Vinte e poucos estudantes do ensino médio estão em volta de uma grande mesa de trabalho, e o professor de Manufatura, Dan Cassidy, lhes entrega caixas de barras e engrenagens metálicas. Os estudantes escolhem peças com as quais construir maquetes de bicicletas. “O que mais vamos usar hoje?”, pergunta o professor. “Quero ouvir um pouco de vocabulário.” Quando um aluno propõe “correntes”, Cassidy os incentiva a procurar outro termo, até que eles se lembram de “acoplamento”.
Não é uma aula de manufatura. Na verdade, é uma aula que combina geometria e física. Enquanto alguns grupos de estudantes trabalham em estações montando miniaturas de bicicletas, outros estudam com o computador e usam lápis e papel para resolver um problema sobre triângulos paralelos à moda antiga. Cassidy e a co-professora Athanasia Robinson, especializada em matemática, circulam pela sala e acompanham o que os alunos estão fazendo.
“Tenho a maior dificuldade em ficar só sentada na sala de aula, prestando atenção no professor e tomando nota”, diz a estudante do segundo ano Hope Nichols, enquanto ela e uma colega de cabelos roxos aparafusam uma bicicleta. “Mas nesta aula aqui, tudo é feito com as mãos. Ou então eu posso mais ou menos aprender sozinha. É disso que eu gosto mais.”
Aqui na Manchester School of Technology High School (MST-HS), os alunos raramente se deparam com um livro didático. Na maioria das aulas, não recebem notas do modo padrão. Eles não passam para o nível seguinte automaticamente no final do ano letivo, mas apenas depois de dominar a matéria. Eles reforçam o que aprendem em sala de aula com experiências na vida real, como construir uma casa ou trabalhar como cozinheiros, para ajudá-los a se prepararem para uma vida profissional futura.
Sejam bem-vindos ao que talvez seja um protótipo da escola de ensino médio do futuro, um cruzamento entre escola profissionalizante e inovação acadêmica de ponta.
“Tão rápida quanto você quiser, tão lenta quanto você precisar”.
Ao cerne do currículo da escola está uma grande gama de caminhos profissionais entre os quais os alunos podem escolher, desde enfermagem até trabalho na polícia. A própria escola, que é pública e cujo curso abrange quatro anos, faz parte de um centro de opções profissionais e ensino técnico que há anos atende estudantes de outros colégios que o procuram para fazer cursos ligados a trabalho.
O foco sobre o desenvolvimento profissional é mais forte aqui do que na maioria das escolas de ensino médio, mas a MST-HS é simbólica dos esforços para tornar o ensino mais relevante e atrair o interesse dos estudantes com novos enfoques.
Em uma época de escolas públicas que lutam para formar seus alunos e de competição global crescente, as autoridades educacionais procuram maneiras de fugir das estruturas escolares onipresentes, que remetem à era industrial, com aulas de 45 minutos, aulas expositivas e níveis de ensino baseados na idade dos alunos. Hoje algumas escolas estão promovendo o ensino centrado em torno de projetos comunitários. Em outras, os alunos precisam criar portfólios e fazer estágios. Ainda outras incorporam os alunos nas decisões sobre como a escola ou a sala de aula vão operar.
A educação baseada em competências
Alguns dos experimentos mais ousados estão sendo feitos em New Hampshire. O Estado tornou-se líder no movimento de educação “baseada em competências”, no qual a aprovação tem menos a ver com o tempo passado em sala de aula ou na aprovação em exames tradicionais e mais com os alunos demonstrando que conseguem aplicar seus conhecimentos e habilidades à resolução de desafios complexos.
Em todo o país, “há muito interesse em ensinar de maneiras novas, mais flexíveis, que tragam respostas às necessidades diferentes dos diferentes alunos, a seus estilos diferentes de aprender e aos ritmos diferentes em que eles aprendem”, diz Thomas Toch, diretor do “think tank” Future Ed, da McCourt School of Public Policy da Universidade Georgetown, em Washington. “O engajamento de New Hampshire com o modelo de competências é visto como um esforço de vanguarda, que não deixa de encerrar desafios.”
Iniciativas diversas estão pipocando em todo o Estado. Um distrito escolar, em Rochester, New Hampshire, é pioneiro em permitir que mesmo os alunos mais jovens façam escolhas sobre o modo como aprendem. O distrito escolar de Rochester e oito outros também fazem parte de um projeto piloto inovador nos EUA no qual o aproveitamento do aluno é medido por seu desempenho em tarefas criadas por equipes de professores, e não por provas padronizadas. A MST-HS virou uma vitrine de inovações, criada pensando em alunos como Hope Nichols, que podem não se sair bem numa escola tradicional mas gostam de aprender matemática e outras habilidades com a ajuda de rodas dentadas e raios de bicicleta.
Uma revolução educacional
A revolução educacional discreta que está em curso em New Hampshire, se tiver êxito, pode vir a inspirar um futuro muito diferente para as escolas.
Cada programa de carreira profissional na MST-HS tem um conselho de orientação que inclui profissionais da área em questão e parceiros de empresas e escolas locais. Eles garantem que o currículo acompanhe as mudanças da profissão na vida real, além de criar estágios para os alunos e deixar que eles acompanhem profissionais no trabalho deles.
