Assim como ocorre em outros setores, os avanços na área da educação resultam, invariavelmente, na criação de novos conceitos que definem e identificam estratégias, indicadores e processos de aprendizagem inovadores. Para compreender o significado e a eficácia dos termos “da moda” no dia a dia das escolas e educadores, como sala de aula invertida e pensamento computacional, a Gazeta do Povo entrevistou o gerente de projetos da Fundação Lemann (organização sem fins lucrativos que atua na área da educação), Guilherme Antunes, e elaborou uma espécie de dicionário da educação moderna. Confira:
Lacuna de desempenho
A lacuna de desempenho pode ser definida como uma diferença significativa nos resultados obtidos por grupos de alunos relacionada, geralmente, a fatores como gênero, raça e condições socioeconômicas. Tal disparidade pode ser observada, por exemplo, nos resultados de avaliações padronizadas, como os vestibulares, nos quais as notas dos estudantes cotistas costumam ser mais baixas do que a dos aprovados pela concorrência geral.
Os Estados Unidos têm uma cultura forte de uso desses indicadores, o que faz com que eles apareçam mais no debate público deste país, como conta o gerente de projetos da Fundação Lemann, Guilherme Antunes. “No Brasil, ela não é tão utilizada no dia a dia de sala de aula ou na academia, mas há estudos que começam a subsidiar este debate. Quanto mais presente ele estiver, melhor, pois é o primeiro passo para que se encontrem soluções para as políticas públicas [voltadas à educação]”, afirma.
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Aprendizagem socioemocional
Também chamado de “habilidades (ou competências) do século 21”, este conceito refere-se à preocupação de que a criança desenvolva na escola competências pessoais, como empatia, autoconsciência e inteligência emocional, para que possa saber lidar e conviver com o mundo fora da sala de aula. A preocupação com o desenvolvimento destas habilidades, inclusive, permeia as discussões que envolvem a redação do texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deverá contemplar o tema.
“Este conceito vem ganhando força, pois a importância da educação está não somente em se dominar o conteúdo, mas em se saber como usá-lo no dia a dia, no trabalho, na vida e na cidadania”, acrescenta Antunes.
Fracasso e coragem
Na educação o fracasso não deve ser entendido em seu sentido literal, mas sim como uma oportunidade para superá-lo e se tornar mais qualificado naquilo em que se falhou. Aí entra a coragem, ou seja, a perseverança necessária para se seguir em frente e superar os obstáculos que se apresentem no percurso escolar. Como lembra o gerente de projetos da Fundação Lemann, é “errando que se aprende”, sendo o erro uma excelente oportunidade para o estudante compreender o que precisa melhorar e para o professor identificar a melhor forma de trabalhar com seu aluno para que ele possa evoluir. “Antes, o erro era demonizado. O fracasso, agora, vem ganhando uma nova perspectiva”, resume Antunes.
Sala de aula invertida
Criado nos Estados Unidos, o método vai na contramão do ensino tradicional ao tornar o aluno um sujeito ativo no processo de aprendizagem. Ele propõe que os estudantes tenham acesso aos conteúdos das disciplinas fora da escola (por videoaulas e textos, por exemplo) para que, em sala, o tempo seja utilizado para sanar dúvidas, promover discussões e/ou a realização de projetos e tarefas sobre o tema estudado. Assim, o professor assumiria o papel de mediador e o protagonismo dos alunos seria potencializado. “Com a tecnologia é mais fácil para o professor trabalhar a transmissão dos conteúdos fora da sala de aula para que, nela, aproveite melhor o tempo para tirar dúvidas e aplicá-los com os alunos”, explica o gerente de projetos. No Brasil, as aulas expositivas ainda são o método mais utilizado nas escolas, mas já há instituições que adotam o conceito da sala de aula invertida.
“A equidade ocorre quando a escola tem condições de trazer igualdade de oportunidades para todas as crianças (...), fazendo com que elas possam estar bem preparadas para o trabalho e para a vida”
Ensino híbrido
O ensino híbrido nada mais é do que a fusão do ensino tradicional, analógico (com lousa e giz na sala de aula), e o realizado por meio do uso da tecnologia (em ambiente virtual e no qual o aluno estuda sozinho). “Ele é a mistura entre o que de melhor existe no ensino tradicional e a tecnologia, que traz vários benefícios ao professor para ajudar o aluno a ser o protagonista do seu processo de aprendizagem”, acrescenta Guilherme Antunes, gerente de projetos da Fundação Lemann. Neste sentido, a sala de aula invertida é uma das categorias do ensino híbrido.
