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Falta de dinheiro não é causa para o baixo impacto da ciência brasileira

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(Foto: Reprodução / Pixabay)

Escrevi recentemente para a imprensa uma análise sobre o impacto da ciência brasileira no mundo. Mostrei que apesar do Brasil ocupar a 14ª posição no ranking mundial de quantidade de artigos científicos (72 mil publicações em 2016), estamos numa posição bem menos confortável em relação ao impacto desses artigos. O impacto dos artigos científicos é medido pela quantidade de citações que eles recebem (no caso brasileiro em 2016, foram 153 mil citações). Para ser justo, o cálculo do impacto científico precisa levar em conta a relação entre citações e artigos. Assim, a pequena Singapura produziu 20,9 mil publicações em 2016, que receberam 92,8 mil citações, valores inferiores ao Brasil. Entretanto, Singapura teve 4,42 citações por artigo (CPP, “citations per paper”), mais que o dobro que o Brasil, com 2,12 (dados de 2016). 

Listando países com pelo menos 3 mil publicações em 2016, verificamos que o Brasil (com CPP=2,12) ficou no 53º lugar entre 66 países em um ranking de impacto científico. Nesse ranking, a Suíça ficou em 1º lugar, com CPP=4,68, seguida da Dinamarca com CPP=4,46, Singapura em 3º e Holanda em 4º lugar (CPP=4,37). 

Muitos leitores dirão que o Brasil está nessa posição bem desfavorável porque falta investimento para a pesquisa, pois os governos não investem o suficiente em pesquisa e desenvolvimento (P&D). De fato, olhando para os quatro primeiros colocados, todos esses países investem mais que o Brasil em P&D em relação ao PIB. Aqui os valores, de acordo com a Unesco: Suíça 3,4%, Dinamarca 2,9%, Singapura 2,2% e Holanda 2,0%. O Brasil gastou 1,3% do PIB em P&D em 2015. Sabemos que, com a crise econômica esse percentual baixou, mas não teve tempo de afetar significativamente a produção de artigos em 2016 (tendo em vista que publicar um artigo científico é fruto de uma pesquisa experimental e/ou de campo, que pode durar de 2 a 4 anos, em média). 

Outros países, que são bem conhecidos por sua ciência de excelência, ficaram obviamente à frente do Brasil em impacto: Suécia (8º lugar, CPP=4,12), Noruega (15º lugar, CPP=3,61), Alemanha (21º lugar, CPP=3,37), França (24º lugar, CPP=3,27), e EUA (26º lugar, CPP=3,20). Esses países investem de 2,0 a 3,2% do PIB em P&D. 

Até aqui, eu estaria dando argumentos para quem acredita que o impacto da ciência se resolve com mais dinheiro, ou seja, mais investimento financeiro em P&D. Mas essa tese começa a ruir quando olhamos a Estônia, 5ª colocada no ranking de impacto (CPP=4,36), que investe 1,5% do PIB em P&D. Curiosamente, a Estônia ficou em 1º lugar em 2015 no ranking CPP. Mas seria essa república báltica um ponto fora da curva? A resposta é não: há vários outros países com CPP bem superior ao brasileiro, mas que investem em P&D de forma similar ao Brasil, de 1,2 a 1,5% do PIB. É o caso da Irlanda (CPP=3,89), Itália (CPP=3,44), Hungria (CPP=3,41), Nova Zelândia (CPP=3,22), Espanha (CPP=3,20) e Portugal (CPP=2,93). Desses países, a Irlanda – o tigre céltico que ficou em 9º lugar no ranking CPP – merece especial atenção, pois sua ciência teve impacto 83% superior ao Brasil, mas com apenas 0,2% a mais de gasto relativo ao PIB em P&D. 

Há países com gasto em P&D que são menores que o nosso (0,8 a 1,0%), mas que apresentam impactos científicos superiores ou próximos ao do Brasil. É o caso da Grécia (23º lugar, CPP=3,29), África do Sul (CPP=2,78), Servia (CPP=2,46), Polônia (CPP=2,42), Bulgária (CPP=2,35) e Eslováquia (CPP=2,21). 

Na América Latina, há alguns casos bem interessantes que merecem atenção especial. Um é a Argentina, que ficou em 36º lugar do ranking de impacto (CPP=2,55), mas que aplica apenas 0,6% do PIB em P&D. É um país com crise econômica crônica, e mesmo assim faz ciência com 20% mais impacto que nós. Outro caso é o Chile, 28º lugar no ranking de impacto (CPP=3,00), que aplica apenas 0,4% do PIB em P&D. Certamente um país com grande capacidade gerencial na produção de ciência de qualidade. 

O caso do México é também interessante, pois tem um impacto científico praticamente idêntico ao nosso (CPP=2,10), mas aplica apenas 0,5% do PIB em P&D. Podemos dizer que a eficiência financeiro-científica (EFC = CPP / %P&D) do México (EFC=4,2) é 2,5 vezes acima que a nossa (EFC=1,6). Esse índice de eficiência da Argentina é igual ao do México, porém o do Chile (EFC=7,5) é quase 5 vezes superior ao nosso. 

Para terminar, um país que precisa ser mencionado é o Uruguai. Ele não apareceu no ranking CPP porque publicou menos artigos que a nossa linha de corte de três mil artigos. Foram apenas 1560 artigos em 2016, que foram citados 4,4 mil vezes, ou seja, CPP=2,84. Apesar de apresentarem um impacto 34% superior ao Brasil, gastam apenas 0,3% do PIB em P&D. Esse “milagre” é fruto – entre outras coisas – de uma alta de taxa de colaboração internacional: 64% dos artigos internacionalizados em 2016, comparado com 32% do Brasil e 45% da Argentina (falarei mais da relevância da colaboração internacional em outro texto). 

Em conclusão, não é necessário só “mais dinheiro” para fazer a ciência ser impactante. Gestão eficiente de P&D, boa formação dos pesquisadores e paz para fazer pesquisa estão entre os segredos. Temos muito trabalho de mudança pela frente. Alô Bolsonaro!

*Marcelo Hermes-Lima é pesquisador e professor de bioquímica na Universidade de Brasília (UnB). Tem mais de 5,8 mil citações em revistas científicas internacionais.

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