A natureza high-tech e academicamente complexa de alguns dos programas de carreira profissional na MST-HS muitas vezes surpreende pessoas da comunidade, que se recordam das origens da instituição, na década de 1980, como escola profissionalizante. Os responsáveis por definir as políticas educacionais entendem que o mundo do trabalho mudou e que algum grau de ensino de nível superior será necessário para a maioria das pessoas para que possam receber remuneração digna. As escolas profissionalizantes e técnicas com lado acadêmico forte mostram que “existem múltiplos caminhos para se chegar a isso”, diz Shaun Dogherty, professor na Escola Neag de Educação da Universidade de Connecticut.
Muitos estudantes apreciam o lema da MST-HS: “Tão rápida quanto você quiser, tão lenta quanto você precisar”.
Um novo sistema de notas
O sistema de notas na escola vai da nota 1 à 4. Os alunos avançam na escala entre o outono de um ano e o verão do ano seguinte, ou até alcançarem o nível 3, que significa que demonstraram competência em todos os elementos chaves de um curso. Alcançar o nível 4 significa que eles foram além.
Outro desafio: muitos dos alunos levam a frase “tão lenta quanto você precisar” literalmente demais. Por isso, a diretora da escola, Karen Hannigan Machado, diz que o corpo docente está procurando embutir mais auto-orientação, perseverança e planejamento nos cursos, habilidades frequentemente incluídas em listas de “habilidades do século 21” buscadas por empregadores.
“Há muito interesse em ensinar de maneiras novas, mais flexíveis, que tragam respostas às necessidades diferentes dos diferentes alunos, a seus estilos diferentes de aprender e aos ritmos diferentes em que eles aprendem”
Como muitas escolas de New Hampshire, a MST-HS quer que os alunos iniciem cursos novos ou aproveitem oportunidades de aprendizado alternativo assim que tiverem dominado a matéria de cada curso. Não é uma transformação fácil, mas é algo que já está acontecendo nas aulas de matemática comandadas por Amanda Egan e Callan Cardin, onde cada aluno aprende em seu próprio ritmo. No meio de um bloco de cem minutos, uma aluna procura Cardin para entregar sua prova final de uma unidade de geometria. A professora imediatamente entrega a ela os materiais com os quais começar a seção seguinte.
Essa abordagem de ritmo próprio vem solucionar um problema enfrentado por muitos professores. Os alunos mais avançados muitas vezes se sentem frustrados porque são obrigados a assistir à instrução básica necessária para muitos de seus colegas. Os teens procuram a MST-HS por diversas razões. Alguns gostam do fato de ser uma escola pequena. Outros são nerds declarados ou alunos que sofreram bullying em outras escolas e se sentem mais à vontade aqui.
Dos 325 alunos em tempo integral da escola, 25% precisam de adaptações feitas especificamente para eles, em função de deficiências físicas ou problemas médicos. Aberta em 2012, a escola quer crescer, porque, depois de preencher todas suas vagas por sorteio, geralmente ainda tem uma lista de espera de pelo menos 50 estudantes. Outros 437 alunos estudam ali em regime de tempo parcial, vindos de colégios de Manchester e outras cidades.
Os riscos do método
O ensino baseado em competências tem o potencial de melhorar a paridade educacional, customizando o ensino para se adequar às necessidades individuais de cada aluno. Mas também encerra riscos. Um deles é o que acontece se os alunos com mais dificuldades nunca alcançam os outros. “Se não pudermos dar a assistência necessária aos alunos que estão tendo dificuldades, enquanto os outros decolam, estaremos exacerbando as disparidades de aproveitamento, prejudicando os alunos que este modelo quer ajudar”, diz Toch, da FutureEd.
Apesar de todas as inovações que estão acontecendo em escolas de todo o país, a maioria das salas de aula ainda é bastante tradicional em sua abordagem ao ensino. Por isso mesmo, apenas 38% dos alunos de escolas públicas entrevistados em uma pesquisa nacional disseram que a maioria ou todas suas aulas os desafiam a mostrar seu potencial pleno. Para levar aprendizado mais aprofundado à sala de aula em grande escala seria preciso uma “mudança sísmica” que pode levar gerações, diz Jal Mehta, professor da Graduate School of Education da universidade Harvard, em estudo publicado pela Jobs for the Future.
New Hampshire já está adiantada nesse caminho. Os colégios de ensino médio do Estado vêm fazendo a transição para a educação baseada em competências desde 2005, e alguns distritos escolares já adotaram a nova abordagem voluntariamente em todos seus níveis.
Explicar as notas é um desafio
Ainda restam desafios. Um deles é explicar o novo sistema de notas aos pais – e aos responsáveis pela admissão de estudantes na faculdade. Para os alunos que saem do secundário diretamente para uma faculdade em linha com o que estudaram ma MST-HS, isso não costuma ser um problema.
Mas, diz Toch, geralmente há um período de transição em que algumas faculdades podem ser céticas em relação às transcrições baseadas em competências. O crédito tradicional obtido na escola de segundo grau representa uma medida padronizada de tempo passado em sala de aula, mesmo que não se equacione com aprendizagem real. Mas, para Toch, é uma medida que as faculdades entendem.
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