Inovação é parte da composição da universidade, mas esse nem sempre é o caso quando se trata de empreender. Apesar das iniciativas empreendedoras crescerem nas universidades brasileiras, diferenças de perfil nas instituições, falta de engajamento dos professores e urgência do mercado de trabalho são algumas barreiras para o empreendedorismo dos estudantes.
“É possível que estudantes não encontrem nos professores, especialmente entre aqueles que são pesquisadores, todo o incentivo ao engajamento em empreender”, aponta o professor de Economia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Felipe Garcia.
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Em entrevista à Gazeta do Povo, Garcia descreve até onde o ambiente universitário influencia o espírito empreendedor e por que as universidades públicas estão mais afastadas desse perfil.
Muitas startups nascem em universidades, mas até onde o ambiente universitário é um fator que influencia o empreendedorismo?
A pesquisa científica dedicada em compreender o processo de formação da intenção empreendedora aponta que o ambiente no qual os indivíduos estão inseridos – domiciliar, social, escolar etc. – pode exercer importante papel nesse processo. Sobre a função das universidades, em específico, ainda não há um consenso; algumas evidências apontam para um papel ativo do ambiente universitário, outras não.
A avaliação dos efeitos do ambiente da universidade no empreendedorismo enfrenta o desafio de isolar a influência desse ambiente da influência de outras variáveis sobre a intenção empreendedora. Por exemplo, uma possível disposição prévia em empreender por parte dos estudantes universitários. Mais pesquisas precisam ser conduzidas para que se feche a questão.
A existência de startups e empresas juniores nascidas nas universidades pode ser pensada como consequência de características prévias de estudantes e professores envolvidos nos projetos, de forma independente do cotidiano universitário.
Há perfis de universidades mais voltadas para isso? Nesse sentido, quais as diferenças entre instituições públicas ou privadas?
No Programa de Pós-Graduação em Organizações e Mercados da Universidade Federal de Pelotas foi desenvolvida uma dissertação sobre possíveis efeitos heterogêneos de universidades públicas e privadas no desejo de empreender de estudantes matriculados no curso de Administração de Empresas de universidades gaúchas. Os resultados não apontaram para diferenças sistemáticas no papel das universidades públicas e privadas.
Na verdade, os dados revelaram que, em média, no começo do curso os estudantes de privadas tinham uma maior intenção de empreender em relação aos alunos de universidades públicas, mas ao longo do curso essa diferença tende a não se alterar. Isso sugere uma ausência de efeitos diferentes em função do ambiente da universidade pública ou da universidade privada.
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Várias hipóteses podem explicar esta observação. A primeira delas é que embora as universidades privadas atraiam estudantes com maior desejo empreendedor, a necessidade de pagamento dos cursos pode forçar as pessoas a buscarem soluções financeiras mais imediatas, de curto prazo, conciliando os estudos com o trabalho.
Por outro lado, apesar da maior possibilidade de tempo à disposição, estudantes de universidades públicas não reduzem ao longo do tempo a diferença inicial de intenção empreendedora observada no início dos cursos. Isso pode ser explicado pelo fato de que, sobretudo no Brasil, as universidades públicas tenham uma menor sinergia com o mercado, consequência de diversos fatores, e uma maior vocação para pesquisa científica.
Nos casos de startups que nascem em universidades, até onde o ambiente universitário influencia ou atrapalha o desenvolvimento dessas ideias? As ideias empreendedoras nascem por causa do ambiente universitário ou apesar dele?
Existem ações para promoção da inovação dentro das universidades. Pessoas realmente interessadas no assunto encontram os mecanismos para isso dentro das universidades. Há bolsas de iniciação tecnológica, editais para o fomento de startups e participação em empresas júniores, especialmente nas áreas ligadas a negócios (administração e economia) e áreas conectadas a tecnologias (computação, engenharias etc.).
É possível que estudantes não encontrem nos professores, especialmente entre aqueles que são pesquisadores, todo o incentivo ao engajamento em empreender, mas também não penso que a vocação em pesquisa atrapalhe o desenvolvimento de projetos empreendedores. Quem está disposto a correr atrás e tornar viáveis seus projetos, encontra as possibilidades. Os parques tecnológicos vinculados às universidades estão cheios de oportunidades e abertos a novas ideias.
Até onde existe conflito entre perfil empreendedor e perfil acadêmico nos cursos? Há áreas ou cursos mais alinhados a desenvolver o espírito empreendedor nos estudantes?
Pesquisa, inovação e empreendedorismo podem andar juntos. Aliás, é desejável que andem. Lógico que em certas áreas isso é muito mais fácil e recursos acabam sendo drenados para elas. O desenvolvimento de produtos novos que resultem em planos de negócios e oportunidades de empreender é muito mais factível em engenharias do que em ciências políticas, por exemplo, embora tecnologia e inovação sejam possíveis em qualquer campo do conhecimento humano.
Aplicativos que informam eleitores sobre propostas de candidatos são exemplos do que estou falando. Mas, novamente, além da característica de cada área, há um viés de autosseleção de pessoas nas diferentes áreas. É provável que as áreas com maior afinidade com mercados e desenvolvimento de produtos atraíam pessoas com maior disposição para empreender.
Universidades oferecem iniciativas como incubadoras de empreendimentos e empresas juniores. Qual o papel dessas ações para incentivar o empreendedorismo dos alunos?
O apoio se dá em diversas dimensões. Desde o fornecimento de espaços físicos a consultorias técnicas. Há um acesso facilitado a informação de ponta quando empresas novas estão amparadas nas universidades. O treinamento teórico oferecido aos alunos nos cursos, a formação dos recursos humanos, em outras palavras, que as universidades oferecem, também é essencial.
Ainda que em um primeiro momento conteúdos como equações diferenciais ou cálculo numérico (para ficar no exemplo das áreas exatas) possam parecer distantes do que irá ser desenvolvido no negócio, certamente auxiliam na formação de habilidades cognitivas importantes para resolução de problemas práticos. O convívio com colegas em atividades em grupo (laboratórios, trabalhos etc.) estimula o que chamamos de habilidades socioemocionais. Estas também são fundamentais para o mundo dos negócios. Saber lidar com pessoas é crucial e resolver problemas de forma harmoniosa é uma grande vantagem.
Como as universidades podem incentivar o empreendedorismo dos estudantes? Até onde é possível incentivar no ensino, não apenas na extensão?
Seminários, palestras, workshops são possibilidades. Vincular conteúdos teóricos em sala de aula com casos práticos, exemplificando as possibilidades mercadológicas possíveis são outras ações importantes. Institucionalmente, e isso especialmente para as universidades públicas, tornar mais fácil, menos burocrático, a interação sinérgica com empresas, auxiliaria em muito o fomento do empreendedorismo tanto por parte de discentes quanto de docentes. No entanto, sobre este último ponto, tenho a sensação de que barreiras ideológicas ainda estarão no meio do caminho.
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