Embora representem menos de 1% das matrículas da Educação Básica, as escolas federais são, de longe, as que apresentam melhor desempenho nas avaliações de ensino. O resultado mais recente do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), divulgado em 2016, demonstra de forma clara essa disparidade em relação às instituições das redes municipais, estaduais e até mesmo privadas.
Na pesquisa, os alunos que estudam em locais vinculados à União atingiram notas acima da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – equiparando-se a índices de nações como a Bélgica, por exemplo. O bom desempenho é percebido, principalmente, nas avaliações de Leitura e Ciências.
No índice que mede a proficiência em Leitura, as escolas federais alcançaram 528 pontos – número superior à média dos membros da OCDE (493 pontos). A entidade agrega alguns dos países mais desenvolvidos do mundo, como Estados Unidos, Alemanha e Japão – o Brasil ainda pleiteia sua condição de membro. A rede municipal, para se ter ideia, somou apenas 325 pontos nesse mesmo quesito.
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Em Ciências, os locais de ensino vinculados ao governo federal atingiram 517 pontos – 24 acima da média da organização internacional. As escolas municipais, na mesma avaliação, somaram 329 pontos. Já as instituições privadas brasileiras ficaram abaixo das instituições federais em todas as avaliações do Pisa.
Com base nestes resultados, o senador e candidato à reeleição Cristovam Buarque (PPS-DF) elaborou um Projeto de Lei Complementar (PLS) que tem a pretensão de federalizar diversas escolas municipais e estaduais. As instituições, de acordo com a proposta, passariam a ser geridas pela União e os locais de ensino mais precarizados teriam preferência na fila da federalização. Por sua vez, o governo federal poderia optar por aceitar ou não a gerência sobre a instituição. A anuência dependeria da condição fiscal do país e de sua capacidade de honrar com investimentos e gastos de manutenção.
Na opinião do senador, o Brasil oferece condições desiguais de ensino público à população. “É um absurdo uma criança ter uma escola boa, e outra, uma ruim. Educação tem que dar chance a todos”, afirma. O caráter heterogêneo das prefeituras estaria na base dessa disparidade. “Nossos municípios são muito desiguais e nem todos conseguem prover oportunidades equânimes.”
Custo trilionário
O projeto estipula o prazo de 20 anos para a incorporação federal de escolas, obedecendo-se o limite fiscal de gastos – regido pela Emenda Constitucional 95. Aliás, essa estratégia não custaria pouco.
Um cálculo feito pela assessoria de Buarque, divulgado em 2016, estima o custo anual da proposta em R$ 463 bilhões – com base em valores de 2011. Corrigido pela inflação do período, o valor atual fica em torno de R$ 681 bilhões. Caso as federalizações durem o tempo previsto, o gasto total ultrapassaria os R$ 9 trilhões. O país precisaria elevar o PIB em 2% por ano ao longo de duas décadas para arcar com a migração. Nas últimas duas décadas, a economia brasileira cresceu acima dos 2% em apenas oito anos – o que ajuda a dimensionar o desafio.
A proposta também inclui a incorporação dos professores municipais e estaduais, além da contratação de docentes por meio de concurso público. Os profissionais se tornariam servidores federais, com salário em torno de R$ 15 mil. Eles teriam estabilidade, mas seriam submetidos a avaliações de desempenho a cada cinco anos.
Desempenho melhor: por quê?
Uma das justificativas para o bom desempenho das escolas federais pode ser o tamanho reduzido da rede – o que aumenta a chance de um maior controle de qualidade. Segundo o Censo Escolar de 2016, o Brasil tem 186 mil escolas de Educação Básica. Dessas, apenas 0,4% são federais. Entre as escolas de Ensino Médio, cerca de 1,5% estão sob a guarda da União. Ao todo, o país tem 64 mil creches, sendo apenas 19 delas federais. Em termos de matrículas, a participação é irrisória: menos de 1% dos estudantes brasileiros frequentam instituições federais.
A alta demanda por escolas federais faz com que muitas tenham de realizar avaliações de pré-seleção. Como o nível de exigência é alto, alunos de baixo desempenho tendem a abandonar as instituições. Além disso, a qualidade dos professores contribui para o destaque. A própria motivação dos docentes influencia no processo. De acordo com o movimento Todos Pela Educação, a remuneração média de um professor da rede federal é de R$ 5.173,92, para uma carga horária de 40 horas semanais. O valor é 65% acima do salário médio do magistério de outras redes públicas.
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Em São Paulo, a escola Paulistinha, administrada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é um exemplo do alcance de bons resultados. A instituição obteve conceito acima da média em todas as edições do Índice de Desenvolvimento da Escola Básica (Ideb). Na última pesquisa, divulgada em 2015, a Paulistinha atingiu 6,5 pontos. A meta definida pelo Ministério da Educação (MEC) era de 4,7. Em 2011, o Ideb da instituição foi 6,9 – bem acima dos 3,9 estipulados pelo governo. A escola atende a quase 700 crianças do Ensino Infantil e Fundamental. Outro destaque do Ideb é o colégio Aplicação, de Porto Alegre (RS). Vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a escola alcançou 7,3 pontos na avaliação de 2015 e teve uma das melhores performances do país.
Distribuição de recursos
A proposta, entretanto, encontra resistências. Uma das vozes dissonantes é o educador e cientista político Daniel Cara. Para ele, coordenador licenciado da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) – uma rede de organizações dedicadas a promover a qualidade do ensino no país – e candidato ao Senado, se a União repassasse recursos proporcionais aos gastos e ao envolvimento na educação, muitos problemas das escolas municipais e estaduais poderiam ser solucionados.
De acordo com dados da CNDE, a cada R$ 1 investido na área educacional, os municípios entram com R$ 0,42. Já os estados contribuem com R$ 0,40. Historicamente, porém, os repasses federais são desproporcionais aos investimentos no setor. Em um artigo escrito para um periódico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Cara cita que o governo federal concentra 57% do que é arrecadado. Os estados ficam com 25%, enquanto os municípios sofrem com o repasse de somente 18%.
Assim, a saída para equilibrar a qualidade não seria transpor a administração das escolas da rede pública à União, mas racionalizar o rateio das verbas. “O país tem 200 mil escolas públicas. É impossível gerir tudo isso. O caminho é fazer com que o governo assuma seu papel de colaborar técnica e financeiramente com estados e municípios”, diz o educador.
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