A crise recente no Fies chamou atenção da opinião pública. Com frequência, a escassez orçamentária foi apontada como a vilã da redução no programa de financiamento educacional, que oferece empréstimos de longo prazo para o pagamento de mensalidades no ensino superior.
Mas essa é apenas parte da explicação: o modelo atual é insustentável porque concede recursos de forma indiscriminada e indiretamente incentiva a inadimplência. Exemplos recentes dos Estados Unidos e da Inglaterra reforçam a sensação de que, apesar de uma importante ferramenta de acesso à faculdade, esse sistema de financiamento está longe de ser a melhor solução.
“Estimativas apontam que 50% dos alunos que hoje optaram pelo Fies, provavelmente não conseguirão pagar o financiamento”, analisa William Klein, CEO da Hoper, consultoria especializada no mercado educacional.
Modelo insustentável
No Brasil, os efeitos começaram a ser sentidos a partir de 2015, com uma diminuição progressiva dos financiamentos oferecidos a cada ano: em 2014, 732 mil estudantes foram beneficiados pelo programa; em 2015, o número caiu para 278 mil. No primeiro semestre de 2017, o número de vagas oferecidas pelo programa foi de 150 mil.
A diminuição da oferta é uma resposta a um rápido aumento no número de estudantes beneficiados, mesmo com relativa estabilidade no crescimento das vagas no ensino superior. Em 2014, por exemplo, o número de matrículas cresceu 7%, enquanto o número de alunos beneficiados pelo Fies subiu 480%.
O crescimento do volume de empréstimos cedidos, juntamente com a crise econômica, levou a cortes no número de vagas abertas a cada semestre e na renovação de contratos já existentes; com menos vagas no Fies, o valor das mensalidades sofreu inflação para acomodar a inadimplência que cresceu 12,9% em 2015 e 9% em 2016.
Os números ainda indicam que hoje 50% dos alunos do ensino superior privado possuem algum tipo de financiamento – a expectativa, porém, é que esse indicador reduza a algo em torno de 20% até 2021.
Erros
“O Fies veio com juros significativamente baixos e subsidiados pelo governo, o que por si só era algo muito positivo. Mas ele ainda carecia de uma participação maior da instituição de ensino na garantia desse pagamento. Se o aluno não pagar, a instituição terá algum tipo de responsabilidade”, explica Klein.
Outro erro foi o não estabelecimento de uma política que condicionasse o valor das mensalidades à média do mercado. “Foi a grande falha do MEC: ao permitir que os valores fossem determinados pelas próprias instituições de ensino, mensalidades cresceram entre 15% a 20%, fazendo com que a conta não fechasse”, completa.
Problema Global
O modelo de financiamento estatal também afeta a economia nos Estados Unidos, onde o valor gasto com esses programas chega a US$ 1,4 trilhões, de acordo com dados do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos. Lá, o governo federal é o credor de 93% desse valor, o que faz com que o Departamento de Educação dos Estados Unidos seja um dos maiores bancos do mundo.
O valor é resultado de um aumento contínuo do endividamento nos últimos anos, que elevou o volume em 170% na última década, em um ciclo de aumento de mensalidades e aumentos dos juros cobrados, que chegam a 9% ao ano – mais altos do que os juros para financiamento imobiliário, que são de 4% ao ano. Hoje, cerca de 44 milhões de norte-americanos possuem dívida de financiamento estudantil. Desses, pelo menos 25% estão com o pagamento atrasado, de acordo com o Consumer Financial Protection Bureau (CFPB – Departamento de Proteção Financeira ao Consumidor) dos EUA.
Com mais inadimplência, o preço das mensalidades aumenta como uma forma de compensar o déficit que cresce a cada ano. Atualmente, o valor médio devido pelos estudantes norte-americanos no momento da graduação é de US$ 34.000, valor 70% maior do que o observado em 2007.
O aumento no nível de inadimplência torna as dívidas de financiamento estudantil pouco atraentes para o setor privado, o que empurra grande parte do valor devido para o setor público. Com as dívidas crescendo a um ritmo maior do que as quitações, a bolha do financiamento estudantil começa a tomar corpo de forma similar à bolha imobiliária que lançou o país, em 2008, em uma das maiores crises econômicas de sua história.
Reino Unido
No Reino Unido, as dívidas de financiamentos estudantis subiram 16,6% em relação a 2016, chegando a 100,5 bilhões de euros em março deste ano – deste total, 89,3 bilhões estão na Inglaterra. Com o aumento de estudantes ingressando no ensino superior e as mensalidades aumentando, a expectativa é que o número cresça e a conta fique para os cofres públicos.
“Com as taxas aumentando, esse número só tende a subir, conforme mais e mais dinheiro é emprestado a cada ano. Há um motivo para preocupação, já que agora está sendo aceito que a maioria dos graduados nunca pagará sua dívida inteira antes que seja perdoada no período de 30 anos depois da sua graduação”, diz Jake Butler, do Save the Student, site dedicado a aconselhamento financeiro para estudantes.
As dívidas começaram a crescer depois da mudança legislativa introduzida na Inglaterra em 2012, que passou a permitir que as instituições de ensino superior cobrassem anuidade de até £9.000 por ano. Até março daquele ano, elas somavam £45,9 bilhões, menos da metade do valor atual.
“Esses números mostram que a dívida estudantil está se tornando a maior prioridade a cada ano. É o tipo de dívida que mais cresce e está rapidamente ganhando importância econômica”, diz o economista Sebastian Burnside ao Guardian.
“O custo da educação foi transferido para os estudantes de um modo que nunca vai ser pago”, explica Sorana Vieru, vice-presidente de ensino superior na União Nacional dos Estudantes da Inglaterra, também ao Guardian. “Esses números levantam a questão se os empréstimos são a melhor forma de financiar o sistema de educação e o que é melhor para o setor, para os contribuintes e para o público.”
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