; incitação a violência por credo ou posição social; invasão de prédios públicos e privados mediante coação física; uso de recursos institucionais para proteção e financiamento de viagens políticas de grupos radicais; perseguição; tráfico de drogas; realização de eventos destinado a masturbação; uso das repartições públicas para promover candidatos a presidência durante o período eleitoral; promoção de eventos para propaganda política de determinados partidos; comercialização de produtos ligados a partidos; apologia a ditaduras… Esses são apenas alguns exemplos que ilustram bem o quanto a palavra balbúrdia poderia denotar uma interpretação mais branda de algo muito pior.
Qualquer um que conhece minimamente as universidades, sabe que práticas como as de cima não são incomuns, operando muitas vezes abertamente, sem nenhuma restrição e, em alguns casos, até com o apoio velado de setores dentro das universidades.
No ano de 2015, por exemplo, um grupo formado majoritariamente de mulheres fez uma “apresentação” em frente à reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais dançando e masturbando-se em plena luz do dia. A ação foi gravada pela plateia que, após a performance, ovacionou os “artistas”. Caso isolado? Em março deste ano, realizaram outro evento com o mesmo conteúdo na universidade. Em uma semana acadêmica com o tema “Semana das Mulheres de Ciências Sociais”, foi anunciado uma “oficina sobre masturbação feminina” em um dos auditórios da instituição. Evento que também já havia ocorrido ano passado em uma das instituições superiores mais conceituadas do país, a Universidade de São Paulo.
Salas obstruídas e depredadas
Contudo, nem só de divulgação do sexo vivem os absurdos alimentados nessas instituições. Em 2016, diversos professores sofreram retaliações de alunos e de colegas de profissão por se oporem às invasões de movimentos estudantis contra a PEC 55 do controle de gastos. Na época, mais de mil escolas foram invadidas em todo o território nacional. Um dos autores deste texto chegou a enviar um email ao sindicato e aos demais professores expondo as ofensas, ameaças e retaliações que ocorreram nos momentos que antecederam a invasão do prédio. Ao tomar ciência do ocorrido, o advogado do sindicato mais que depressa disse que defenderia, claro, os estudantes invasores. Já com o outro autor, agora em outra universidade, um grupo de professores decidiu solicitar uma reunião para solucionar o problema. Como o leitor esperto já deve ter entendido, o problema no caso era o professor que se opôs à ocupação.
A professora mencionada no início deste texto (que diz não ter presenciado cenas de balbúrdia nas universidades) também recebeu o email em que há o relato das ofensas e intimidações feitas por estudantes que ocuparam a universidade naquele ano. Contudo, após quase três anos do ocorrido, não foi identificada nenhuma manifestação de solidariedade por parte dela que se diz defensora de uma educação livre, gratuita e de qualidade.
Outros professores pagaram ainda mais caro pelo crime de opinião. Alguns tiveram suas salas obstruídas, depredadas e mesmo sua pesquisa paralisada por movimentos estudantis. O motivo? Eles ousaram discordar ou manifestar publicamente sua opinião contra esses novos bárbaros.
Durante uma reunião, em que um de nós tentou descrever aos demais do sindicato o absurdo destes movimentos dentro da universidade, uma professora que defendia a invasão chegou a dizer em tom de argumento triunfal: “Mas o professor não foi agredido.” Segundo seu raciocínio, já que eles não o tinham arrebentado, não havia motivo para opor-se à ocupação do prédio que resultou na paralisação completa das atividades universitárias. Outros, mais idealistas, chegaram a comparar os invasores aos libertadores da escravidão. Afinal, se os horrores do escravagismo foram tolerados durante tanto tempo com a conveniência de autoridades, não deveríamos deixar que a história se repetisse. Agora, seria necessário romper com a legislação aceitando o papel messiânico dos invasores de escola.
Infelizmente, o radicalismo é algo que está nas entranhas de boa parte das universidades brasileiras, incluindo as de caráter privado. A violência, seja verbal ou física, tornou-se o combustível de protestos estudantis, que acreditam que, em nome de uma pretensa libertação de um mal imaginado, vale passar por cima das leis e normas sociais que são vistas apenas como mais um reflexo da estrutura opressora identificada.
Áreas de ressentimento
Parte deste radicalismo não surgiu de forma espontânea. Boa parte da formação teórica universitária, reproduz o que Anthony Daniels chama de áreas do ressentimento. Em muitos campos de estudo, é possível encontrar grandes teorias que denunciam, para cada problema da existência, um respectivo culpado - sejam eles os seus pais, a religião, o governo, o sistema, as leis, o patriarcado ou o funcionamento de uma escola.
Como o mal é visto como uma questão estrutural, em nome de uma educação de qualidade, valeria até proibir o funcionamento das instituições de ensino, pois, segundo eles, elas estariam compactuando com este “sistema desigual”, o que as tornaria cúmplices. Neste cenário, o professor que quer cumprir com suas obrigações (com ou sem PEC) se transforma em inimigo da cidadania, enquanto os jovens revolucionários que mal dominam conhecimentos básicos, sendo muitas vezes alunos repetentes, militantes de partidos políticos, recebem a defesa e as honrarias do aparato público.
É importante ressaltar que nada do que foi encontrado aqui é novo, nem exclusivo do território nacional. Cenas como essas podem ser vistas há décadas ao redor do mundo, inclusive nas melhores universidades dos EUA ou Europa. Hoje já é possível encontrar uma vasta bibliografia que denuncia não apenas os absurdos tolerados dentro destas universidades mas, por vezes, até dentro dos próprios corpos editoriais de revistas “científicas” especializadas, onde trabalhos falsos, caracterizados pelo vazio de sentido ou pelo alinhamento ideológico de determinada agenda totalitária, foram não só aceitos para publicação mas, em alguns casos, até premiados. O caso Sokal continua a pleno vapor.
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O joio e o trigo
A união entre a política e o radicalismo - ver Roger Kimball, Radicais nas Universidades - nos tem custado caro. Injustamente, a má fama se espalha fomentando nos que não conseguem separar o joio do trigo a percepção de que nada nestas instituições superiores presta, ou que tudo é fruto deste pacto.
Isso não é verdade. Parte das pesquisas universitárias do país tem conseguido fazer um bom trabalho, com orçamentos dignos de pena e uma infraestrutura pré-histórica. O problema é que nem sempre há o devido reconhecimento destas iniciativas. Principalmente, quando comparamos o destaque destes trabalhos com o palco fornecido aos não tão jovens líderes radicais do movimento estudantil, comumente aplaudidos por jornalistas, sindicatos e diplomados.
Já se perguntaram como estes mesmos líderes estudantis conseguem base política para lançar seus nomes nas próximas eleições como vereadores, deputados estaduais ou federais? Não é sem uma dose de ironia que podemos encarar como União Nacional dos Estudantes, que mal consegue fornecer uma carteirinha dos estudantes acessível, resolve emitir notas sobre a política internacional apoiando governos totalitários ou mesmo servindo de bandeira para ditadores que estão longe de respeitar os limites da civilidade.
Antes de terminar o texto, é preciso talvez antecipar certas críticas. Ambos autores deste breve artigo são à favor da universidade pública, e acreditam que pode ser feito um bom trabalho nestas instituições. Nós apenas discordamos de quem acredita que minimizar acontecimentos como os listados acima podem ajudar na imagem das instituições públicas. Concebemos que a melhor forma de valorizar a universidade é não considerar a ocultação da poeira sob o tapete uma missão da “educação pública, gratuita e de qualidade”.
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