Mentalidade de crescimento
Cunhado pela psicóloga Carol S. Dweck, professora da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, o termo remete à ideia de que as habilidades podem ser aprimoradas e que os obstáculos e erros são oportunidades para se aprender e progredir. Seu contrário, a mentalidade fixa, refere-se à crença de que o talento não pode ser mudado. Aplicada à educação, a mentalidade de crescimento definiria os alunos que acreditam na possibilidade do progresso e, por isso, estariam mais motivados a enfrentar os desafios para alcançá-lo. O gerente de projetos da Fundação Lemann lembra que, assim como a lacuna de desempenho, a mentalidade de crescimento é outro conceito comum nos Estados Unidos, mas ainda pouco difundido no Brasil. Ele acrescenta, ainda, que a expectativa que professores, família e o próprio estudante têm sobre o aprendizado é um dos principais determinantes de quanto o aluno irá progredir.
“Se eles enxergam que o aluno não vai aprender determinado conteúdo, ele está fadado a não ter um bom desempenho, porque a forma de trabalho partirá de uma baixa expectativa. O contrário também é verdadeiro. As melhores escolas e professores são os que apresentam esta confiança e ajudam o aluno a acreditar em si mesmo, a entender que não está rotulado e que pode melhorar [seu desempenho]”, afirma Antunes.
Excelência com equidade
O termo refere-se à ideia de que o sistema educacional deve oferecer educação de qualidade para todas as pessoas. Assim, como explica Antunes, seria possível à sociedade brasileira ser mais justa e mais desenvolvida. “A equidade ocorre quando a escola tem condições de trazer igualdade de oportunidades para todas as crianças, principalmente para aquelas em situação de maior vulnerabilidade, fazendo com que elas possam estar bem preparadas para o trabalho e para a vida”, acrescenta o gerente de projetos.
Aprendizado para a vida inteira
Segundo Antunes, este conceito está relacionado à capacidade dos profissionais de se readaptarem ao longo da vida profissional, ou seja, de estarem sempre aprendendo coisas novas e acompanhando as evoluções dentro da sua área de trabalho. “Isso muda um pouco a forma de enxergar o sistema educacional e o papel da escola, etapa pela qual todos devem passar, mas que cada vez mais não acabará na faculdade. O profissional vai precisar de cursos formais e informais para continuar se renovando conforme a sociedade vai se desenvolvendo e as profissões ficando cada vez mais complexas”, explica o gerente de projetos da Fundação Lemann.
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Pensamento computacional
O ensino de programação de computadores está crescendo em diversos países, inclusive como conteúdo obrigatório dos currículos. De acordo com Antunes, isto tem dois objetivos. O primeiro deles é, de fato, o aluno aprender a programar um computador. “É importante que as pessoas se sintam incluídas neste processo, que o computador não seja uma ferramenta de exclusão social. Aprender a programar é uma excelente forma de elas entenderem melhor a realidade que as cerca”, afirma.
Mas, ainda mais importante do que aprender a programar, na opinião do gerente de projetos, é o “programar para aprender”, ou seja, o entendimento das relações de causa e efeito e a organização do pensamento que a programação desenvolve, que são habilidades úteis para todo o processo de educação e para o século 21.
Aprendizagem criativa
Tema que tem ganhado projeção, a aprendizagem criativa trata da importância de o aluno aprender na prática. De acordo com Antunes, este conceito pode ser explicado pela lógica dos quatro “Ps”: projeto (aprender por meio de algo que tem começo, meio e fim); pares (aprender com outros alunos, e não somente na relação aluno-professor); paixão (ou seja, de se trabalhar com algo que seja importante para o aluno); e postura de quem brinca (no sentido do aluno explorar, errar, ter curiosidade). “Esta lógica da aprendizagem criativa tem vários desdobramentos, como os ‘makers’ (fazedores), que são espaços que dispõem de ferramentas e materiais que possibilitam ao aluno ‘colocar a mão na massa’ e ver o produto do que está aprendendo”, acrescenta.